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Olhar Olímpico

Brigitte Mayer: a 1ª brasileira surfista profissional é também a 1ª cartola

Demétrio Vecchioli

31/05/2019 04h00

Brigitte Mayer (Rick Werneck)

Brigitte Mayer lembra com detalhes da sua primeira ida à Europa. Começou tendo a bolsa furtada com todo seu dinheiro em Madri e terminou com uma estadia de um mês em hospital em Portugal, com traumatismo craniano, depois de um acidente automobilístico. Mas aquela viagem entrou para a história por outro motivo: foi a primeira vez que uma brasileira disputou o Circuito Mundial de Surfe, em 1990.

Quase três décadas inteiras depois, Brigitte é mais uma vez protagonista do desenvolvimento do surfe no Brasil. Agora, não só o feminino. Aos 50 anos, ela foi recentemente eleita para ser a primeira mulher presidente da Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp), entidade historicamente responsável pelo surfe profissional no país. 

Criada em 1987, foi a Abrasp que, no passado, desenvolveu o Super Surf, forte circuito nacional que durou 11 anos, de 2000 a 2010. Depois disso, o surfe nacional seguiu um caminho controverso. Virou potência mundial com a Brazilian Storm, de Felipinho, Medina e Mineirinho, mas viu seu circuito profissional masculino virar areia. Se as coisas não mudarem, não haverá renovação.

"Esses grandes atletas estão movimentando uma verba muito grande, que vem causando essa falência interna. A própria Silvana (Lima) por anos correu o circuito mundial sem patrocínio, pagando com a criação de cachorros dela. A gente vê uma surfista top sem patrocínio nenhum. Essa engrenagem tem que voltar a funcionar", avalia Brigitte.

Brigitte surfando nas Maldivas (Rick Werneck)

Não é coisa de mulher

São 36 anos de surfe na vida de Brigitte. Os primeiros, em Maricá (RJ), onde conheceu a modalidade. Era o começo dos anos 1980 e o surfe ainda um esporte essencialmente masculino. "Eu tinha vergonha de chegar no mar com minha prancha. Mas minhas irmãs também surfavam e a gente era uma gangue, de alguma forma se protegia. Hoje é legal porque as escolinhas incentivam o surfe feminino, você não tá sozinha no mar. Na década de 1980 não era assim."

Não que ela tenha sido a primeira brasileira a se arriscar no surfe. Suas referências eram duas gaúchas, mas só de ouvir falar. Não havia competição nacional, nem vídeos que a permitisse se espelhar naquelas que então eram suas ídolas.

Aos 18 anos, estreou como amadora. Dois anos depois, disputou o Mundial Amador no qual Fábio Gouvêa conquistou o mundo, no título apontado como precursor do Brazilan Storm. Apesar do desempenho que avalia como horrível (foi "vigésima e tralalá" colocada), viu que não tinha um nível tão distante das melhores do mundo e tomou coragem de tentar disputar uma etapa de Circuito Mundial.

Roubada em Madri, no primeiro dia da viagem, não teve como recusar o pagamento pela vaga nas quartas de final da etapa francesa, a primeira que disputou. Ali, se tornou a primeira surfista brasileira "profissional", o que não era exatamente algo bom em um país que só foi ter um circuito profissional sete anos depois. Precisou ficar dois anos sem competir para ser de novo aceita como amadora.

"Quando teve o primeiro Brasileiro Feminino profissional eu pensei: isso que eu quero", conta Brigette, que, claro, não escapou do preconceito dos colegas de mar. Mas tentou não esquentar a cabeça. "Minha paixão pelo esporte era tão grande que o 'Ibope' que eu dava para essas coisas de ouvir que lugar de mulher é na cozinha era nenhum. Elas passavam desapercebidas, mas por mim, pelo meu perfil. Meu amor é muito maior que todo o tipo de preconceito."

Brigitte Mayer (arquivo pessoal)

Patrocínio

Brigette lembra que contou com o apoio financeiro dos pais para disputar sua primeira competição. Na segunda, já contava com patrocínio. "Tive a sorte de ter bons patrocínios minha carreira inteira", diz ela, que competiu até quase completar 40 anos e chegou a ser campeã brasileira aos 30.  

Agora, ela sabe que a falta de empresas que apoiem o esporte é um dos gargalos do surfe brasileiro. Não faltam empresas para apoiar os melhores surfistas homens do país, que disputam a WSL. Mas as marcas que chegam a cogitar patrocinar um circuito brasileiro dão um passo atrás assim que descobrem que o campeonato não ponde contar com Medina e companhia.

Sem apoio, o Brasil não teve um circuito de fato nos últimos três anos. Se continuar assim, o surfe vai repetir o que aconteceu com outras modalidades como tênis e automobilismo, que não aproveitaram o boom de exposição após títulos mundiais. "Como resolver isso? Voltar a trabalhar categoria de base. Os jovens atletas têm uma precariedade enorme de patrocínio. Não adianta ter eventos se não tem a engrenagem, que são os patrocínios. No circuito feminino, se tiver duas meninas com patrocínio é muito. Antigamente esse dinheiro aparecia melhor."

Curiosamente, hoje o circuito feminino brasileiro é mais forte que o masculino. Na temporada passada foram cinco etapas, patrocinadas principalmente pela Neutrox, já garantidas também em 2019. Mas a meta da Abrasp é que esse número dobre para 10 etapas já este ano, para aumentar a exposição das surfistas e, com isso, ajudá-las a obter patrocínios pessoais.

"No feminino a gente tem uma procura bem grande. Meu desafio é maior com a categoria masculina do que com a feminina. A gente vai trabalhar para voltar os patrocínios dos eventos e para que os atletas consigam se manter internamente no Brasil. A ideia é fomentar o circuito, fomentar a formação de novos atletas profissionais, a partir do Pro-Junior (circuito profissional júnior)", explica.

Criada para promover um "circuito de atletas para atletas", a Abrasp tem relacionamento apenas formal com a Confederação Brasileira de Surfe (CBSurfe), que existia para cuidar do surfe amador e que foi impulsionada política e financeiramente com a inclusão do surfe como esporte olímpico. "A Abrasp, no meu entendimento, sempre foi órgão maior do surfe profissional. A gente tem o canal aberto. Queremos que todos os surfistas saiam ganhando", diz ela, prometendo "devolver" tudo que o esporte lhe deu.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.