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Olhar Olímpico

EXCLUSIVO: Ex-dirigente da CBDA preso em Bangu 8 se defende e vê 'retaliação' do MP

Demétrio Vecchioli

15/05/2017 04h05

(Satiro Sodre/SSPress/CBDA)

Se tudo tivesse saído como imaginado, Coaracy Nunes agora estaria curtindo a aposentadoria e seu antigo braço-direito, Ricardo de Moura, seria o presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Presos na Operação Águas Claras da Polícia Federal, porém, eles dividem uma cela no presídio de Bangu 8, na zona Norte do Rio. De longe, acompanham a reputação deles ruir enquanto juram inocência. "Após anos e anos de trabalho e dedicação é muito difícil aceitar a forma como nossa imagem foi atacada", escreveu Ricardo de Moura, em entrevista exclusiva ao Olhar Olímpico, de dentro da prisão.

O blog apresentou as oito perguntas ao advogado Mauro Tsé, que faz a defesa de Coaracy, Ricardo de Moura, Sergio Ribeiro Lins de Alvarenga (ex-diretor financeiro da CBDA) e Ricardo Gomes Cabral (ex-coordenador de polo aquático), todos detidos na mesma cela. Sem alterações, essas questões foram levadas a Moura, que as respondeu de próprio punho.

Quando Operação Águas Claras aconteceu, no dia 5 de abril, Ricardo de Moura não foi encontrado pelos policiais federais, que bateram na porta da ex-mulher. Ele se entregou no dia seguinte, passou uma noite na sede da PF e depois se juntou aos demais membros da antiga cúpula da CBDA em Bangu 8, no mesmo presídio onde está preso, entre outros, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

Lá, eles ficaram cerca de um mês sem receber nenhuma visita – a situação agora já foi resolvida. Enquanto isso, já tiveram dois habeas corpus negados. Um, no Tribunal de Justiça de São Paulo, pela desembargadora Cecília Mello. Outro, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelo ministro Ribeiro Dantas, que nem chegou a julgar o mérito – ele alegou que não foi instruído com a cópia da decisão que decretou a prisão preventiva. Agora, a expectativa de Tsé é que o habeas corpus seja apreciado pelo colegiado do TJ-SP e volte à pauta de Dantas, agora com toda a documentação.

Olhar Olímpico – Como você se defende das acusações do MP?

Trata-se de um equívoco histórico. Não participei da elaboração nem da execução do projeto que é o alvo principal da acusação do MPF. Meu cargo na época era gerente de natação. O projeto consistia na compra de equipamentos de polo aquático, nado sincronizado e maratonas aquáticas em preparação das equipes para os Jogos Olímpicos Rio-2016. Não participei em nenhuma das fases desse projeto do Sincov [sistema de convênios do governo federal]. Só consegui tomar conhecimento do processo quando no início das acusações. Esse fato está, inclusive, relatado na decisão do desembargador Nery Filho, quando da recondução de nossas funções na CBDA, em 11 de novembro de 2016, em processo idêntico que tramita na área cível. Na mesma decisão do desembargador Nery Filho, entre outras considerações estão o fato de não haver sido observado nenhum ganho ilícito dos envolvidos e que o foco corrupto para a tramitação do processo é o Rio de Janeiro, local da sede da CBDA, e não São Paulo

Você acha que as acusações do MP estão relacionadas à oposição da CBDA?

Toda essa trágica história começou com denúncias anônimas provavelmente de um pessoal ligado ao polo aquático de São Paulo. As procuradoras Karen Kahn, mãe de dois atletas do polo aquático do clube Paineiras, e Thamea Danelon, da família de um ex-árbitro de polo aquático (também de SP) deram prosseguimento as denúncias e provocaram um alvoroço que conseguiu destroçar vários patrocínios, começando pela Sadia, depois o Bradesco e, mais recentemente, o patrocínio dos Correios (que perdurava 25 anos). Enviaram cartas a todos patrocinadores solicitando todos os contratos e a própria CBDA enviou ao MPF, sempre dentro do prazo exigido, cópias de 200.000 documentos entre os quais todos os documentos relativos aos últimos 10 anos de contrato com os correios. Há uma contaminação evidente entre várias pessoas de SP.

Um dos fatos comprobatórios dessa contaminação vem do caso em que a empresa de contabilidade apresentada pela Federação Paulista de natação para contestar a prestação de contas da CBDA na Assembléia de 2015 (as contas forma aprovadas por 20 x 7) e a empresa utilizada pelo MPF de SP para fazer o levantamento de cálculos estratosféricos é a mesma.

Quando o Coaracy revelou que não mais se candidatava à presidência e indicou meu nome, deu início a uma forte disputa de poder que vem extrapolando os limites normais, prejudicando de forma irreparável as pessoas envolvidas.

Quando o projeto seguiu com riscos diretos à instituição, ainda sem imaginar que os danos chegassem a tanto, revi [provável transcrição] com muito pesar e me retirei da eleição do cargo. Mas a vaidade não tem limites. No mesmo processo que tramitou na área cível, o MPF teve duas derrotas. Na segunda, a derrota por 3 x 0, ocorreu no dia 05/04 em SP, um dia antes da operação da PF com mandado de prisão para as quatro pessoas ligadas à CBDA. Uma retaliação sem sentido e necessidade.

[Nota do blog1: logo após a prisão de Coaracy, eu expliquei em reportagem como a briga pelo poder no polo aquático levou à prisão de Coaracy]

[Nota do blog2: um processo praticamente idêntico do MP, mas na vara cível, de fato foi enviado ao Rio de Janeiro um dia antes da prisão de Coaracy. O UOL contou aqui]

Houve superfaturamento nas compras da CBDA por meio dos convênios?

Os processos de licitação são efetuados por empresas terceirizadas, sem o envolvimento direto da CBDA. Todos os documentos relativos a essas ações já foram enviados ao MPF e à Justiça: Licitações, processo de compra, notas fiscais, recibos, comprovação de entrega do material. Todo o processo pode ser conferido no site do Ministério do Esporte.

[Nota do blog: fiz isso no dia da prisão da operação da PF e encontrei diversos indícios de superfaturamento. Já o MPF juntou a outro processo e-mails que demonstram que o departamento de compras da CBDA combinava preços com fornecedores. Também fica como sugestão de leitura esse texto que conta que o MPF acredita que a CBDA simulou licitações.]

Você acredita que há  particularização por trás das prisões?

Vivemos um momento difícil no país onde a maneira como os fatos estão sendo apresentados confundem a opinião pública, que sabe dos fatos antes da própria Justiça. Me parece mais um abuso de poder, onde não estão claras as oportunidades de ampla defesa antes do ataque midiático. Após anos e anos de trabalho e dedicação é muito difícil aceitar a forma como nossa imagem foi atacada. Há um colapso e sofrimento periférico descabido! Nossas famílias foram terrivelmente impactadas, o futuro é totalmente incerto, a perda é irreparável e o custo inestimável.

Houve enriquecimento ilícito, como indicado pelo MP?

Ao acusador cade o ônus da prova. Todas as declarações de IR, contas bancárias, movimentações financeiras e patrimônio estão à disposição do MPF. Volto a lembrar a decisão do desembargador Nery Filho que cita não haver tido enriquecimento ilícito de nenhum dos envolvidos. [O processo corre em segredo de Justiça, de forma que não é possível checar a informação

Como os esportes aquáticos podem se reerguer depois de toda essa crise?

Vai ser uma tarefa árdua, onde será preciso uma união de forças. O ressurgimento passará necessariamente pelo trabalho das federações, dos clubes, dos técnicos, dos dirigentes, dos atletas, apoiado pelo COB e Ministério dos Esportes. A CBDA deverá apresentar uma gestão agressiva com projetos e parcerias para atrair e desenvolver novos patrocinadores. As pessoas que causaram esse desastre deveriam ser responsabilizadas diretamente pelo dano causado. Vivemos um tempo de invenção e reconstrução. Há a necessidade de ouvir toda sociedade. A ampliação do Colégio Eleitoral é uma forma eficiente de contar com a presença e a participação de todas federações, clubes, atletas, técnicos e árbitros. No início do ano a CBDA realizou uma reunião na própria sede com os clubes melhores classificados no ranking de clubes da CBDA e filiados ao Comitê Brasileiro de Clubes.

Como estão todos esses dias na prisão? Como é a sua rotina? E a do Coaracy?

Impossível transcrever em palavras o nosso dia a dia. Minha força se concentra na consciência tranquila, na fé em Deus e na justiça. Coaracy, mesmo debilitado (ainda se recuperando de uma cirurgia no cérebro) tem se mantido como sempre foi: um grande guerreiro. Coaracy completou 79 anos no dia 26/04. Um dos problemas mais sérios: ainda não conseguimos ter a visita de nossas famílias até o momento em função da burocracia na aquisição das credenciais. [A situação já foi resolvida e Coaracy, por exemplo, já foi visitado pelo filho]

Você se arrepende de alguma coisa? Teria feito algo diferente se pudesse voltar no tempo?

Um dos fatores importantes de nossa sobrevivência está na lembrança de nossas realizações e entrega no sentimento do dever cumprido. A CBDA se tornou uma das principais confederações esportivas do país e na gestão de Coaracy pudemos ajudar a construir um caminho para a conquista de 10 medalhas olímpicas. Como todo o processo não acertamos em tudo, mas sempre trabalhamos com seriedade, profissionalismo, comprometimento, competência e dedicação. As escolhas foram aquelas que se apresentaram como as mais adequadas para o momento.

Aproveito para saudar as declarações públicas de apoio e solidariedade das pessoas da comunidade, notadamente Walter Russo (gerente de esportes da Rio- 2016) [Russo criou uma página 'Amigos de Ricardo de Moura' no Facebook] e os medalhistas olímpicos Thiago Pereira e Ricardo Prado. Não temos muitas informações, recebemos maiores detalhes quando da visita de nosso advogado.

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Ao fim da carta, disponibilizada na íntegra abaixo, Moura ainda reproduziu a mim um "recado" de Ricardo Cabral, antigo coordenador de polo aquático da CBDA e que, por diversas vezes, me serviu de fonte, em contatos por telefone e Facebook. Aproveito o espaço para responder o recado: a verdade é um dever jornalístico, seja para dar voz aos acusados ou para contar que Cabral recebia recursos de convênios como terceirizado. Professor da UFRJ, ele não podia ter vínculos empregatícios com a CBDA e, por isso, recorria a esse tipo de expediente.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.