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Olhar Olímpico

Ginástica feminina fora da Olimpíada é fracasso para modelo do COB

Demétrio Vecchioli

07/10/2019 14h40

(Ricardo Bufolin/Panamerica Press/CBG)

Há apenas um ano, as meninas da ginástica brasileira brigaram ponto a ponto por uma medalha por equipes no Campeonato Mundial. Em um esporte onde a cultura do desempenho coletivo é tão presente, aquela foi uma demonstração inequívoca de força. Por isso o golpe sentido no sábado (5) foi tão doloroso. O time brasileiro ficou em 14º no Mundial de Stuttgart e não competirá por equipes nos Jogos de Tóquio, depois de quatro participações olímpicas seguidas nos Jogos.

As lesões, tão recorrentes na ginástica artística, principalmente a feminina, são parcialmente responsáveis pelo fracasso. Estrela do time, Rebeca Andrade sofreu, este ano, sua terceira lesão no ligamento cruzado anterior do joelho direito em quatro anos. Lorrane Oliveira não se recuperou de uma lesão de tornozelo e foi à Alemanha para competir em um aparelho só. Para piorar, Carolyne Pedro se lesionou na semana da competição e Jade Barbosa torceu o joelho no primeiro aparelho da apresentação brasileira, o salto, e não conseguiu continuar na prova.

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Azar? Também. Mas não só. O insucesso da equipe feminina é também o fracasso mais visível do novo modelo de organização do esporte brasileiro de alto rendimento, consagrado pelo resultado histórico do Time Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Lima. Um modelo que tende a entregar bom número de medalhas em Tóquio, mas que tem uma grande lacuna: não favorece a formação de novos atletas, nem o desenvolvimento do esporte de rendimento, respectivamente responsabilidade dos clubes e das confederações.

É assim também por uma escolha do COB que, em momento de grave financeira para o esporte olímpico brasileiro, controla parte expressiva do dinheiro disponível e coloca muitas fichas na ponta da pirâmide, nos atletas de altíssimo rendimento. Na ginástica artística, que tem um CT dentro das instalações do COB no Rio, essa influência é ainda maior. Lenda da ginástica, o técnico Valeri Liukin responde diretamente ao comitê, que também é quem monitora outro ponto delicado da preparação: a condição física de cada ginasta. Dinheiro para viagens também não é problema.

O caso tinha (quase) tudo para ser o grande case de sucesso do COB em Tóquio-2020, como foi a canoagem na Rio-2016. Se mesmo assim a ginástica falhou é porque o modelo tem uma grande lacuna: a atenção a quem está à margem do altíssimo rendimento.

A seleção tem cinco atletas de ponta (Rebeca, Jade, Lorrane, Flavinha e Thais). COB, confederação e todo mundo que é envolvido com a ginástica sempre soube que, abaixo delas, o degrau para mais uma uma ou duas ginastas era muito grande. E, fora desse grupo de seis ou sete, estão ginastas que, em condições normais, jamais seriam consideradas para a seleção brasileira.

Pensando em Tóquio, a não classificação da equipe feminina muda pouco as perspectivas de medalha. Um pódio por equipes dependia de um improvável cenário perfeito, sem lesões. Flavinha vai à Olimpíada do mesmo jeito e pode brigar por duas medalhas (está nas finais do Mundial no solo e na trave). Rebeca deve voltar a tempo do Campeonato Pan-Americano de maio e, lá, também conseguir a classificação. Em ótima forma, pode até brigar por medalhas em todos os aparelhos.

Ficar fora da Olimpíada, porém, é um risco gigantesco para o futuro da ginástica no Brasil, que já é carente de atletas e pode ver uma debandada de ginastas que não vão querer treinar duro e ganhar pouco por cinco anos para quem sabe, talvez, ir à Olimpíada de Los Angeles. 

Não há renovação no radar. Entre juvenis e adultas, o Campeonato Brasileiro deste ano teve apenas 29 atletas, de oito clubes. Desses, só dois têm estrutura (CT, dinheiro e comissão técnica) suficiente para contar com atletas de seleção: o paranaense Cegin e o Flamengo. E, exceção àquelas seis ginastas de nível internacional da seleção, cada um desses dois clubes só inscreveu mais uma atleta no Brasileiro. Mesmo eles não têm muito o que apresentar para o futuro. Pinheiros, SERC São Caetano e Minas, que têm equipes de ponta no masculino, investem pouco no feminino e não mantêm equipes adultas.

Sem perspectiva, quem chega ao fim da categoria juvenil sem nível para entrar direto na seleção adulta acaba largando o esporte. Das 24 atletas que disputaram o Brasileiro juvenil (14/15 anos) e infantil (12/13) de 2015, só uma esteve no Brasileiro deste ano: Carolyne Pedro, exatamente a campeã daquele torneio e única a chegar à seleção, para ser coadjuvante.

Caberia aos clubes e à Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) a iniciativa para tentar mudar o rumo das coisas. Os frutos não seriam colhidos em Paris-2024, mas somente a partir de Los Angeles-2028. Mas, para isso, clubes e CBG precisariam ditar suas próprias prioridades, que não necessariamente batem com a prioridade do COB. Hoje parece não haver vontade política para isso.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.