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Olhar Olímpico

Política e esporte explicam bate-boca entre Joanna Maranhão e Felipe França

Demétrio Vecchioli

21/03/2019 13h04

Joanna Maranhão e Felipe França
Imagem: Reprodução/Danilo Verpa/Folhapress

Não há, entre os principais atletas brasileiros, nenhum que se posicione politicamente tão a esquerda quanto Joanna Maranhão. Da mesma forma, quem acompanha Felipe França nas redes sociais pode notar que poucos atletas têm um discurso tão à direita quanto ele. Isso explica em parte por que os dois ex-colegas de seleção brasileira trocaram ofensas pelo Twitter na quarta-feira (20). As desavenças podem ser explicadas pelo viés político, vão muito além.

França e Joanna são da mesma geração e têm a mesma idade – ele é 15 dias mais velho, apenas, ainda que ela tenha se destacado primeiro. Durante uma década, com poucas exceções, serviram juntos à seleção brasileira nas principais competições. Mas a trajetória traçada por um é muito diferente da do outro.

Aos 31 anos, Felipe tem sete medalhas de ouro em Mundiais e dez no total. Joanna tem zero. Isso não significa, necessariamente, que ele tenha uma carreira mais vitoriosa que a dela. Quando a métrica é a Olimpíada, Joanna tem um quinto lugar. Felipe disputou três vezes os Jogos, sempre como expectativa de medalha,  e seu melhor resultado é uma sétima colocação. Joanna tem seis recordes brasileiro em piscina longa. Felipe, um.

O que importa mais: uma coleção de medalhas em Mundiais ou um desempenho melhor na Olimpíada? Essa é uma questão que não tem resposta e que circunda o bate-boca virtual entre os dois. Felipe tem oito medalhas em Mundiais de Piscina Curta e suas duas em piscina longa são na prova de 50m peito, que não é olímpica. Enquanto isso, Joanna é uma das porta-vozes de um grupo grande que acredita que a natação brasileira perdeu o rumo quando passou a privilegiar tanto as competições de piscina curta quanto as provas de "50m estilo", porque nelas a competitividade é mais baixa – por não estarem nos Jogos Olímpicos, menos gente se dedica a elas.

A discussão começou em torno desse tema. Depois do fracasso da natação brasileira na Rio-2016, o diagnóstico predominante foi de que essas provas atrapalham o desenvolvimento do esporte no Brasil. Tão logo Miguel Cagnoni assumiu a CBDA, várias medidas foram tomadas para desincentivar a chamada especialização precoce e o incentivo às provas de "50m estilo". Mas, na terça (19), sem mais nem menos, a assembleia das federações decidiu que os campeonatos nacionais infantis devem voltar a ter essas disputas.

A decisão revoltou muita gente, que viu a medida como um retrocesso. Joanna, sempre mais ativa que a maioria dos colegas nas redes sociais, fez essa crítica publicamente. Escreveu: "Pior decisão possível. Incentivo às provas não olímpicas e especialização precoce. Qual país estimula isso na base? Nenhum. Nadadores brasileiros figuram no topo do ranking mundial em provas de 50m estilo e nas olímpicas (100m pra cima) raramente aparecem no ranking. E o que faremos pra resolver? Vamos acrescentar 50m estilo no brasileiro infantil. 'Jênios' (sic)."

 

A crítica doeu em Felipe França, que rebateu. Com um currículo laureado por conquistas em provas que não são olímpicas e resultados decepcionante nos Jogos Olímpicos, ele atacou Joanna. "E você entende o que é bom para a natação a longo prazo?", questionou.

A tensão entre os dois, porém, saiu da esfera esportiva. "Para acabar que nem você, atleta que é contra a pedofilia e foi parar no programa da Xuxa, que quando mais nova fazia atos sexuais com crianças?", atacou Felipe. Foi a forma de ele expor uma visão comum entre os detratores de Joanna, que veem na participação dela no programa Dancing Brasil, apresentado por Xuxa, um sinal de que ela chegou ao fim de carreira mais como sub-celebridade do que como nadadora.

Mais do que isso, França atacou o ponto mais sensível da vida de Joanna: o abuso sexual que ela sofreu na infância, pelo seu então treinador, o que ela só revelaria já adulta e famosa. E o fato de esse ataque vir de um ex-colega de seleção fez a dor ser em dobro. "Eu sempre soube de integrantes da seleção que pelas costas duvidavam do abuso que sofri e faziam comentários", escreveu no Twitter.

Os dois, principalmente Joanna, se excederam." Ainda que ele tenha mexido na minha ferida, perdi a razão quando falei aqueles palavrões. Eu errei. Perdi a mão", reconhece Joanna, que foi além e pediu para sair da comissão de ética da CBDA. Ao mesmo tempo, ela diz que não se arrepende de expor França, com quem tem pouca ou nenhuma afinidade.

Felipe França não esconde sua admiração pelo presidente Jair Bolsonaro, a quem Joanna é crítica ferrenha, e recentemente associou a ex-vereadora do Rio Marielle Franco ao tráfico de drogas para atacá-la. Religioso fervoroso desde que "mudou de vida", França nunca se deu com o grupo mais "progressistas" dos nadadores. Que o diga com ela.

Ainda que Joanna já tenha parado de nadar e tenha se afastado da natação (em 2013, ela chegou a se "aposentar", mas continuou frequentando competições), a desavença tende ainda a reverberar. Porque está cada vez mais claro que a antiga geração da natação brasileira sempre foi e continua sendo um apanhado de nadadores que defende o Brasil, não uma seleção.

Recentemente, em outra decisão polêmica, os técnicos brasileiros convenceram a CBDA a proibir a convocação de treinadores estrangeiros. A medida era voltada ao técnico de Bruno Fratus, o australiano Brett Hawke. Sem ele na seleção, o revezamento 4x100m livre masculino, menina dos olhos de todo mundo, tende a ser comandada exclusivamente por Alberto Silva, o Albertinho, treinador do Pinheiros e que contratou praticamente todos os bons velocistas do país – menos Fratus, com quem não se dá.

São pequenas desavenças que vão minando o grupo da seleção brasileira. O fio de esperança é que há uma geração de meninos (principalmente) que vem crescendo a passos largos e vai ser maioria na equipe a partir desse ano. Essa geração chega, em tese, neutra nessa briga. A torcida é que eles entendam rapidamente em quem devem se espelhar.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.