Topo

Olhar Olímpico

Como acidente com atleta trans abriu discussão sobre liberdade de imprensa

Demétrio Vecchioli

18/07/2019 04h00

(SCOTT BARBOUR/GETTY IMAGES)

Medalhista de prata no Mundial de Levantamento de Peso de 2017, Laurel Hubbard é a atleta transexual mais conhecida do mundo. Aos 41 anos e em plena forma, ela agora está envolvida em mais uma grande polêmica. Depois de travar uma batalha judicial decidida só pela Suprema Corte, um jornal da Nova Zelândia revelou que ela foi condenada por um acidente de trânsito em processo no qual o nome dela foi omitido para que a publicidade do crime não atrapalhasse seus treinos visando uma vaga nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

LEIA MAIS:

+ Com VAR, Brasil ganha primeira medalha da história no Mundial de Esgrima

+ Covas dá até o fim do mês para consórcio pagar R$ 75 milhões pelo Pacaembu

+ Queniana é pega no doping na Maratona de SP e leva suspensão de 8 anos

Hubbard tem uma história conturbada. Filha de um ex-prefeito de Auckland e herdeira de uma famosa marca de cereais que leva seu sobrenome, ela chegou a ser recordista nacional júnior enquanto competia no masculino. Aposentada aos 30 anos, foi diretora-executiva da federação neozelandesa antes de voltar a competir em 2017, já aos 39, como mulher. Ela cumpre as exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI) para ser elegível a competir no feminino.

Desde então, tem carreira vitoriosa na categoria peso pesado. Venceu todas as competições regionais que disputou, incluindo os Jogos do Pacífico, esta semana. A exceção foi o Mundial de 2017, quando ganhou duas medalhas de prata, uma delas no total – no Mundial são realizadas três provas: arremesso, arranco, e total, que soma os dois resultados.

Não bastasse toda a polêmica a respeito de sua vida esportiva, ela se envolveu em mais uma, que vem gerando grande repercussão na Nova Zelândia e abriu debate sobre a liberdade de imprensa. Em outubro do ano passado, seu carro derrapou em uma curva fechada e bateu no veículo de um casal de idosos. O motorista do carro passou quase duas semanas em um hospital e precisou passar por uma grande cirurgia na coluna. Em janeiro, Hubbard se declarou culpada e oferece-se a pagar US$ 13 mil ao casal. Condenada, perdeu o direito de dirigir por um mês.

A halterofilista, porém, pediu para seu nome ser suprimido do processo, em cinco diferentes petições. A juíza Bernadette Farnan concordou e determinou que o nome de Hubbard fosse omitido até 30 de setembro, para que a atleta pudesse treinar para os eventos de qualificação para Tóquio-2020 sem o incômodo causado por eventuais comentários nas redes sociais. Ela também decidiu que a mídia poderia publicar apenas o nome de Hubbard e o resumo policial dos fatos quando a supressão caducasse, logo depois do Mundial a ser disputado em Pattaya, na Tailândia.

A história só foi revelada no fim de semana, pelo jornal Stuff, que travou batalha judicial pelo direito de publicar as informações, enquanto Hubbard pedia que a supressão fosse para sempre. Na Suprema Corte, a tese da atleta foi derrubada e o nome dela voltou a aparecer no processo.

"Ela demonstrou considerável coragem e resiliência na transição e na decisão de competir em nível internacional como mulher. Ela sabia que que isso poderia atrair uma controvérsia considerável e deve ter sentido que seria capaz de lidar com essa controvérsia", disse o juiz Gerald Justice Nation, de acordo com o Stuff.

Em 2018, ela sofreu uma grave lesão durante sua última tentativa nos Jogos da Commonwealth. As imagens rodaram o mundo (uma delas ilustra esse post) e tornaram a história de Hubbard ainda mais conhecida. Não demorou para suas redes sociais serem invadidas por comentários ofensivos e agressivos. A halterofilista usou esse exemplo para defender seu direito de ser mantida em paz.

Não convenceu o juiz do supremo. "A mídia que representa o interesse público deveria ter sido capaz de relatar o que aconteceu na corte e as razões do juiz para chegar às suas decisões. O interesse público está na justiça aberta e a mídia pode relatar tudo o que é dito no tribunal", afirmou Justice Nation.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.