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Olhar Olímpico

Temer iniciou desmonte do Esporte e minou Bolsa Atleta

Demétrio Vecchioli

21/03/2019 13h36

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Michel Temer poderia ter entrado para a história do esporte brasileiro como o presidente que entregou uma bem-sucedida edição dos Jogos Olímpicos. Preso nesta quinta-feira (21), porém, o emedebista não será esquecido tão cedo no esporte pelo desmonte pelo qual foi responsável. Foi Temer quem, em dos últimos atos do seu governo, sem qualquer aviso prévio, cortou o programa Bolsa Atleta pela metade e deixou na mão mais de 3 mil esportistas, a enorme maioria deles jovens.

Efetuar cortes na política esportiva do governo federal era algo já esperado. Seus antecessores, Lula e Dilma, ambos do PT, colocaram o investimento em esporte em um patamar inédito no país, o que se justificava pela organização, em sequência, dos Jogos Pan-Americanos (2007), dos Jogos Mundiais Militares (2011), da Copa do Mundo de Futebol (2014) e finalmente da Olimpíada (2016).

Temer, que assumiu a presidência em maio de 2016, pegou os últimos dois meses da chamada "década esportiva" brasileira, ainda como interino. Quando ocorreu o impeachment de Dilma, no final de agosto de 2016, essa década havia enfim acabado. A partir dali, a expectativa era a fase de investimentos fosse substituída por uma fase de manutenção do legado, tanto físico quanto esportivo.

Na parte estrutural, Temer foi bem sucedido. A Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO) foi loteada para aliados da família Picciani, envolvida até o pescoço com escândalos no Rio, e, inflada com um orçamento desproporcional, fez o Parque Olímpico funcionar. Em que se pese as acusações do Tribunal de Contas da União (TCU) de que o governo nunca entregou o tão sonhado "plano de legado", a ocupação dos equipamentos é considerada satisfatória dois anos e meio depois dos Jogos.

No incentivo ao esporte, porém, o governo Temer andou para trás. Os maiores cortes se deram na secretaria de Alto-Rendimento, que financiava projetos das confederações e incentivava a realização de eventos internacionais de pequeno e médio porte no Brasil, como etapas de Circuitos Mundiais e Campeonatos Mundiais. Com Temer, o orçamento passou a ser irrelevante, o que tirou o Brasil do mapa do esporte logo depois de sua década esportiva.

As estatais também se sentiram à vontade para fazer cortes significativos no patrocínio ao esporte. A Petrobras praticamente saiu do esporte olímpico, os Correios fizeram cortes gigantescos e a Caixa Econômica Federal se voltou ainda mais ao futebol profissional. Mesmo a canoagem, tão vitoriosa na Rio-2016, perdeu o apoio do BNDES no ano passado. Agora, com Jair Bolsonaro (PSL), a promessa é que os cortes continuem.

O esporte nunca parece ter sido uma preocupação para Temer. E a maior prova disso foi a edição da famigerada Medida Provisória 841. Em uma canetada, Temer tirou mais de R$ 500 milhões do esporte por ano, principalmente da formação de atletas. A movimentação foi intensa para tentar reverter a decisão e, alguns dias depois, já era claro que quem editou a MP não tinha a menor ideia do que estava fazendo. Acreditava que o dinheiro para o esporte educacional era, nas palavras de um dos principais colaboradores de Temer, uma "gordura" da Olimpíada.

A Mp 841 foi um erro imenso, reconhecido pelo governo, que a substituiu por outra, a MP 846. No fim, foi um mal que veio para o bem. O esporte não apenas recuperou a receita perdida como aproveitou a discussão para aprimorar algumas regras de governança, no que foi o maior mérito de Temer na área esportiva. Foi com ele na presidência que o Ministério do Esporte passou a exigir melhores medidas de transparência e de gestão nas confederações que utilizam recursos públicos.

Em contrapartida, o maior erro de Temer no esporte foi não causado pela dificuldade do presidente em reconhecer que era impopular, sonhando com uma campanha de reeleição. Desde meados de 2017, no mínimo, eram claros os sinais de que o Bolsa Atleta era uma bolha a estourar. O programa tinha mais atletas contemplados do que o orçamento, reduzido à metade, poderia pagar.

Seria necessário fazer cortes no programa ou, na contramão do discurso de austeridade, ampliar o orçamento. Temer não fez nem uma coisa nem outra. Deixou a bomba estourar no último dia útil do seu mandato, quando publicou uma lista de contemplados do Bolsa Atleta cortada pela metade. Como as regras não haviam sido alteradas, os prejudicados foram os atletas mais jovens, que mais precisam do benefício. Um baque do qual o esporte deve levar anos para se recuperar.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.