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Olhar Olímpico

Trans é campeã feminina nos EUA, mas está longe de ser 'fenômeno'

Demétrio Vecchioli

28/05/2019 04h00

CeCe Telfer (divulgação/Ravens)

A final feminina dos 400 metros com barreiras da segunda divisão da liga universitária dos Estados Unidos nunca foi tão comentada. Tudo porque a vitória ficou com uma atleta transexual, CeCe Telfer. Sites ligados a movimentos conservadores no mundo todo destacaram que o resultado veio com recorde e passaram a usar a barreirista como exemplo de ameaça das mulheres trans às atletas nascidas mulheres.

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Não há motivos para temor, porém. Na principal prova do ano e ainda entrando em seu segundo ano de tratamento hormonal – o que naturalmente a deixa mais lenta -, CeCe não fez mais do que o 23º melhor tempo dos Estados Unidos neste comecinho de temporada. Na última seletiva olímpica americana, ela não teria chegado nem perto de passar às semifinais dos 400m com barreiras.

O resultado de CeCe no sábado – vitória na segunda divisão da NCAA – só impressiona porque o nível comparativo é baixo. Atleta da Franklin Pierce University (FPU), de New Hampshire, ela bateu o recorde da escola, que só criou seu programa de atletismo há sete anos. Seus pontos também levaram a FPU a um inédito sexto lugar na NCAA II. Mesmo assim, ela ficou a dois segundos do recorde do campeonato, por exemplo.

Aos 21 anos, prestes a se formar, CeCe encerrou sua última temporada como atleta universitária. Pelas regras da NCAA, uma mulher trans pode competir desde que se submeta a pelo menos um ano de tratamento hormonal – mesma regra exigida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), por exemplo.

Por isso, CeCe, que competiu em 2016 e 2017 entre os homens e parou no meio a temporada 2017/18, voltando às pistas em dezembro passado, no início da temporada 2018/19. Nos 400m com barreiras, sua especialidade, involuiu. Depois de marcar 57s34 em maio de 2016, no masculino, em sua primeira final de conferência, no sábado ela venceu a segunda divisão feminina da NCAA em 57s53, quase dois décimos mais lenta.

Entre a entrada e saída da universidade, dos 18 aos 21 anos, a tendência natural seria Telfer evoluir, como mostra a comparação com outros atletas da mesma universidade e da mesma prova – logo, submetidos ao mesmo treinamento. Em 2016, Mitch McNanna chegou ao último ano 2s85 mais rápido do na estreia. Em 2017, Cory Cataldo melhorou 1s99 na comparação com seu primeiro ano. Ainda na FPU, no terceiro ano, Trevor Guay está mais de seis segundos mais rápido.

Em outras provas, o desempenho da corredora é ainda mais fraco. Nos 110m com barreiras, CeCe foi quinta colocada na segunda divisão da NCAA com 13s56, marca que não a deixaria nem entre as 100 melhores dos Estados Unidos este ano. Nos 400m rasos, prova em que venceu no campeonato da conferência, ela aparece em 173º lugar no ranking do seu país em 2019.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.