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Olhar Olímpico

Bob Burnquist assume confederação e promete ser um cartola 'rebelde'

Demétrio Vecchioli

02/10/2017 04h00

(Harry How/Getty Images)

Bob Burnquist não nasceu para aceitar passivo as regras que o mundo tentou lhe impor. Ao longo das últimas décadas, expressou isso da melhor maneira que sabe: tornando-se uma referência no mundo do skate. O mesmo espírito rebelde que o levou a tantas conquistas sobre quatro rodas, porém, agora o coloca em um local improvável: como cartola, na presidência da Confederação Brasileira de Skate (CBSk). Que ninguém espere nada diferente do que Bob sempre foi: um rebelde.

"A rebeldia tem que existir para você não se conformar. Isso (conformar-se) não vai nunca existir da minha parte. Também não tem que ser rebelde só por ser rebelde. Tem que saber falar 'não' quando tiver que falar 'não' e e seguir em frente quando tiver que seguir. A rebeldia, a não conformidade, está sempre comigo e sempre vai estar", avalia Bob.

Causa, ele tem. Por mais absurdo que possa parecer, em fevereiro o Comitê Olímpico do Brasil (COB) entregou nas mãos da Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação (CBHP) uma carta na qual garante a ela a representatividade sobre o skate no país. Como a modalidade se tornou olímpica no ano passado, seria a CBHP, e não a CBSk, a responsável por convocar os a skatistas brasileiros para os Jogos de Tóquio.

A explicação segue uma lógica política. O Comitê Olímpico Internacional (COI) não reconhece nenhuma das duas federações internacionais de "skatebording" (o que nós brasileiros chamamos de "skate"), apenas a Fédération Internationale Roller Sports (FIRS), que representa as modalidades de "roller skating" (patinação). Como a entidade brasileira ligada à FIRS é a CBHP, ela que foi reconhecida pelo COB.

Para Bob, não deveria haver nem discussão. "A representatividade está no lugar errado. Eu vejo essa decisão como um equivoco do COB. A gente tem uma estratégia, tem um plano, e vamos pressionar até arrumar uma solução", diz o carioca de 40 anos.

Diferente do surfe, que tem uma confederação brasileira regularizada, mas vê seus principais atletas ligados a uma associação de atletas profissionais, no skate nunca houve dúvidas. Desde que a CBSk foi criada, há 18 anos, são os skatistas que fazem a gestão. Mas houve um entendimento geral de que uma coisa é o presidente Marcelo Santos peitar o COB. Outra é o presidente Bob Burnquist fazer o mesmo.

Eleito em 2007, Marcelo renunciou ao cargo em agosto, abrindo o caminho para que o amigo Bob apresentasse candidatura – que, como se imaginava, não teve concorrentes. Ninguém nega o intuito do movimento, mas o astro do skate prefere ressaltar que, com ou sem ele, a CBSk é que tem ter a representatividade. "Eu sendo o líder ou não, é óbvio que a CBSk represente o skate. A gente não quer briga, quer o é o certo. Mas essa mudança de comando é justamente para ter uma facilidade maior, poder fazer uma pressão maior."

Bob não é só um líder do skate brasileiro, mas é uma referência mundial, dono de 30 medalhas em X-Games. A eleição dele como presidente da confederação brasileira teve respaldo, segundo ele, do próprio Comitê Olímpico Internacional (COI), que quer resolver o problema. No mês passado, aliás, a FIRS se fundiu a uma das duas federações internacionais de skate, a ISF, e elas criaram a "World Skate", que vai cuidar do skate e da patinação. O brasileiro acompanhou de perto o processo junto com Gary Ream, presidente da ISF.

"Depois que o skate virou olímpico, ano passado, a gente veio para a Olimpíada do Rio e fomos rodando para botar a cara. A gente trabalhar em sinergia. A World Skate apoia essa movimentação e agora só falta resolver junto com o COB. Acredito que dentro desse mês a gente consegue resolver. Temos até o final do ano para isso", diz Bob. É que, em dezembro, o COB anuncia a divisão dos recursos da Lei Agnelo/Piva para o ano que vem e a CBSk, que hoje não tem nenhum funcionário e vive de trabalho voluntário dos skatistas, também quer receber o que julga de direito.

Para o COB, reconhecer a CBSk também é reconhecer dentro do movimento olímpico brasileiro um dirigente que se assume"rebelde". "O COB deve querer fazer o certo em meio a tanta coisa acontecendo. Começar a dar os passos positivos. Por que não sair e fazer o certo?", questiona o skatista, que diz "não tolerar" pessoas agindo fora do que é certo.

União – Enquanto a CBSk puxa a sardinha para o seu lado, a CBHP sempre deixou claro que não quer abandonar o osso que caiu no seu colo, até porque ela também é filiada à World Skate, a federação internacional reconhecida pelo COI. A favor da CBSk, porém, há um grande trunfo: os atletas. Diversos deles já deixaram claro que, se não for pela CBSk, eles não competem em Tóquio.

"Quem vai ou não vai, são eles que devem decidir. Mas pelo feeling, pelo que já sei e pelo que estou entendendo da movimentação, é que eles não vão não. E eu também não vou incentivar a ir", avisa Bob. O COB, claro, sabe do problema e também calcula o tamanho do prejuízo. Só nos Mundiais de street e park, as duas provas olímpicas, o Brasil ganhou três medalhas este ano. E Bob acha que esse número é mínimo pensando em Tóquio. A meta é ganhar cinco medalhas e se tornar a modalidade com mais conquistas em uma edição dos Jogos pelo Brasil.

Serve como trunfo para os skatistas o fato de, para eles, a Olimpíada ser só mais uma competição, diferente do que acontece no restante do movimento olímpico. Afinal, todos eles cresceram sem o sonho de serem olímpicos. Não que eles não queiram estar em Tóquio-2020, mas, assim como aconteceu com o golfe no Rio, ficar de fora também não será o fim do mundo. Qualquer tipo de chantagem não deve fazer efeito.

"Se não for a Confederação de Skate a convocar, os melhores não irão. E não vai fazer diferença na vida de ninguém. A gente poderia pensar que já que não faz diferença, então deixa para lá. Mas ainda que não seja o objetivo da vida, é um objetivo positivo. Se servir para a gente construir mais pistas, já é um grande motivo para a gente se empenhar. Eu não quero construir a confederação para formarmos campeões olímpicos. Queremos formar atletas, progredir, difundir o esporte, cumprir um papel na sociedade."

Para que fique claro que o skate não vai cair no vício das "panelinhas", Bob foi eleito tendo como diretor de seleções seu antigo rival Sandro Dias, o Mineirinho, de 42 anos. "O Sandro é um grande skatista, conquistou muito pelo Brasil e inspirou muitas pessoas, inclusive a mim. A gente batia de frente até pela nossa competitividade, mas eu não tenho essa vontade de fazer tudo sozinho. Quando liguei para ele, falei que seria muito legal contar com ele e ele se disponibilizou no que fosse necessário", conta Bob, negando que, entre eles, exista a rivalidade imaginada pelo grande público.

Para cuidar da confederação, Bob deve ficar mais tempo no Brasil do que na sua famosa casa na Califórnia, onde tem a sua "Terra dos Sonhos". De acordo com ele, nos últimos dois anos ele já vinha se dividindo bem entre lá e cá. "Da mesma forma que aprendo maneiras novas, eu posso aprender a ser um dirigente. Já sei como skateista o que acho legal, o que não acho. Agora vamos tentar implementar."

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.