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Olhar Olímpico

Candidato a "novo Bolt", sul-africano vê rival ganhar a torcida e virar centro das atenções

Demétrio Vecchioli

09/08/2017 18h28

FOTO: AFP PHOTO/Jewel SAMAD

"Se eu pudesse, eu daria minha medalha", disse Wayde Van Niekerk depois de ganhar o bicampeonato mundial dos 400m, terça-feira à noite. Grande candidato a ser a maior estrela do atletismo após a aposentadoria de Usain Bolt, o sul-africano viu todas as atenções se voltarem para seu amigo e rival Isaac Makwala, da vizinha Botsuana. Nesta quarta-feira, foi o corredor, já um veterano de 30 anos, o único não-britânico a levantar a torcida no Estádio Olímpico.

Assim como aconteceu no Rio, a maior parte da torcida londrina não parece ser profunda conhecedora do atletismo. Vem ao estádio para torcer pelos britânicos, fazendo barulho mesmo em eliminatórias, e para acompanhar alguns atletas famosos, como, principalmente, Usain Bolt.

Makwala, apesar da longa carreira, nunca premiada com uma medalha em grandes competições, era um completo desconhecido de quase todo mundo quando entrou na pista para as eliminatórias dos 400m, no domingo de manhã. Isso mesmo sendo o terceiro do ranking mundial da prova. Van Niekerk, campeão olímpico e recordista mundial, era a grande estrela.

Mas tudo mudou quando o atleta de Botsuana foi impedido de participar da final dos 400m, terça-feira à noite, depois de passar mal na segunda, antes das eliminatórias dos 200m. A federação internacional alegou que as autoridades de saúde do Reino Unido recomendam 48 horas de quarentena para quem é infectado pelo norovírus (uma espécie de virose, conhecida como "gripe de inverno" entre os ingleses) e não deixou Makwala sequer entrar no Estádio Olímpico na terça.

As imagens dele sendo barrado de entrar na área de aquecimento ganharam o mundo e o comentarista da BBC, o norte-americano Michael Johnson, antigo recordista mundial, declarou que Makwala foi sabotado porque Van Niekerk é o queridinho da IAAF, forte candidato a ser o grande ídolo do atletismo.

A história chegou ao conhecimento do público, que ovacionou Makwala quando ele correu sozinho as eliminatórias dos 200m, antes da sessão desta quarta-feira começar. A IAAF fez uma concessão e deixou que ele fizesse uma tomada de tempo, precisando de 20s56, marca que classificou o 24º das eliminatórias para as semifinais. Ele fez 20s20 e saiu fazendo flexões, para mostrar que estava em forma.

O público, claro, gostou, e o aplaudiu de pé. Desde que Bolt correu no domingo, ninguém havia recebido uma ovação assim, exceto, claro, os atletas da casa. Makwala depois voltou para correr a semifinal e de novo foi exaltado. Sem querer, ganhou a torcida, e não decepcionou. Foi segundo em sua bateria, com 20s14, e avançou à final com o terceiro melhor tempo. Van Niekerk, na última bateria, se classificou na bacia das almas, com a oitava e pior marca entre os finalistas.

Na zona mista, todo mundo só queria falar com Makwala. Havia tantos jornalistas para ouvir o corredor de Botsuana que os organizadores jogaram a entrevista no sistema de som – algo que só haviam feito, antes, com Bolt e Gatlin. "Pus tudo em Deus depois do que aconteceu ontem. Eu ainda estou correndo com meu coração partido. Eu gostaria que a IAAF tivesse me dado a decisão de correr os 400m primeiro. Eu estava pronto para correr", garantiu.

"Não sei quem tomou a decisão. Os 400m são minha razão para treinar. Hoje eu estou correndo com raiva. Os 400m são a minha prova", disse. Mas não repetiu as duras declarações que deu a diversos órgãos de imprensa britânicos, como o Evening Stantard, para o qual disse que não havia evidências de que ele estava contaminado com o tal vírus e que não havia sido examinado na segunda. A IAAF rebateu, com a médica que o atendeu dando detalhes à BBC. De fato, não foi colhida amostra de sangue, mas ela tinha informações suficientes para um diagnóstico.

O próprio Evening Standard fez um editorial defendendo a decisão da IAAF, enquanto que o presidente da entidade, colunista do jornal, lamentou ter que tomar a dura decisão de deixar Makwala fora da final dos 400m. De qualquer forma, agora isso é passado. Ninguém nunca saberá o que o botsuano faria contra Van Niekerk, que ganhou com sobras. O que todo mundo espera é pelo que ele pode fazer na final dos 200m, quinta-feira à noite. A torcida do Estádio Olímpico será toda para que seja ele o substituto de Bolt. Ao menos como campeão mundial dos 200m, algo que o jamaicano é desde 2009.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.