Topo

Olhar Olímpico

Em pista da Rio-2016, quem garante "legado olímpico" é um dublê de ação

Demétrio Vecchioli

23/09/2017 04h00

Robson, em primeiro plano, cuida da pista enquanto ela estava abandonada pelo poder público

Mais de um ano depois de disputar os Jogos Olímpicos do Rio, Renato Rezende aproveitou que o Parque Radical de Deodoro foi finalmente reaberto ao público para pedalar de novo na pista de BMX. Chegou ao local esperando ter que pegar na enxada, mas encontrou tudo muito bem cuidado. A pista continua um "tapete". Méritos da Prefeitura do Rio? Não muito. Da Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO)? Não. Do Ministério do Esporte? Muito menos. Se o legado olímpico ainda existe, a culpa é de Robson Barcelos, um dublê de cenas de ação de 40 anos.

Desde o fim da Rio-2016, ele já perdeu as contas de quantas vezes atravessou a cidade, de Copacabana a Deodoro (é necessária sorte para fazer o percurso em menos de 1h30min), só para cuidar da pista. Os gastos, porém, estão todos anotados: mais de R$ 7 mil, a maior parte para a contratação de mão de obra. Gente que o ajuda, por exemplo, a jogar a lona em cima da pista nos períodos de chuva.

Não é difícil explicar a paixão de Robson, que atualmente presta serviços para diversas empresa, incluindo a TV Globo, pela instalação construída para os Jogos do Rio. "Eu comecei a construir pista de bicicross quando eu tinha uns 13 anos. Desde então, eu contruí sete pistas no Rio de Janeiro. Sabe quantas foram destruídas? Todas. Para virar condomínio, prédio, padaria…". Presidente do Clube de Bicicross do Rio, ele naturalmente se animou com a ideia de a cidade ganhar a primeira pista de supercross do Brasil.

"Essa pista tem tem um significado tão grande para o bicicross que as pessoas não conseguem entender. Os governos não entendem, o ministério. Só quando elas encostam lá e veem a gente treinando e ouvem os pilotos falando que eles ficam de olho arregalado. Eles acham que é como se fosse uma coisa qualquer", opina.

Aqui, vale uma explicação técnica. As pistas de bicicross são aquelas de terra espalhadas principalmente pelo interior de São Paulo, de Minas Gerais e do Paraná, com rampas de largada de cerca de 5 metros de altura. As de supercross, onde são disputadas as competições internacionais, têm rampas de 10 metros de altura e, por isso, são muito mais rápidas e desafiadoras. Nelas, em teoria, só podem pilotar os atletas a partir da categoria juvenil. Além dessa do Rio, há uma outra em Londrina (PR), inaugurada no ano passado, de qualidade bem inferior.

A pista construída em Deodoro é coberta por uma massa que é uma mistura de asfalto com borracha. Mistura essa que ninguém no Brasil sabia fazer. Pois, sem ganhar nada, Robson foi lá e botou a mão na massa. Já planejando que a pista poderia ficar sob a administração do clube, ele foi se metendo na construção. Tanto que fala sobre o período pré Rio-2016, quando a obra era responsabilidade da Queiroz Galvão, sempre na primeira pessoa do plural. A compra de uma lona para proteger a pista, por exemplo, foi pedida por "nós".

Imagem da pista de BMX durante a Olímpiada do Rio (Ryan Pierse/Getty Images)

Passada a Olimpíada, Robson virou o responsável pela pista. Não que alguém tenha dado a ele essa função, claro. Na verdade, o ministério até o procurou. Em dezembro, uma equipe apareceu para filmar uma peça publicitária sobre o legado olímpico. Encontrou uma pista "bem bagunçadinha, bem zoneada". O ministério pediu uma "geral" na pista para que ela ficasse igual era na Olimpíada, até ajudou Robson financeiramente nesta empreitada, e o comercial foi gravado. Depois desse dia, Robson ficou um mês sem ir até Deodoro. Quando voltou, a encontrou "destruída".

A partir dali, ele percebeu que ou ele cuidava da pista, ou ninguém jamais teria de novo uma pista de supercross pra pilotar. A área estava fechada pela prefeitura, mas Robson, que conhece os seguranças e passou a ser reconhecido pelo esforço para cuidar da pista, tinha licença para entrar. É ele, por exemplo, quem tem a chave do galpão onde fica guardado todo o equipamento de manutenção.

Quando chove, é Robson quem vai garantir que a lona esteja posicionada para impedir infiltrações. É ele quem paga para que ajudantes movam as gigantescas lonas ou o ajudem a carregar os rolos de grama artificial que protegem as curvas. "Entre perder a pista e precisar pagar o ajudante para ir lá, pensei: 'Foda-se, vou botar do meu bolso". A comparação que ele faz é com uma horta, que não pode ser abandona, sob o risco de não existir mais.

"Não culpo nem a prefeitura, o governo. Os caras nunca tiveram um legado olímpico na mão. É a mesma coisa que ter um filho. Quando eu tive um filho eu ligava para as pessoas, perguntavam o que fazer. Eles não souberam o que fazer, então eu tive que ir lá e botar a mão. Estou bancando tudo do meu bolso até hoje", diz.

Para que a pista fosse reaberta na quinta-feira, quando Renato Rezende finalmente foi autorizado a pedalar nela, a prefeitura deu uma ajuda importante, diz Robson. Após o dublê procurar o governo municipal e expor os problemas com erosão, há cerca de dois meses, uma equipe foi disponibilizada por duas semanas para fazer os reparos necessários. Agora, ela não precisa ficar mais coberta, porque, sem rachaduras, a pista está impermeável.

A ideia de Robson é que, com a pista reaberta, ela volte a ser frequentada por pilotos que vão se disponibilizar em ajudar a cuidar dela. O presidente do clube de bicicross quer reabrir a escolinha que funcionou entre o fim da Olimpíada e o fechamento do Parque Radical, além de permitir o uso da pista por atletas de elite, desde que com hora marcada.

Para servir a crianças e adolescentes, um gate de cinco metros precisa ser construído. Por enquanto, as crianças treinarão largando do início do gate profissional.

Por enquanto, não há previsão de realização de eventos de alto rendimento por lá. Depois que Renato publicou no seu Facebook um vídeo pedalando na pista olímpica, outros atletas internacionais interagiram com ele nas redes sociais pedindo uma etapa da Copa do Mundo no Brasil. Para o ciclista brasileiro, a pista está 90 a 95% boa. "O que tem de problema dá para ser resolvido em duas horinhas."

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.