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Retorno fora de lugar fez Maratona de Floripa ter 500 metros a mais

Demétrio Vecchioli

03/10/2019 04h00

A Maratona de Floripa, realizada na capital catarinense, tem a fama de ser a "mais rápida" do Brasil. Em 2019, porém, ela poderá ostentar também o título de maior, do Brasil e do mundo. Afinal, as pouco mais de 2 mil pessoas que concluíram a prova no final de agosto tiveram que percorrer não os 42.195 metros que definem o que é uma maratona, mas cerca de 42.705.

Pouco mais de um mês depois da prova, que foi homologada pela Federação Catarinense de Atletismo (FCA)  como tendo sido realizada no percurso previamente previsto, os organizadores agora reconhecem que os atletas fizeram um retorno em local que estava 255 metros além de deveria estar. Dono da prova, o Grupo STC diz que, "por dedução", o provável é que alguém tenha mexido o retorno de lugar entre 4h20 e 5h00 da manhã do dia da prova. Os documentos que norteiam a montagem do trajeto, porém, não indicam onde deveria ficar o polêmico retorno.

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Uma das duas maratonas da capital catarinense, a Maratona de Floripa é considerada a prova brasileira que oferece melhores condições para um corredor amador registrar bons tempos, já que tem baixa altimetria. Por isso, ela é procurada por atletas que visam obter índices para a Maratona de Boston, principalmente. No alto-rendimento, porém, ela não gera resultados relevantes, uma vez que não atrai corredores de ponta.

Encerrada a corrida deste ano, muitos atletas notaram pelos seus aplicativos para monitoramento de corrida que haviam percorrido bem mais que os 42,2 quilômetros esperados e reclamaram em redes sociais. No quadro abaixo é possível comparar o percurso feito por um atleta contactado pelo Olhar Olímpico e o percurso prometido pela maratona em seu site. Repare que o retorno foi feito pelo corredor embaixo de uma passarela.

"A gente reconhece que alguns aplicativos marcaram de fato a mais e que a única explicação que a gente chegou é que houve uma ação externa. Alguém mexeu a placa de lugar. Por dedução, foi isso que aconteceu", diz Leonardo Silvano, que é relações públicas da prova.

Hipóteses

A Maratona de Floripa tem o selo bronze da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), o que significa que todos os trâmites de chancela são responsabilidade da Federação Catarinense. Por norma da entidade nacional, "os percursos devem ser medidos dentro de um período de cinco anos que antecedem a corrida por um Medidor Oficial da CBAt". Essa medição foi feita em 2018 e, portanto, seguia válida em 2019.

Além disso, a norma diz que "o medidor oficial original ou outro oficial qualificado com uma cópia da documentação que detalha o percurso medido oficialmente deve acompanhar a prova num veículo à frente durante a competição para assegurar que o percurso utilizado pelos atletas está de acordo com o percurso medido e documentado pelo medidor oficial original".

Como boa parte do percurso de maratonas acontece dentro de cidades, o curso das vias costuma ser utilizado para determinar a rota da prova – esquinas, rotatórias, contornos. Não havendo obras viárias e se mantendo o percurso original, a medição pode seguir válida ao longo dos anos. A atenção só precisa estar nos retornos e nos pórticos de largada e de chegada, que devem ser posicionados no meio da via, em pontos específicos. 

A "documentação que detalha o percurso medido oficialmente", anexada ao certificado, é um croqui feito a mão (vide imagem abaixo), que não aponta com exatidão onde deveria ficar o retorno. Não é esse o padrão de provas e mesmo porte no Brasil. No croqui da maratona de Porto Alegre, por exemplo, o retorno é indicado exatamente no quilômetro 40,080. Na Meia de São Bernardo, nos quilômetros 11,630 e 14,658. Em Floripa, o retorno é em algum lugar perto da passarela.

"O que falta ali é o descritivo da prova, que diz que o quilômetro 1 foi na frente do número tal da rua tal e assim por diante. Esse documento nem a delegada no dia da prova tinha e, pelo que me consta, o organizador também não tinha. Isso foi uma falha no geral da prova", reconhece o presidente da Federação Catarinense, Deraldo Oppa. O medidor oficial, Neudir Paulo das Neves, não compareceu à prova, apesar de também ter sido contratado pelos organizadores.

 

 

Sem o descritivo e sem a presença do medidor oficial, coube à delegada da prova ser "o outro oficial qualificado" citado na norma e utilizar o croqui acima como único documento oficial para checar a correta colocação dos retornos. Foi com ele em mãos que, às 4h20 do dia da corrida, ela e os organizadores percorreram de carro o trajeto marcando os locais onde deveriam ficar os retornos. De acordo com o porta-voz do Grupo STC, as marcações foram feitas com spray no chão e com a colocação de uma placa em pontos importantes, como o retorno sul (no desenho, ao lado direito da Rosa dos ventos).

Depois, por volta das 5h, chegaram os funcionários de operação para instalar equipamentos de cronometragem. No retorno sul, deixaram um tapete eletrônico que verifica o chips e é a garantia de que ninguém cortou caminho. Na versão dos organizadores, o que pode ter acontecido é que, nesse meio-tempo entre a primeira equipe e a segunda, a placa pode ter sido movida de lugar por terceiros interessados em prejudicar a organização.

"As placas de retorno servem de balizador para todos os demais. Todo o processo é feito com base em onde ficam as placas. Nosso posicionamento de placa foi feito com base no croqui, de 42.195 metros. Mas durante 40 minutos a placa fica sozinha. No trecho sul não tem moradores, não tem câmeras, então não dá para a gente saber o que aconteceu. Se fosse em outro retorno daria para saber, mas na região sul não tem", afirma o porta-voz.

Se a placa foi mudada de lugar por terceiros durante esse lapso de 40 minutos, como alega a organização, então a placa não estava na marca de spray quando os funcionários de operação chegaram. Mesmo assim, o tapete foi colocado no local errado. Questionado sobre isso, o porta-voz respondeu "o nosso serviço foi feito de forma correta e o relatório da federação é o documento que atesta isso".

"Teria que ter alguém da organização ali, mas eles (organizadores) não me pediram árbitro para percurso. Me pediram árbitros cronometristas, só. Eu presumo que tinha gente lá controlando. Pode ser que alguém tenha mexido nas placas durante a prova. É possível que alguém tenha alterado, mas eu tenho que me basear em informações oficiais", afirma o presidente da federação catarinense, entidade que homologou o resultado da prova apesar disso.

Assim, não há mais o que fazer para reduzir o tempo dos corredores que percorreram uma maratona + 510 metros. De agora em diante é agir para que o problema não se repita. "O que estamos fazendo: primeiro, vamos melhorar o processo. Provavelmente vou posicionar um segurança no ano que vem para ficar ali o tempo todo. Segundo, vou fazer uma nova medição, pela AIMS, a associação internacional de maratonas, que vai mandar um medidor certificado. Também vamos melhorar a forma de comunicação com o atleta. Quem passa antes vai ver se o retorno está posicionado certo, exatamente para não fazer com quem faz o trabalho correto seja pego de surpresa", pontua o porta-voz da empresa organizadora.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.