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Olhar Olímpico

Crise no COB expõe contraste entre atletas passivos e veteranos combativos

Demétrio Vecchioli

07/10/2017 04h00

Joanna Maranhão atendeu a todos os jornalistas que a procuraram para que comentasse a prisão e a suspensão de Carlos Arthur Nuzman e, a um por um, explicou que, desta vez, não falaria nada. Não que ela, mais combativa entre os atletas brasileiros olímpicos em atividade, não tivesse nada a dizer. Mas a nadadora preferiu deixar para que seus colegas aproveitassem a oportunidade e, enfim, dessem as caras. Nenhuma surpresa: eles não deram.

Na quinta, o que os colegas jornalistas desta e de outras redações mais ouviram de atletas foram desculpas por não se pronunciarem. Alguns poucos usaram as redes sociais, compartilhando notícias sobre a prisão de Nuzman, mas raros foram o que pontuaram de forma enfática suas opiniões.

Entre eleitos e indicados pelo próprio Nuzman, 19 atletas da Comissão dos Atletas do COB soltaram uma nota conjunta, das mais passivas. Expressaram apoio às investigações (e não poderiam não apoiar) e, dentro de um discurso nacionalista, disseram que "é nosso dever como qualquer cidadão brasileiro, proteger e preservar o bom funcionamento do nosso país".

Mas, quando o assunto foi a prisão de Nuzman, apenas pediram que a imprensa separasse o que é o COB e o que é Nuzman e caíram no discurso raso de que eles não querem que a Olimpíada do Rio seja lembrada somente por esse escândalo, mas sim pelo desempenho dos atletas.

A bola estava ali quicando, mas os atletas preferiram não atacar, mesmo unidos e falando em nome desta unidade, sem o que a própria Joanna chama de "boi de piranha". Não pediram mais transparência, não cobraram mais espaço para os atletas na assembleia geral do COB, não defenderem o afastamento de Nuzman da presidência do COB enquanto tudo estava sendo investigado. A preocupação deles é com a imagem: do COB, deles e da Olimpíada.

E também uma preocupação com o futuro deles. Passou batido em um dia de muitas novidades como ontem, mas Joanna Maranhão pela primeira vez foi beneficiada com o Bolsa Pódio. Das outras vezes em que mereceu o benefício, não teve o apoio da direção da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) que ela tanto criticou e que agora deixou o poder, também pela porta dos fundos.

Há sempre quem argumente que eles temem o sistema, o próprio COB, que é quem controla recursos da Lei Agnelo/Piva para treinamentos. Mas tal Comissão de Atletas do COB tem como presidente Tiago Camilo e como vice Yane Marques. Ou seja: dois atletas que até dizem não estarem oficialmente aposentados, mas que já dedicam mais tempo à pós-carreira do que ao esporte. O grupo, que também tem Emanuel e Hortência, entre outros aposentados, poderia blindar os mais novos e os que optaram por não se pronunciar. Mas, mesmo assim, foram passivos.

Menos mal para os atletas atuais que há quem fale por eles. Grupo liderado por Ana Moser e Raí, a Atletas pelo Brasil reúne diversos ex-esportistas de expressão e, mais uma vez, se mostrou como porta-voz desses anseios. Numa inversão do que se vê na sociedade como um todo, são os mais experientes os rebeldes, enquanto os mais jovens não estão felizes, mas também não será problema se continuar tudo como está.

Ainda que não tenha citado Nuzman em seu manifesto divulgado ontem, a ONG se posicionou: "em defesa de um Esporte íntegro, transparente, democrático e inclusivo". "Sabemos que os megaeventos criaram um ambiente favorável para o esporte na pauta governamental, mas pouco se avançou na oferta para a população, direito garantido constitucionalmente. Acreditamos que o desenvolvimento da cultura esportiva deve ir muito além de criar uma nação de expectadores. Passa pela ampliação do acesso ao esporte para que seus benefícios possam ser realidade para os cidadãos."

Se os atletas não aproveitaram o momento em que a guarda dos cartolas está baixa, os ex-atletas não perderam tempo, reforçando as pautas da entidade. "Defendemos a estruturação do setor por meio de um Sistema Nacional do Esporte e investimentos públicos realizados de forma planejada, consistente, acompanhado por diretrizes e metas claras, com total transparência nos dados."

Ao escrever que "é chegada a hora de uma nova ordem", a Atletas pelo Brasil deixa claro que, mais do que defender as investigações e pensar no passado, quer mudanças para o futuro. "As denúncias que mancham o nome do esporte e de suas instituições devem ser investigadas com profundidade e responsabilidade. Almejamos, principalmente, que a importância do Esporte seja reconhecida por meio do aprimoramento do nível de gestão e governança, e com investimento adequado e planejamento que contribua para o desenvolvimento dos brasileiros e do país, deixando no passado os escândalos e notícias tristes".

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.