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Olhar Olímpico

Desemprego faz cruzeirense chorar e atinge melhor do país na São Silvestre

Demétrio Vecchioli

31/12/2018 13h47

Reginaldo José da Silva, atleta do Cruzeiro

O número de corredores amadores na São Silvestre tende a aumentar e isso não é consequência de aumento de vagas. É que cada vez mais atletas que antes eram profissionais estão perdendo o salário. Nesta segunda-feira (31), a tradicional corrida paulistana marcou o fim da equipe de pedestrianismo do Cruzeiro e teve como melhor brasileiro um atleta desempregado. Da tríade de equipes que sustentou o atletismo brasileiro nos últimos anos, duas fecharam e uma está por um fio.

O cenário é desesperador. Reginaldo José da Silva, que defende as cores do Cruzeiro há onze anos, não segurou as lágrimas assim que a reportagem puxou assunto sobre o fim da equipe. Não era de dor. "É muito trabalho. A gente fica muito triste. Não sei o que vou fazer da vida", disse, enquanto as lágrimas encharcavam o rosto já molhado de suor, logo após a chegada.

O Cruzeiro tem, ou tinha, uma das poucas equipes profissionais de corrida de rua do país e se acostumou com bons resultados na São Silvestre. No ano passado, Valério de Souza foi 13º e segundo melhor brasileiro. Em 2016, Wellington Bezerra terminou em oitavo. Este ano, nenhum chegou entre os 30 primeiros.

"Afetou muito a nossa preparação", diz Marcela Cristina Gomez Cordeiro, argentina que foi a única atleta do Cruzeiro a disputar a prova feminina na elite. "Nós não fomos comunicados oficialmente, então a gente ainda não sabe quando vai ser o distrato do contrato. Mas ficamos sabendo a duas semanas da prova, no meio da preparação", conta.

De acordo com os corredores, os "titulares" (profissionais) recebem cerca de R$ 1.500 por mês do Cruzeiro. O clube tem pouco mais de uma dezena desses atletas, com a equipe contando no total com 30 corredores. Os demais não têm salário, mas recebem ajuda com custeio de inscrições e viagens. Em entrevista à Folha, Alexandre Minardi, técnico da equipe desde sua fundação, há 34 anos, disse que o custo do departamento para o clube é de R$ 600 mil ao ano. A equipe tem patrocínio da Caixa Econômica Federal, que deve deixar de patrocinar o departamento de futebol.

Desemprego

"A gente ainda vê as pessoas que acompanham a corrida reclamar que os brasileiros não ganham mais dos quenianos. Mas vai ganhar como?", questionou um corredor da elite nacional, ao blog, em conversa informal.

O fim da equipe do Cruzeiro é só um dos baques sentidos pelo atletismo brasileiro nos últimos meses. De acordo com mais de uma fonte do Olhar Olímpico, a Caixa Econômica Federal já teria sinalizado à equipe Pé de Vento que não vai renovar o patrocínio para o ano que vem.

O comando da equipe, que dividia com o Cruzeiro o protagonismo nas provas de rua do país, informou aos atletas que não vai deixá-los na mão. Mas a redução dos investimentos já havia custado, no fim do ano passado, o emprego de Giovani dos Santos, melhor brasileiro na São Silvestre deste ano e oitavo colocado no geral.

Giovani, que coleciona bons resultados como o quarto lugar de 2016, passou o ano todo sem receber salários. Sua única fonte de renda foi a premiação das provas que disputou. "Passei uma parte do ano machucado, sem ganhar nada, mas o aluguel continua chegando", lembra o fundista, que correu a São Silvestre com uma camisa da APPAI (Associação Beneficente dos Professores Públicos Ativos e Inativos do Rio de Janeiro), na esperança de fechar contrato para o ano que vem.

Bate-saco

Com o crescimento do mercado de corridas de rua no Brasil, não ter emprego não significa que um corredor de elite não vai conseguir se sustentar no atletismo. Mas, hoje, o desemprego tem como consequência direta a queda de desempenho em provas importantes como a São Silvestre.

Quando um clube financia um atleta, ele tem tranquilidade para montar um calendário esportivo que prioriza algumas provas, sejam elas tradicionais como a São Silvestre e a Volta da Pampulha, meias-maratonas e mesmo maratonas.

À medida em que o corredor perde o salário e precisa se sustentar apenas com premiações, o caminho natural é participar seguidamente de provas menores, quase todo fim de semana, somando um trocado aqui, outro acolá. É o que os atletas conhecem como "bate-saco". Esse cenário, que dificulta a obtenção de marcas expressivas e de vitórias em provas importantes, tem se intensificado.

Há cinco anos, entre os 17 primeiros da São Silvestre havia três atletas da Pé de Vento, três do Cruzeiro e dois da BM&F Bovespa, maior equipe do país de atletismo e que fechou as portas no fim do ano passado. A prova ainda teve Altobeli Santos em oitavo e Wellington Bezerra em 12º, ambos por equipes pequenas. Logo os dois foram contratados pelo Cruzeiro.

Com o Cruzeiro fechando as portas, a Pé de Vento em crise financeira e a BM&F (depois B3) já inexistente, o país agora só tem uma equipe de fato profissional: o Pinheiros, que teve a melhor brasileira da prova feminina, Jenifer do Nascimento Silva, e o terceiro melhor entre os homens, Ederson Vilela.

Entre os 30 primeiros deste ano chegaram ainda mais um atleta do Pinheiros (Gladson Alberto, em 27º lugar) e um da Pé de Vento (Silvano Silva Pinto, em 21º), além de Gilberto Silvestre Lopes, que já foi do Cruzeiro e segue como atleta da Marinha, que foi 14º. Os demais ou não têm equipe profissional ou são estrangeiros.

 

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.