Topo

Olhar Olímpico

Muro da USP recebeu doação de apenas 15% do anunciado por Doria

Demétrio Vecchioli

19/06/2019 04h00

Folhapress

Um quilômetro de um muro de vidro foi construído entre a marginal do Rio Pinheiros e a raia olímpica da USP, em obra parada pela metade – a promessa é de uma nova barreira de pouco mais de 2 quilômetros. Mas quem está pagando por essa obra? Quanto ela custou? Como foram feitas as doações?

São perguntas que até agora ninguém respondeu e que o Ministério Público de São Paulo também tem feito à prefeitura e à USP. Em resposta, à universidade, que nunca se pronunciou publicamente sobre essas questões (e novamente não o fez quando procurada pelo blog), disponibilizou dados que contrastam com os divulgados pelo então prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).

Das 45 empresas festejadas pelo tucano, só 11 assinaram termo de doação. Os serviços e produtos doados somam R$ 3 milhões, apenas 15% dos R$ 20 milhões anunciados. Uma diferença de R$ 17 milhões. Uma outra doação, de R$ 1,6 milhão, teria sido feita fora do instrumento legal previsto. Nem a USP nem a doadora, a Prevent Senior, disponibilizam documentos que comprovem a existência dessa suposta doação, festejada pela universidade e por Doria.

LEIA MAIS:

+ 'Muro do Doria' na USP causou a morte de 58 pássaros em um ano

+ Obra da raia da USP para no meio e prejudica a raia olímpica

+ Piscina do Ibirapuera é pública, mas só pode usá-la quem paga por fora

O muro foi a grande obra da curta passagem de Doria pela prefeitura de São Paulo. A vitrine de um modelo de gestão que ele prometeu levar ao Palácio dos Bandeirantes: empresas doam fazem doações ao poder público sem pedir nada em troca, permitindo a realização de obras sem utilizar dinheiro público.

Foi Doria, então prefeito, quem anunciou a construção do muro do vidro, em entrevista coletiva, mas a prefeitura não tinha nada a ver com aquela obra. A USP é estadual e independente. Ainda que tenha sido também Doria quem inaugurou o muro e quem anunciou a lista de empresas doadoras, citando inclusive valores, coube à USP abrir um edital solicitando doações. É este o único instrumento legal possível para o recebimento das doações por parte da universidade.

Quando o Ministério Público cobrou informações sobre as doações, a USP apresentou 11 contratos de "doação de serviços (ou produtos) necessários para a realização de obra do muro que separa a Raia Olímpica da Marginal". Alguns deles, com valores irrisórios. A GRFER Artefatos de Alumínio e Ferro, por exemplo, doou serviços estimados em 784 reais. Outras cinco empresas doaram valores entre R$ 10 mil e R$ 12 mil.

As maiores doações foram de bens. A Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do grupo Votorantim, doou o equivalente a R$ 500 mil. A Guardian Glass, multinacional do ramo de vidro, ajudou com R$ 752 mil. Do ramo de aço, a ArcelorMittal entregou R$ 480 mil em produtos, enquanto a Tempermax Vidros Temperados fez a maior doação: R$ 1.153 milhão em vidros. 

No total, dez contratos somam R$ 3 milhões praticamente redondos. Um 11º contrato, com o escritório de arquitetura Joia Bergamo, não estipula o valor do projeto arquitetônico que norteia a construção do muro.

Os valores são muito diferentes dos divulgados pelo então prefeito João Doria. Quando a obra foi anunciada, em julho de 2017, foi informado o orçamento de R$ 15 milhões, "totalmente doados pela iniciativa privada". Em abril de 2018, quando a primeira parte do muro foi inaugurada, o número aumentou: R$ 20 milhões. Naquela ocasião, foram listadas 45 empresas que teriam feito doações.

Folhapress

Doações

Essas doações não foram informadas pela USP ao Ministério Público Federal. Nos documentos enviados já em 2019 pela universidade, os termos de doação são numerados e não há lacunas. Antes, em novembro de 2018, respondendo um primeiro questionamento sobre valores e contratos, a USP enviou uma lista com 16 empresas, incluindo nome, endereço, CNPJ e uma descrição superficial da doação, sem detalhar valores.

Cinco empresas também aparecem na lista de doadoras entregue pela USP, mas não nos contratos. São elas a Geofix Engenharia, a L.A. Falcão Bauer, a BYM Gerenciamento e a L.F.C Condutores Elétricos, além da operadora de saúde Prevent Senior. Já na comparação com a lista divulgada por Doria, 29 empresas sequer são citadas pela USP no inquérito que corre no Ministério Público.

A Prevent Senior foi apontada por Doria como principal financiadora da obra, com uma doação de R$ 1,6 milhões, que não consta nos contratos entregues ao MP. Procurada pelo blog, a empresa disse que "realizou uma doação à Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), cujo destino foi decidido pela universidade e condicionada à aplicação em projetos convenientes para promover o bem-estar das pessoas", mas se negou a informar valores ou dar detalhes do contrato, pedindo que a reportagem procurasse a USP em busca dessas respostas.

Diferente das outras quatro empresas que foram listadas pela USP mas não assinaram contrato de doação, a Prevent Senior aparece indicada como tendo doado à FUSP. Criada com o objetivo de flexibilizar e agilizar as atividades da USP, a fundação teria recebido essa doação e incorporado à sua receita. Isso não é explicado ao Ministério Público.

De acordo com a Prevent Senior, a FUSP tinha a prorrogativa de utilizar os recursos em qualquer projeto que promovesse o "bem-estar das pessoas". Procurada, a USP não confirmou se recebeu a doação, nem se aplicou o valor na construção do muro. 

A Universidade não respondeu nenhum questionamento do blog. Já Doria, questionado sobre as contradições, não respondeu nenhuma pergunta feita via assessoria de imprensa. O governador enviou a seguinte nota: "O governador João Doria, na época prefeito de São Paulo, iniciou o processo de revitalização da raia da USP. A continuidade do projeto e sua manutenção serão realizadas pelos atuais responsáveis".

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.