Topo

Olhar Olímpico

Fim de patrocínios aumenta polaridade e míngua esportes pequenos no Brasil

Demétrio Vecchioli

27/09/2017 04h00

Robenilson de Jesus é derrotado por norte-americano na Rio-2016 (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images))

Levando em consideração o número de medalhas conquistadas até aqui em Campeonatos Mundiais ou similares em 2017, mais de 20, o desempenho do esporte brasileiro passa longe de ser ruim no primeiro ano do novo ciclo olímpico. Todas as conquistas porém, exceto aquelas do skate, um caso à parte, vieram das poucas modalidades que continuaram a ter patrocínio em um momento de vacas magras e cobertor curto. Enquanto isso, as confederações que perderam seus patrocinadores viram os resultados sumirem também. Se já existia uma discrepância grande entre os "grandes" e os "pequenos" do esporte olímpico brasileiro, agora essa polarização está cada mais nítida.

Atletismo (patrocinado pela Caixa Econômica Federal), esportes aquáticos (Correios), judô (Bradesco, entre outros), vela (Bradesco) e vôlei (Banco do Brasil), considerados os carros chefes do esporte brasileiro, tiveram um ano para se orgulhar. Apesar do orçamento menor na comparação com o ciclo olímpico que antecedeu a Rio-2016, as modalidades conseguiram manter o ritmo de conquistas, fazendo Mundiais de Natação e de Judô notáveis. A canoagem, impulsionada pelo BNDES também foi ao pódio na velocidade, com Isaquias Queiroz, enquanto sonha com conquistas no Mundial de Canoagem Slalom, que começou hoje na França.

Paralelamente, outras modalidades que apresentaram grande crescimento no ciclo olímpico passado e que, mesmo assim, perderam seus patrocínios, viram resultados que, se não são obrigatoriamente os piores da história, são incomparáveis com o que vinha sendo apresentado até então. Em termos de resultados, o Brasil voltou muitas casas.

O boxe é o melhor exemplo. Depois de subir ao pódio em todas as grandes competições realizadas desde 2011, a modalidade não só passou em branco no Mundial disputado na Alemanha, como viu só dois dos seus cinco representantes vencerem lutas. Os outros três perderam na estreia. Uma campanha esperada para uma delegação que já havia falhado em chegar às finais do Campeonato Continental, quatro anos depois de se sagrar a melhor equipe das Américas.

No taekwondo, o Brasil foi ao Mundial com equipe completa, bancada pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), e só conseguiu colocar dois lutadores nas quartas de final de suas chaves. A modalidade vinha de três medalhas nas últimas quatro grandes competições, considerando Mundiais e Olimpíadas. Ainda assim, não foi um fracasso tão grande quanto da luta, que enviou seis brasileiros ao Mundial e voltou de Paris com apenas uma vitória na mala. Nem Aline Silva, prata em 2014, passou da primeira fase.

Não é coincidência que as três modalidades tenham em comum o fato de terem ficado sem patrocínio depois dos Jogos Olímpicos do Rio. As confederações de boxe e taekwondo eram bancadas pela Petrobras, enquanto a de luta tinha apoio da Caixa. Agora, as três dependem única e exclusivamente dos recursos da Lei Agnelo/Piva.

A Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), por exemplo, precisou demitir o técnico cubano Pedro Garcia e cortou radicalmente os treinos e competições no exterior, além de mandar embora metade dos seus funcionários. Com o cobertor curto, passou a apostar em alguns poucos atletas. "Às vezes você tem um canhão, para dar um tiro. Errou, ferrou. Às vezes, você tem metralhadora que são 10 tiros pequenos, um pode acertar. A gente voltou a ter um tiro só. Nesse Mundial, nosso tiro era a Aline, que na primeira luta pegou uma adversária de tarimba", explica Roberto Leitão, superintendente da CBW.

Sem dinheiro para investir em várias balas, a CBW mandou só um atleta para o Mundial Juvenil, Joilson Júnior, que perdeu na segunda luta. Ainda que a confederação argumente que haja uma boa geração vindo aí, só ele teve a oportunidade de ganhar a tal "tarimba" em competições internacionais.

O problema é o mesmo da Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe), que há anos deixou de disputar Mundiais de base, apostando tudo em poucas balas, mesmo correndo o risco de perder – como perdeu – algumas delas para o boxe profissional. Questionada, a entidade não explicou por que os atletas de base têm sido alijados de competir internacionalmente, só disse que "a participação em campeonatos leva em conta não só a questão financeira, como também a disponibilidade de atletas aptos a participarem de tais eventos".

A bola de neve parece querer levar essas modalidades para o barranco. Sem dinheiro, as confederações não enviam os atletas para competir internacionalmente, não revela talentos, eles não ganham experiência, não conquistam bons resultados e não atraem patrocinadores. Sem patrocinadores, não tem dinheiro.

Por conta desse ciclo vicioso, a Confederação Brasileira de Pentatlo Moderno (CBPM) não mandou nenhum atleta para o Campeonato Mundial deste ano. Aliás, não bancou a ida de ninguém para competir internacionalmente em nível adulto – dois jovens participaram das seletivas pan-americanas para os Jogos Olímpicos da Juventude, mas ficaram longe do pódio.

A Confederação Brasileira de Esgrima (CBE), outra que perdeu o apoio da Petrobras, só conseguiu bancar integralmente a ida de dois competidores para o Mundial, apostando naqueles com maiores chances de bons resultados. Ou seja: deixou na mão os jovens com potencial, que, se quisessem ir à Alemanha, precisariam pagar do bolso.

Onde vai bem – Alguns destaques individuais de confederações pequenas, que surgiram bem durante o ciclo olímpico passado, conseguiram bons resultados internacionais nesta temporada. Todos têm em comum o fato de serem profissionais e dependerem pouco as respectivas confederações.

Um exemplo disso é Ygor Coelho, que, este mês, se tornou o primeiro brasileiro a conseguir vaga na chave principal de um torneio de nível Super Series do badminton – o equivalente a um Grand Slam do tênis. Ele já é o 37º do ranking mundial, melhor posição de um brasileiro, mas roda o circuito mundial com recursos próprios, sem apoio da confederação.

No ciclismo, Henrique Avancini obteve um histórico quarto lugar no Mundial de Mountain Bike, melhor resultado já alcançado por um ciclista brasileiro em qualquer competição deste porte. Mas ele é atleta da equipe de fábrica da Cannondale, uma das principais fabricantes do mundo, e tem apoio dela para rodar o mundo competindo. Graças a estas oportunidades e, logicamente, ao seu talento, é o 10º do ranking mundial atualmente, outro feito inédito.

Enquanto isso, a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), que perdeu o patrocínio da Caixa, vê os resultados despencarem em outras modalidades. Na estrada, o país só conseguiu três vagas no Mundial, considerando resistência e contrarrelógio, masculino e feminino, e de júnior à elite. No Mundial de Ciclismo de Pista, não conseguiu levar representantes.

A situação de Avancini é parecida com a de Hugo Calderano, 26º do mundo no tênis de mesa, que se desenvolve como jogador defendendo um clube alemão nas principais competições europeias. No Mundial, ele parou na fase anterior à de oitavas de final, igualando os melhores resultados da história.

Skate – Modalidade olímpica pela primeira vez, o skate realizou nas últimas duas semanas, no Japão e na China, os eventos que equivalem Campeonatos Mundiais, rendendo três medalhas para o Brasil. Na modalidade park, Pedro Barros foi prata. Enquanto que no street, Letícia Bufoni ficou em segundo lugar no feminino e Kelvin Hoefler ficou levou o bronze no masculino.

O skate, porém, é um caso à parte, porque ainda há uma briga jurídica e política para definir qual a confederação responsável pela organização do esporte no Brasil, se a de skate ou a de patins – nenhuma das duas tem patrocínio, porém. Mas, assim como no surfe, não faltam patrocinadores para os melhores atletas brasileiros, todos eles profissionais.

 

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.