Piu, a revelação do atletismo brasileiro que treina de boné
Alison Brendom tinha 14 anos quando fez um acordo com sua mãe. Teria o ano todo, até o fim de 2015, para transformar o atletismo em seu ganha-pão. Caso contrário, teria que procurar um emprego. Não fazia nem um ano que havia começado a treinar, mas, literalmente, estava disposto a encarar os obstáculos que apareceriam pela frente. Medalhista no Brasileiro Mirim, conseguiu a tão sonhada Bolsa Atleta, então de R$ 370. Quatro anos depois, não apenas pode oferecer uma vida mais confortável à mãe, como pinta como a grande promessa do atletismo brasileiro.
Em 2019, o planeamento já foi para o saco antes mesmo do meio do ano. A meta era disputar bem o Pan Juvenil e, quem sabe, talvez, com sorte, tentar um índice para o Mundial adulto. Se não desse, tudo bem.
No fim de abril, porém, ele venceu os 400m com barreiras no GP Brasil com 48s84, quinta melhor marca brasileira na história e terceiro tempo do ranking mundial. Não apenas conquistou o índice para o Mundial de Doha, que vai acontecer em setembro, como tornou-se candidato a fazer uma final. Com essa marca, teria sido quarto colocado no Mundial de Londres, em 2017."Analisando os dados, é só ser constante, ir pra cima em todos os tiros, que dá para fazer final. Eu ainda tenho margem de melhora. Analisando o vídeo, da para ver que no GP dava para ter corrido melhor ainda. Estou confiante de que dá para pegar uma final", diz.
Quem o vê treinando na pista do Esporte Clube Pinheiros, sua casa desde 2018, nota rapidamente que há algo diferente nele. Afinal, Alison corre de boné, para esconder e proteger uma mancha na testa causada por um incidente doméstico ainda na infância.
Quando tinha 10 meses, morando na casa dos avós, bateu no cabo e virou sobre a cabeça uma panela de óleo quente na qual a avó pretendia fritar um peixe. Passou mais de quatro meses internado no Hospital do Câncer de Barretos, com queimaduras de terceiro grau. Até hoje, carrega as cicatrizes daquele dia: na testa, no rosto, no peito e no braço esquerdo.
Correr de boné, ainda que isso de atrapalhe o treinamento, é uma forma de proteger do sol a área sensível. E também de evitar olhares incômodos. O acessório só sai da cabeça para as provas oficiais, momento em que Piu faz valer seus quase dois metros de altura. Piu, porque hoje em dia ninguém o chama pelo nome.
"Apelido é assim. Se você não gosta, aí que pega", diz Piu. Esse é o apelido de uma figura folclórica de São Joaquim da Barra (SP), cidade onde Alisson viveu até o ano passado. Um garoto do projeto social do atletismo parecia com o primeiro Piu e virou Piu também. Convidado diversas vezes ao longo de meses para também entrar no projeto social, Alison parecia com o segundo Piu. Aí já viu…
Os primeiros resultados de Piu (que ainda não gostava de ser chamado assim) surgiram nos 2.000m com obstáculos. O primeiro tiro nos então 300m com barreiras, porém, mostraram que aquela era sua prova. Quando ele passou ao juvenil, categoria em que a prova ganha mais 100 metros, Alison voou. Preparado para provas de meio-fundo, sempre tinha um gás sobrando para a reta final.
"A barreira foi me levando para lugares que eu não imaginava. Primeiro, o Mundial Menor (sub-18, de 2017). Depois, o Mundial Juvenil (sub-20, de 2018), a medalha de bronze no Mundial Juvenil. Agora, a classificação para o Mundial adulto. Tudo por conta da barreira", analisa Piu, que está cursando Fisioterapia em São Paulo.
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