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Olhar Olímpico

Governo do estado de SP mantém 100 atletas em alojamento irregular

Demétrio Vecchioli

14/02/2019 04h00


Enquanto a prefeitura de São Paulo e o Ministério Público do estado concentram suas atenções nos clubes de futebol, um dos maiores alojamentos esportivos da cidade, que recebe jovens atletas de judô, atletismo e vôlei, vive situação calamitosa. As fotos que ilustram esta reportagem são do alojamento do Projeto Futuro, no Complexo Esportivo do Ibirapuera, gerido pela Secretaria de Esporte do estado. Tiradas no ano passado, representam, de acordo com diversas pessoas ouvidas pelo Olhar Olímpico, também o cenário atual.

Nesta quarta-feira (13), cerca de 100 jovens estavam morando por lá, em situação irregular. O alvará apresentado pelo governo estadual à reportagem para comprovar a regularidade do local é claro: não há permissão para uso residencial do espaço. Nem no local atual, atrás do parque aquático, nem nos quartos para onde eles os atletas se mudarão a partir desta quinta (14), no ginásio principal do complexo, como medida paliativa.



A reportagem esteve no local na quarta à tarde, depois de participar de uma entrevista coletiva da prefeitura de São Paulo no mesmo bairro do Ibirapuera. Lá, o secretário municipal de Esporte, Carlos Bezerra Jr (PSDB), disse que "a garantia da vida e segurança é prioridade da cidade" e que, por solicitação do prefeito Bruno Covas (PSDB) foi criado um grupo de trabalho para a avaliação da situação "dos clubes que tenham alojamento". Também foi anunciada a "imediata suspensão" dos alojamentos de clubes que não estivessem 100% regularizados. Em nenhum momento a prefeitura discutiu a situação do Ibirapuera.

Durante a visita ao local, a reportagem do Olhar Olímpico foi informada que só poderia entrar no prédio acompanhado de um oficial de Justiça. Quando a reportagem abordava moradores do alojamento, na calçada ou na área comum do complexo, recebia rápida aproximação de um segurança, sempre com o mesmo recado: não pode dar entrevista. Isso aconteceu ao menos duas vezes. Um funcionário de manutenção recebeu uma ligação enquanto falava com este repórter. Era alguém pedindo que ele encerrasse a conversa.

Mudança para local que também não tem alvará


Complexo do Ibirapuera mostra o parque aquático, o Palácio do Judô, parte do ginásio principal e o estádio de atletismo. Os alojamentos ficam atrás das arquibancadas da piscina (Crédito: Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem)


A secretaria diz que vai retirar com urgência os atletas o local. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, na terça-feira (12) um engenheiro fez uma vistoria informal no prédio e constatou que o alojamento não tem condições de alojar atletas em segurança. Depois da vistoria, foi realizada reunião envolvendo o secretário de Esporte, Aildo Rodrigues (PRB), Alessandra Santos, diretora interina do complexo, e os responsáveis pelas equipes que treinam no complexo e utilizam o alojamento, entre eles o medalhista olímpico Henrique Guimarães, do judô, e Nélio Moura, ex-treinador da campeã olímpica Maurren Maggi.

Nessa reunião, ficou acertado que os atletas do judô, em maior número entre os alojados, serão os primeiros a mudar, seguidos pelos integrantes dos times de vôlei e atletismo. O destino será o alojamento do ginásio principal, recém-reformado e com capacidade para 380 pessoas, 14 por quarto. Somente os homens serão realocados. As mulheres, em menor número, já ocupam uma ala do alojamento das arquibancadas do parque aquático recentemente reformada.

Nenhum dos locais têm autorização da Prefeitura para ser usado como moradia. Foi a própria Secretaria de Esporte do governo do Estado que, depois de assegurar que o local estava com toda a documentação em dia, enviou à reportagem a "Revalidação do Alvará de Funcionamento do Local de Reunião" referente ao Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, o Ibirapuera. O documento, datado de 1º de fevereiro de 2019, classifica o imóvel na categoria NR3, de "uso não residencial especial ou incômodo à vizinhança residencial".

Atletas se sentem seguros



Atletas que falaram com o Olhar Olímpico antes de serem abordados pelos seguranças do Ibirapuera relataram que o local está em mau estado de conservação, ainda que o considerem seguro. Todos ressaltaram a existência de equipamentos de combate a incêndio, além da presença constante de um bombeiro civil no prédio. Mas relataram problemas estruturais.

Todos os quartos têm um mesmo problema: o fato de terem apenas uma tomada. Como os atletas vêm de fora de São Paulo e em um único cômodo, costumam ligar computadores, carregadores, televisão, microondas, frigobar, fogões e o que mais for necessário nessa única tomada. Funcionários dizem que têm regularmente pedido para que isso não aconteça.

A secretaria culpa gestões anteriores. O alojamento foi construído há mais de 30 anos e, depois de se tornar a principal casa do atletismo brasileiro, nunca recebeu uma grande reforma. Nomeado em 2016 para ser secretário-adjunto da secretaria, Jadel Gregório revelou ao Olhar Olímpico em 2017 que foi demitido depois de tentar denunciar ao então governador Geraldo Alckmin (PSDB) uma denúncia de como o local estava "largado".

O que eles dizem


Em nota, a Secretaria de Esporte (antes conhecida pela sigla SELJ), do estado, informou que o secretário Aildo Rodrigues se reuniu na terça com coordenadores dos projetos, que alertaram sobre as condições atuais do alojamento do local. "Na ocasião, o secretário determinou a transferência, provisória, dos atletas de judô, atletismo e vôlei para o alojamento do Ginásio Geraldo José de Almeida a partir desta quinta-feira", continuou a secretaria, que não comentou o fato de o ginásio também não ter alvará para receber os atletas.

A prefeitura de São Paulo afirmou em nota que a força-tarefa montada na terça dará prosseguimento à vistoria "em instalações de agremiações e projetos esportivos, que teve início com os seis clubes de futebol", complementando que a inspeção será ampliada para "todos os órgãos, federações e sindicatos, inclusive de outras modalidades, que ofereçam alojamentos para atletas".

Sobre o Ibirapuera, afirmou que o complexo esportivo possui alvará de funcionamento para local de reunião, documento que permite a realização das atividades caracterizadas como "evento", e que comportem grande número de pessoas.

"O local também será vistoriado pela força-tarefa para adequação das condições de segurança e, se necessário, regularização do uso do espaço utilizado como alojamento. O município já está em contato com Governo do Estado para providências necessárias à garantia da segurança dos usuários", disse o órgão municipal, se detalhar se também vai exigir a imediata suspensão do alojamento do Ibirapuera, como fez com os clubes. Questionada, a prefeitura não respondeu quando foi feita a última vistoria no local pela Secretaria de Urbanismo e Licenciamento. 

Já o MP-SP, que na segunda-feira instaurou inquérito civil relativo também apenas aos alojamentos dos clubes de futebol da capital, explicou em nota que a investigação ainda está em fase preliminar e que outros agentes podem ser requisitados a prestar informações após os esclarecimentos iniciais.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.