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Olhar Olímpico

Sem dinheiro para comida, Exército deve suspender projetos sociais

Demétrio Vecchioli

28/09/2019 04h00

Formatura de alunos do PROFESP em Curitiba/PR (divulgação)


Considerado o mais eficaz programa preventivo de segurança pública do país e maior ação social do Ministério da Defesa, o Programa Forças no Esporte (PROFESP) deverá ser parcialmente suspenso na próxima segunda-feira (30) porque o Ministério da Cidadania não repassou recursos para as Forças Armadas comprarem alimentos. Cerca de 10 mil crianças e adolescentes deixarão de ser atendidos, de um total de cerca de 29 mil beneficiados no país, pelo que a Defesa chamou de "bloqueio temporário". 

A região mais afetada será a cidade do Rio de Janeiro, onde funcionam 32 núcleos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que atendem principalmente comunidades do entorno do entorno da Avenida Brasil, como o Complexo da Maré e o Morro do Alemão — foi no Alemão que a menina Ágatha Felix, de 8 anos, foi morta na semana passada.

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No PROFESP, os jovens de 6 a 18 anos são atendidos de duas a três vezes por semana no contraturno escolar em instalações das Forças Armadas. Por estarem em situação de vulnerabilidade social, recebem duas alimentações nos dias de aula: almoço e um lanche (café da manhã ou café da tarde). O reforço alimentar é um dos pilares do programa, que também oferece "reforço educacional, cultural e social" e revela talentos esportivos. O programa também é a principal iniciativa das Forças Armadas no esporte.

"Não podemos ficar de braços cruzados, porque tem crianças e adolescentes que vão para o programa para comer, porque elas passam fome", diz Geovana Silva, coordenadora de projetos sociais da Pastoral do Menor na Arquidiocese do Rio, que tem 2.450 jovens atendidos pelo PROFESP atualmente. Arquidiocese e Defesa atuam juntos há 25 anos no Rio em projetos sociais.

Segundo ela, os núcleos receberam orientação para encerrar as atividades em 30 de agosto, o que não ocorreu porque teria sido encontrada uma solução paliativa. Agora, nova ordem é parar em 30 de setembro, o que não necessariamente vai ocorrer em todos os núcleos — algumas instalações militares prometem utilizar recurso próprio para alimentar os jovens.

Agente pastoral e mãe de uma menina que frequenta há cinco anos o PROFESP, Solange Souza lidera um movimento de mães que fez diversas queixas nas últimas semanas para evitar a paralisação. "Vão deixar muitas crianças na mão. Moro numa área de risco, numa comunidade muito pobre na Cidade Alta, e aqui temos 500 crianças em quatro quartéis. São crianças que o projeto é como se fosse a segunda parte da casa delas. Elas voltam da escola, vão para o quartel, almoçam, fazem as atividades, lancham e vão para casa", conta.

Só o Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (CIAGA), em Olaria, atende 500 jovens todos os dias, no turno da manhã. No Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN) são 700 beneficiados, em dois turnos. É deste programa que saem boa parte dos principais jovens atletas brasileiros do levantamento de peso, por exemplo.

Atletas do programa Forças no Esporte, no CEFAN. Gabrielle Vitória de Oliveira Pereira e Beatriz da Silva Martins, então com 15 e 14 anos, em 2017. (Rafael Zart/ASCOM/MDS)


Falta dinheiro

A alimentação de cada criança/adolescente custa cerca de R$ 9 ao dia, ou R$ 108 por mês. Pelo modelo criado em 2003, no governo Lula (PT), um tripé de ministérios sustentava o programa, que é uma vertente do Segundo Tempo, do antigo Ministério do Esporte. Na divisão de responsabilidades, o Esporte sempre foi responsável pelo material esportivo e pelo pagamento de professores e estagiários, enquanto que o antigo Ministério do Desenvolvimento Social respondia pela alimentação dos alunos.

Com a fusão de Esporte, Cultura e Desenvolvimento Social, o novo Ministério da Cidadania passou a ser sócio da Defesa no programa. No total, deveria repassar R$ 51,8 milhões à Defesa, valores saídos dos orçamentos de duas secretarias especiais. A do Esporte, comandada por um militar reformado, general Décio Brasil, vem cumprindo com sua parte no acordo. Em maio, repassou à Defesa R$ 20,657 milhões, por meio de um Termo de Execução Descentralizada (TED), valor que cobre sua responsabilidade por um ano.

O mesmo não vale para a Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, comandada pelo ex-deputado federal Lelo Coimbra (MDB). Em maio, a pasta empenhou R$ 10 milhões e avisou que não sabia se conseguiria mais. "A disponibilidade orçamentária do Ministério da Cidadania é de R$ 10 milhões. Caso haja disponibilidade de novo recurso, poderá ser acrescido a este instrumento", informou o ministro Osmar Terra (MDB) — por se tratar de uma relação ministério x ministério, é sempre Terra que se comunica com o ministro da Defesa. 

Alunos do Profesp durante cerimônia em Blumenau/SC


No TED, Terra ressaltou que aqueles R$ 10 milhões seriam suficientes para comprar 37 refeições por aluno, o que garantiria a alimentação por três meses. Na verdade a conta é um pouco mais otimista: o valor bancou um quadrimestre. Ainda faltam pouco mais de R$ 20 milhões para pagar por comida para o resto do ano e restituir o que o Exército já gastou.

Procurado, o Ministério da Cidadania disse que liberou R$ 10 milhões, faltando R$ 810 mil para serem executados. A pasta não respondeu sobre o impacto da suspensão do programa ou quanto deveria ter repassado. Em nota, disse apenas que "a pasta sempre teve o empenho, a responsabilidade e o compromisso para repassar os recursos pactuados anualmente para garantir a continuidade das atividades do programa".

O Ministério da Defesa enviou nota afirmando tratar-se de um "bloqueio temporário". "É precipitado falar em cortes ou atrasos do PROFESP. Tanto o Ministério da Defesa quanto o Ministério da Cidadania trabalham com a perspectiva de desbloqueio do orçamento ao longo do exercício de 2019, similarmente ao que ocorreu em todos os anos anteriores, de acordo com as avaliações bimestrais de receitas. Persistindo o cenário atual, poderá haver paralisação parcial do programa em determinadas unidades", disse a pasta. 

Atualmente o programa funciona em 210 instalações, sendo 132 do Exército, 47 da Marinha e 31 da Força Aérea. Elas estão divididas em 129 localidades de todos os Estados da Federação, no Distrito Federal, e inclusive em Fernando de Noronha.

Para o governo Jair Bolsonaro (PSL), o projeto é tratado como "de soberania nacional e de segurança pública, por desenvolver, a médio e longo prazos, o fortalecimento moral, físico, intelectual e social de parcela importante de nossa população". De acordo com a Defesa, o programa tem a finalidade de "promover a valorização da pessoa, reduzir riscos sociais e fortalecer a cidadania, a inclusão e a integração social dos beneficiados, por meio do acesso à prática de atividades esportivas e físicas saudáveis e de atividades socialmente inclusivas".


Hoje deputado da base governista, Luiz Lima (PSL) estreou a piscina do CEFAN ao lado de jovens do PROFESP (Roberto Castro/ME)

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.