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Olhar Olímpico

Congresso Olímpico mostra COB enfim disposto ao diálogo

Demétrio Vecchioli

14/04/2019 04h00

1º Congresso Olímpico Brasileiro (Ana Patrícia/Exemplus/COB)

A primeira edição do Congresso Olímpico Brasileiro, realizada neste sábado (13), deixou no ar uma pergunta que parece não ter resposta: "Por que ninguém pensou nisso antes?". Mais carente do que nunca de patrocinadores, ao mesmo tempo em que tem uma gestão mais transparente e profissional do que nunca, faltava ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) dar as mãos à comunidade que o circunda, formada por acadêmicos, treinadores, atletas e educadores físicos. Gigantesco e multi milionário, o COB enfim desceu do pedestal, deixou de lado o ar de superioridade e se assumiu um líder disposto ao diálogo.

Realizado em espaço nobre o World Trade Center, na zona sul de São Paulo, o congresso olímpico, em sua primeira edição, deixou também uma gostosa sensação de "quero mais". Há espaço para mais trabalhos acadêmicos, para mais expositores, para mais palestrantes, para mais participantes, para mais debates. O sucesso foi tamanho que a estreia, maior do que se previa, foi muito menor do que poderia ser.

Até então, o chamado "movimento olímpico" brasileiro se reunia apenas para um evento bajulatório anual, o Prêmio Brasil Olímpico. Os vestidos longos desajeitados e os ternos nem sempre bem cortados nunca ornaram bem com os corpos atléticos acostumados, quando muito, a bermuda e camiseta. A cada atleta convidado há dois pais, um técnico e um cartola coruja. Era, e é, um evento para ver e ser visto.

No congresso, o clima era outro, com campeões olímpicos sentando na plateia ao lado de estudantes e treinadores sem renome, todos em busca de novos conhecimentos. Não que a ideia de reunir a academia para discutir o esporte no Brail seja algo novo – a Escola de Educação física e Esporte da USP e a Associação Brasileira de Gestão do Esporte que o digam – mas não há fator de comparação com o congresso do COB.

Os números oficiais apontam mais de 1.200 participantes, que acompanharam palestras de especialistas de comitês estrangeiros, como Austrália, Grã-Bretanha, Holanda e Alemanha, treinadores do nível de Bob Bowman, o famoso técnico de Michael Phelps, e de colaboradores do próprio COB, como o diretor de Esporte Jorge Bichara. Da mesma forma que o COB trouxe experts com quem aprendeu, também passou adiante o conhecimento adquirido.

Essa troca de experiências era uma lacuna no esporte brasileiro. Bernardinho, por exemplo, é um dos mais requisitados palestrantes do país, falando principalmente para ambientes corporativos. No congresso, sua palestra foi para atletas, treinadores, estudantes, gestores. Gente que lida com esporte todo dia e nunca havia chegado perto de um dos homens mais vitoriosos do país.

Segmentos como de bicicleta, de esporte a motor e de condicionamento físico/fisiculturismo já mantêm eventos de grande porte no Brasil para o "mercado", reunindo quem vende e quem compra. Em momento de notável carência de parceiros da iniciativa privada, o COB conseguiu criar um espaço próprio para interagir com empresas do setor. Mais do que isso, inventou um produto no qual seus parceiros podem ativar patrocínios – algo que até então não tinha. Seu portfólio nunca cresceu tanto com uma tacada só.

Ainda há, claro, muito a evoluir. A começar pelos trabalhos acadêmicos. Há muito material de qualidade produzido no país e que terá cada vez mais espaço nas próximas edições do congresso, que naturalmente verá crescer sua credibilidade junto à academia – é natural uma desconfiança natural de quem sempre sentiu-se rejeitado pelo Comitê. Além disso, pegou muito mal o longo e político discurso do general Augusto Heleno, em defesa de Jair Bolsonaro e completamente fora do tom do evento.

O COB também precisa aproveitar a oportunidade de ter todos os seus stakeholders reunidos para debater seu futuro. Em meio a uma crise sem precedentes, com 10 confederações impedidas de receber recursos públicos e com o próprio comitê sob risco de ser asfixiado financeiramente, o COB continua cobrindo seus problemas com cortina de fumaça.

Não precisa ser assim. A mão que o COB dá a seus parceiros, a estudantes, a atletas, a treinadores, também é dada por eles em troca. É interesse de todos que o comitê – e o movimento olímpico – saia do buraco. Mas para isso, o COB precisa querer ser ajudado.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.