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Olhar Olímpico

Brasil faz melhor Mundial de Atletismo da história, mesmo sem medalha

Demétrio Vecchioli

07/10/2019 04h00

Darlan Romani ( Wagner Carmo/CBAt)

Pouco antes de começar o Mundial de Atletismo, escrevi aqui que o Brasil ia a Doha (Qatar) para atingir um novo patamar na modalidade, com a oportunidade de pela primeira vez ficar entre as 15 melhores equipes da competição. Encerrado o Mundial, não pode deixar de ser positiva a análise sobre uma campanha que culminou exatamente com a 15ª colocação geral, mesmo sem o Brasil ter conquistado medalhas.

Ninguém é demagogo de dizer que medalhas não importam. Importam, muito. E a lição que o Brasil tira do Mundial é que é possível evoluir mesmo quando elas não vêm. Encerrada a competição em Doha, o atletismo brasileiro é mais forte do que era antes de o torneio começar. As expectativas para Tóquio são melhores do que eram para o Rio.

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Dos cinco atletas/equipes brasileiros que chegaram em Doha pensando em brigar por medalha, quatro cumpriram com a expectativa, o que indica um acerto na periodização – algo raro no atletismo brasileiro. Darlan Romani, o 4x100m masculino e Erica Sena foram quartos colocados e Alison Brendom terminou na sétima colocação, todos competindo muito bem. A exceção foi Caio Bonfim, que sofreu muito com o calor de Doha e com o rigor dos árbitros, foi punido, e terminou a prova de 20km da marcha só em 13º.

Thiago Braz ainda foi quinto no salto com vara, Fernanda Martins a sexta no lançamento de disco e o 4x400m misto o oitavo colocado. O 4x100m feminino chegou a comemorar vaga na final, mas foi eliminado por uma invasão de raia. Augusto Dutra (10º no salto com vara) e Almir Junior (12º no salto triplo) também fizeram finais.

Com isso, o Brasil fechou o Mundial com nove finais (contando o top8 de Erica), um recorde, superando as oito de 2007. Na véspera da Rio-2016 foram só três finais no Mundial de 2015. Com sete provas entre os oito primeiros, o país ficou em 15º lugar no ranking que a IAAF chama de "placing table", à frente de potências como África do Sul e Bélgica e empatado com França e Suécia.

As medalhas escaparam por pouco. Darlan ficou a 8 centímetros do próprio recorde sul-americano, com marca que valeria o 12º lugar do ranking de todos os tempos. O problema é que os três primeiros colocados da prova fizeram, respectivamente, a quarta, a sexta e a sétima melhores apresentações da história. Mesmo assim o brasileiro estava com o bronze no peito até cinco minutos antes de a prova acabar.

O 4x100m masculino baixou o recorde sul-americano, mas acabou atrás de EUA, Grã-Bretanha e Japão, potências que também bateram recordes nacionais – e também o europeu e o asiático. Erica Sena ficou em quarto atrás de três chinesas, que correram em equipe e se ajudando mutuamente, contra ela sozinha. Já Alison, mais conhecido como Piu, baixou pela quinta vez no ano o melhor tempo da carreira nos 400m com barreiras, sempre em finais. Com só 19 anos, pode ser, em 2020, o que Thiago Braz foi em 2016.

Thiago, aliás, disputou sua primeira final de Mundial no salto com vara. Campeão olímpico, ele não fez uma prova acima da média e mesmo assim terminou em quinto, com o mesmo resultado do quarto colocado. O mesmo vale para Fernanda Martins, sexta no disco sem fazer índice olímpico. Almir Junior e Augusto Dutra beliscaram vagas nas finais do triplo e da vara, mas não se apresentaram bem nas finais.

Paulo André Camilo não bateu o esperado recorde brasileiro dos 100m, baixando de 10 segundos, mas avançou para a semifinal e por pouco não beliscou um lugar na final – terminou em 11º lugar geral, melhor colocação do Brasil em mais de 20 anos.

Para todos eles, a boa campanha no Mundial vai abrir portas. Ficam maiores as chances de cada um deles ser chamado para participar de mais meetings internacionais fortes no ano que vem, competindo contra os melhores do mundo e ganhando rodagem para o momento mais importante do ciclo: a Olimpíada do ano que vem.

Nem tudo são flores

Antes do Mundial, também escrevi que o atletismo brasileiro tem uma elite "composta por um número cada vez maior de atletas". Isso ficou comprovado com o número recorde de finais alcançadas. O grande problema para a equipe brasileira, porém, foi que a lacuna para o resto do time continua grande.

Quem assistiu à cobertura do Mundial pelo SporTV, com as entrevistas depois das provas, ficou mais uma vez irritado com as recorrentes declarações "estou feliz com o resultado", mesmo quando não havia nada para comemorar. Um número expressivo de brasileiros competiu muito mal, inclusive atletas que deveriam estar brigando por finais.. 

São os casos de Gabriel Constantino e Eduardo de Deus, que chegaram ao Mundial como oitavo e 15º do ranking mundial dos 110m com barreiras, Alexsandro Melo, que era 11º do ranking do salto triplo, e Márcio Teles, 10º dos 400m com barreiras. Vitória Rosa correu muito mal as provas individuais, terminando em 33º nos 100m e 41º nos 200m. Alegou estar machucada – sendo verdade, deveria ter sido poupada para o revezamento. Aldemir Gomes Junior ficou em 23º nos 200m, a 0s01 de vaga na semifinal, também abaixo do que podia. Todos já têm índices olímpicos.

Rosângela Santos (26ª nos 100m) e Lorraine Martins (38ª nos 200m) também não foram nada bem. Nos 3.000m com obstáculos, Altobeli Santos deu azar de correr a bateria lenta. Foi sexto na série, mas só 21º no geral. Estivesse em uma série mais forte, provavelmente teria feito índice olímpico. Depois da prova, disse que quer virar maratonista.

Eliane Martins ficou a três centímetros da final no salto em distância, com 6,50m, na 15ª colocação geral, enquanto Laila Ferrer (28ª no dardo) e Geisa Arcanjo (21ª no peso) fizeram um Mundial para esquecer. Para todos eles a situação é oposta à da dita elite: o Mundial ruim deve fechar portas em grandes meetings. Sem competir contra os melhores a chance de ir bem na Olimpíada fica reduzida.

Também foram muito mal Moacir Zimmermann (39º e penúltimo na marcha 20km), Elianay Pereira (16ª e penúltima na marcha 50km), Viviane Lyra (desclassificada na marcha feminina) e os maratonistas Valdilene dos Santos (30ª), Andreia Hessel (36ª), Wellington Bezerra (44º) e Vagner Noronha (51º). A CBAt precisa urgentemente rever os critérios de convocação para essas provas. Entre os maratonistas, só Paulo Roberto, 19º, se salvou.

Índices olímpicos

Encerrada a temporada, o Brasil tem 27 vagas garantidas em Tóquio. A Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) ainda não confirmou os critérios de convocação, mas o Olhar Olímpico apurou que está decidido que os critérios da IAAF serão respeitados. Quem já atingiu índice, portanto, será convocado.

Pelo Mundial, o Brasil conseguiu vagas no 4x100m masculino (seis) e no 4x400m misto (seis). Individualmente têm índice Aldemir Gomes (nos 200m, entra na cota do 4x100m), Gabriel Constantino, Eduardo de Deus (110m com barreiras), Piu, Márcio Teles (400m com barreiras), Vitória Rosa (200m), Daniel Chaves (maratona), Caio Bonfim, Erica Sena (marcha atlética 20km), Almir Junior, Alexsandro Melo (salto triplo), Thiago Braz, Augusto Dutra (salto com vara), Darlan Romani (arremesso de peso) e Andressa de Morais (lançamento do disco, está suspensa por doping).

A IAAF vai completar as vagas nas provas olímpicas a partir do seu novo ranking, que considera não apenas as marcas, mas também o nível do evento, a colocação na prova e a regularidade do atleta. A CBAt ainda não deixou claro se aceitará convites a partir desse ranking.

Nesta listagem, que ainda não foi atualizada depois do Mundial, o Brasil também tem bem posicionados Paulo André Camilo (19º nos 100m), Rodrigo do Nascimento (37º nos 100m), Altobeli Santos (20º nos 3.000m com obstáculos), Paulo Sérgio de Oliveira (30º no salto em distância), Fernanda Martins (11ª no disco), Eliane Martins (17ª no salto em distância), Tatiane Raquel (23ª nos 3.000m com obstáculos), Tiffani Marinho (31ª nos 400m) e Gabriele Sousa (31ª no salto triplo).

O 4x100m feminino vai ter que tentar vaga por um ranking mundial que leva em consideração a soma dos dois melhores tempos dentro da janela olímpica – 1º de maio de 2019 a 29 de junho de 2020 – e muito provavelmente vai conseguir a classificação. As oito melhores equipes se somam às finalistas do Mundial (China, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, Jamaica, Suíça, Trinidad & Tobago e EUA).

O Brasil fez 43s04 no Pan de Lima e 43s07 no Mundial de Revezamentos. Por enquanto, só está atrás de Holanda (42s28 e 42s33) e França (42s93 e 43s48). A Nigéria tem um 43s05 e também pode ameaçar. Para ficar fora da Olimpíada, o Brasil também precisaria ser ultrapassado por Austrália (43s19 como melhor do ano), Cazaquistão (43s36), Canadá (43s37), Polônia (43s44) e Bahrein (43s61). Parece improvável.

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.