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Olhar Olímpico

A natação brasileira chegou a um divisor de águas

Demétrio Vecchioli

17/12/2018 04h00

Luiz Altamir não acredita: o Brasil é campeão e recordista mundial do 4x200m livre (Satiro Sodré/SSPress/CBDA)

O recorde mundial do 4x200m livre, as primeiras medalhas em provas "olímpicas" femininas e o bom desempenho da nova geração. Enquanto a história grita aos nossos ouvidos que é bom não se deixar enganar por um Mundial de Piscina Curta, a realidade nos permite imaginar que no futuro a natação brasileira será dividia em antes e depois da competição recém-encerrada em Hangzou (China). Pelo bem e pelo mal.

+ Daiene e Etiene quebram tabu com primeiras medalhas em distâncias olímpicas
+ Aos 38 anos, Nicholas Santos é bicampeão mundial; Brandonn é bronze

Tudo indica que, depois de 11 participações, este foi o último Mundial de Cesar Cielo. O melhor nadador brasileiro de todos os tempos não disse com todas as letras que vai se aposentar, mas deixou isso indicado diversas vezes. Seu contrato com o Pinheiros vence no fim do ano e parece não haver interesse de nenhum dos lados em renovar.

Junto com Thiago Pereira, que parou ano passado, Cielo é expoente de uma geração nascida entre 1987 e 1988 que deu cara à natação brasileira por mais de uma década, a partir de 2004. Esse grupo tem João Luiz Gomes Jr, Felipe França, Felipe Lima, Nicolas Oliveira, Guilherme Guido e Joanna Maranhão e elevou a natação brasileira ao patamar no qual ela está hoje.

Faz uma década, porém, que esse degrau foi subido. Desde então, o Brasil aproveita de mesmo status. Desde 2004, ganhou 20 medalhas em Mundiais de piscina longa e 38 em piscina curta, numa festa sempre comandada pela geração 87/88, com alguns convidados ilustres como Nicholas Santos (1980), Bruno Fratus (1989), Etiene Medeiros (1991), Marcelo Chierighini (1991) e Leonardo de Deus (1991).

Os resultados a geração 96/97/98/99 no Mundial de Hagzhou, aliado ao possível fim da carreira de Cielo, faz com que a festa tenha novos donos. A partir de agora, ainda que continue circundada de protagonistas mais velhos (Fratus continua sendo o grande nome brasileiro), é a nova geração que vai decidir o que será da natação brasileira. Se uma repetição de tudo que ocorreu nos últimos 14 anos, com seus erros e acertos, uma evolução disso, ou até um passo atrás.

Por exemplo, caberá a esta geração manter em prática, ou não, uma cultura de "meritocracia" dentro da seleção, que dá uma série de privilégios que vão de assento de voo a prioridade de uso de maca de massagem a quem tem melhor currículo. A manutenção do status quo serviu bem a Cielo e companhia, recompensados pelo que fizeram na piscina, mas colocava os jovens sempre no final da fila. Não é à toa que em diversas entrevistas de saída de piscina no Mundial esse garotos disseram que a nova geração estava pedindo "espaço". Agora, são eles que merecem receber massagem antes.

Esportivamente, alguns fatores indicam um caminho positivo. Criticadas por dividirem (e até tirarem) o foco com as provas olímpicas, as disputas "não-olímpicas" (especialmente as de 50 metros) foram essenciais para manter o Brasil em boa posição nos quadros de medalhas dos Mundiais. Mas elas tendem a perder espaço. Por imposição da diretoria da CBDA, que já coloca em prática uma série de medidas nesse sentido, por fatores físicos (os mais jovens têm menos chance de sucesso em provas de explosão), mas também por uma nova mentalidade.

Comentarista do SporTV e muito influente entre os atletas, o treinador Alex Pussieldi deu o recado ao vivo a Etiene Medeiros depois do bronze nos 50m livre, neste domingo (16): "Esquece este 50 metros costas e foca nos 50m livre", disse ele à nadadora, que respondeu que não há como deixar de lado uma prova que lhe deu tantas coisas.

Esse apego não está presente na nova geração que, afinal, ainda não ganhou nada em provas não-olímpicas. Pelo contrário: apostou alto no caminho mais longo e saiu cheia de fichas. Mais velho da turma do 4x200m aos 22 anos, Luiz Altamir não se importou com a descrença dos colegas nas tantas vezes em que sonhou com um ouro e com um recorde mundial. De fato, parecia coisa de outro mundo numa prova em que o Brasil há anos sequer chegava a uma final.

A piscina, porém, mostrou que não era. Altamir (nascido em 1996), Fernando Scheffer (1998), Breno Correia (1999) e Leonardo Santos (1995) conseguiram o que parecia impossível, na sexta. E passaram a inspirar os colegas. No sábado, Brandonn Almeida (1997) faturou a primeira medalha de Mundiais da carreira, um bronze nos 400m medley. No domingo, Daiene Dias se tornou a primeira mulher a medalhar numa distância olímpica, nos 100m borboleta. Ela é da geração de Cielo, mas se inspirou no momento da nova geração. Etiene, depois, conseguiu o mesmo feito. Uma lição para uma equipe influenciada, há anos, pela ideia de que "natação é esporte individual" e que, portanto, cada um que cuide do seu. Na China, o triunfo foi coletivo.

É claro que a medalha num Mundial de Piscina Curta não coloca o 4x200m ou Brandonn como favoritos ao pódio no Mundial do ano que vem ou na Olimpíada. Mas só esses resultados já permitem a toda uma geração voltar a acreditar que é possível que o natural ganho de performance na chegada à categoria adulta possa ser suficiente para levá-los ao pódio. Desde Cesar Cielo não é assim. Quem surgiu depois e ganhou medalhas em provas individuais só foi fazê-lo mais tarde: Fratus ao 25 anos e Etiene aos 23.

À nova geração caberá reescrever essa história, deixando de lado uma mentalidade conformista de que o primeiro Mundial ou Olimpíada tem como utilidade ganhar experiência e que, se a medalha não vier agora, poderá vir depois. Fundamental para o sucesso de Cielo e Thiago Pereira, a mentalidade de que não há idade para vencer perdeu força na natação brasileira à medida que a juventude deixou de ser realidade para aquela turma.

Em Tóquio, a seleção brasileira deverá ter uma maioria de novatos. Dos recordistas do 4x200m, só Luiz Altamir tem experiência em Olimpíada. Para chegar ao pódio, o 4x100m livre vai precisar de Pedro Spajari (1997) e de Gabriel Santos (1998). Da mesma forma, o 4x100m medley depende de renovação, principalmente no nado borboleta, onde Vinicius Lanza (1997) surge como o grande nome de sua geração – ele ficou de fora do Mundial de Curta por opção pessoal, no último ano de faculdade nos EUA.

O ano que vem deverá ser decisivo para apontar onde essa geração poderá chegar na Olimpíada, não só porque todos os principais nomes já terão ao menos uma experiência internacional, entre Pan-Pacífico e Mundial de Piscina Curta, mas principalmente porque eles serão testados em um cenário idêntico ao olímpico: o Mundial em piscina longa. E cobrados a entregar mais do que um simples ganho de rodagem.

Conheça os protagonistas da nova geração da natação brasileira:
(as mulheres merecem post à parte, depois)

Fernando Scheffer (1998) – Gaúcho formado pelo Grêmio Náutico União (GNU), que tem se especializado em produzir bons nomes nas provas de fundo, Scheffer estabeleceu este ano os novos recordes sul-americanos dos 400m livre em piscina longa e em piscina curta e dos 200m livre em piscina longa. Nesta, fechou o ano como 10º do ranking mundial depois de ser quarto colocado no Pan-Pacífico. Atualmente defende o Minas Tênis Clube.

Vinicius Lanza (1997) – Atleta da Universidade do Arizona, onde está concluindo a faculdade. Este ano, ganhou dois bronzes na NCAA (100 e 200 jardas borboleta) e foi bronze no Pan-Pacífico nos 100m borboleta. No Troféu Brasil, em piscina longa, venceu os 100m borboleta com o 10º tempo do ranking mundial e os 200m medley com o 15º tempo. No Finkel, em piscina curta, ganhou quatro provas, com recorde sul-americano nos 200m medley – a marca lhe faria ser prata no Mundial. No ranking mundial de piscina curta, ele fecha o ano como quinto dos 100m borboleta e 10º dos 200m borboleta. Defende o Minas desde a base.

Breno Correia (1999) – Foi o grande nome do Brasil no Mundial de Piscina Curta, fechando os revezamentos 4x100m livre e 4x200m livre. Nos 100m, fez a quarta melhor parcial da competição, apesar de ter sido apenas o quinto colocado na prova individual do Finkel. Nos 200m, fez a melhor parcial do Mundial (e Scheffer fez a segunda) e foi quinto na final individual. É um perfil fundamental para uma seleção que quer brigar por três medalhas em revezamentos em Tóquio. Foi formado no Flamengo, hoje defende o Pinheiros.

Pedro Spajari (1997) – Fecha a temporada como quarto no ranking mundial dos 100m livre e 12º dos 50m livre, mas foi inconstante no Pan-Pacífico: mais rápido no 4x100m livre, ajudando o Brasil a ficar com o ouro (os EUA bateram na frente, sendo eliminados depois), mas terminando em sexto uma prova individual e em sétimo a outra. Depois, não conseguiu vaga para o Mundial de Piscina Curta, superado por Cesar Cielo e Marcelo Chirighini nas duas provas. É cria do Pinheiros.

Gabriel Santos (1996) – Quinto do ranking mundial dos 100m livre, é o mais vitorioso da turma e um dos mais experientes, frequentando a seleção desde a Rio-2016. Nos 100m, venceu todos os campeonatos nacionais após a Rio-2016, com exceção do Finkel deste ano, o que o tirou do Mundial. No currículo, tem uma prata no Mundial de 2017 e o ouro no Pan-Pacífico, sempre com o revezamento. Ainda falta, porém, uma grande atuação em provas individuais em grandes competições. Mais uma cria do Pinheiros.

Luiz Altamir (1996) – Assim como Gabriel Santos, também foi à Olimpíada do Rio. Frequenta a seleção brasileira desde 2015, mas tem crescido aos poucos. No Mundial de Piscina Curta, foi sexto nos 200m borboleta e oitavo nos 200m livre, com potencial para muito mais – tanto a marca das eliminatórias quanto da abertura do revezamento o dariam o bronze na final individual. Nos 200m borboleta, é o 18º do mundo na piscina longa. Formado no Flamengo, também migrou para o Pinheiros.

Guilherme Costa (1998) – Recordista sul-americano dos 1.500m e dos 800m livre, pediu dispensa do Mundial de Piscina Curta já pensando na próxima temporada em piscina longa. Este ano, foi quarto no Pan-Pacífico nas duas provas, fechando a temporada em 13º na prova mais curta. Treina no Rio de Janeiro e defende o Pinheiros.

Brandonn Almeida (1997) – Provavelmente, é o mais famoso da turma, uma vez que foi o primeiro a surgir, com um ouro e um bronze no Pan de Toronto, aos 18 anos. Em 2015, também foi campeão e recordista mundial júnior. Diversas vezes comparado a Thiago Pereira, por conta do seu amplo programa de provas, tem os 400m medley como principal prova: foi 15º na Rio-2016 e finalista do Mundial do ano passado, terminando em sétimo. Este ano, foi sexto no Pan-Pacífico e ganhou o bronze no Mundial de piscina curta. Caso passe a treinar também para os 200m livre, pode ser decisivo para manter o revezamento entre os melhores do mundo. Cria do Corinthians, continua defendendo o clube enquanto aguarda aval para disputar a NCAA.

E mais:

Gabriel Fantoni (1998) – Colega de Vinicius Lanza desde os tempos de Minas e também na Universidade do Arizona, é a principal esperança do nado de costas no Brasil. Impôs uma rara derrota a Guilherme Guido no Troféu Brasil deste ano e fechou a temporada como 19º do mundo. Não conseguiu vaga para o Mundial.

Marco Antonio Junior (1998) – Atleta do Minas Tênis Clube, surpreendeu ao ser o terceiro colocado nos 100m livre no Troféu Brasil, garantindo vaga para o Pan-Pacífico, onde foi o mais lento dos brasileiros.

Caio Pumputis (1999) – Apontado desde a base como melhor atleta da sua categoria, estabeleceu recorde sul-americano dos 100m medley (distância não olímpica) no Finkel. Depois, foi finalista no Mundial de Piscina Curta. Entre as provas olímpicas, destaca-se nos 200m medley, 200m peito e 100m peito. Nesta última, se evoluir, pode ocupar uma lacuna que se abre com a proximidade do fim da carreira de Felipe França, Felipe Lima e João Gomes. Formado no Pinheiros, também está na NCAA, na Georgia Tech.

Murilo Sartori (2002) – Grande promessa, tende a crescer muito até 2020. Na semana passada, no Brasil Juvenil (tem pela frente dois anos de júnior), estabeleceu marcas que o fariam ser sexto tanto nos 200m livre quanto nos 400m livre no Troféu Brasil.  Defende o clube de infância ainda, o Natação Americana.

Felipe Ribeiro (1998) – Assim como Sartori, ainda não chegou a seleções adultas. Atleta do Flamengo, teve boas temporadas entre 2014 e 2015 nos 100m livre, mas caiu de rendimento entre os adultos. Ainda é recordista nacional juvenil 2 e júnior 1 e precisa se reencontrar para ajudar o revezamento 4x100m livre.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.