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Olhar Olímpico

De saída, gestão França esvazia cofre do esporte com eventos 'fantasmas'

Demétrio Vecchioli

05/12/2018 04h00

A menos de um mês para o fim do mandato, Márcio França (PSB), está esvaziando os cofres da Secretaria de Esporte (SELJ), comandada pelo aliado Cacá Camargo (Pros). Depois de um decreto do governador paulista que determinou "cumprimento integral da execução orçamentaria", três contratos excepcionais foram assinados nas últimas duas semanas, todos com números superlativos. Um, de R$ 2,8 milhões, para realizar uma clínica de vôlei no Centro Paraolímpico Brasileiro, que nega que receberá o evento. Outro, de quase R$ 5 milhões, para torneios escolares, amistosos, que deveriam ter começado no fim de semana passado em oito cidades, o que não ocorreu. Municípios listados, como Campinas e Santos, negam que receberão o evento.

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Já um terceiro contrato, de R$ 1 milhão, é para compra de bolas visando "o calendário 2018" da secretaria. São  3.500 bolas de futebol, ainda que o calendário de dezembro só inclua jogos em três estádios até o fim do ano. A empresa vencedora é a mesma que foi pivô de um escândalo na SELJ em 2016, de compra superfaturada.

Os dois eventos, que nunca fazem parte do calendário da secretaria para 2018, serão organizados pela PPR Live, que de uma vez só receberá mais recursos do que qualquer confederação olímpica brasileira ganhou da Lei Agnelo/Piva em 2018. A agência de publicidade é a mesma que realizou o transporte dos participantes da fase final regional dos Jogos Escolares, essa sim uma competição oficial. Como já mostrou o Olhar Olímpico, a PPR primeiro ganhou o pregão e só depois alterou seu cadastro na Junta Comercial para incluir o transporte de passageiros. Além disso, apresentou à SELJ documentos de ônibus que não atendiam as exigências do edital.

Desta vez a PPR Live saiu como vencedora de outros dois pregões. Um deles foi realizado na última quinta-feira (29) e teve como objeto a "prestação de serviços especializados na execução do projeto Mestres do Vôlei", que é "um evento criado para auxiliar, mentorar e treinar times de voleibol de todo o estado".

Consta no edital que o "Mestres do Vôlei" vai acontecer entre 11 e 16 de dezembro, no Centro de Treinamento Paraolímpico Brasileiro, na zona Sul de São Paulo. O prédio pertence ao governo do estado, que foi quem fez o edital, mas o Comitê Paraolímpico (CPB), que gere o local, disse que foi procurado para uma "visita técnica" no fim de semana – depois, portanto, da conclusão do pregão – e que avisou os interessados que não tem disponibilidade de espaço. O governo afirma que "está analisando quais as melhores medidas a serem adotadas".

Mesmo sem questionar o CPB se poderia utilizar o espaço, na fase de esclarecimentos do pregão eletrônico, na semana passada, a SELJ detalhou que era exigência que os hotéis contratados estivessem a no máximo 10km do CPB.

O edital é claro ao detalhar que cada uma das 15 delegacias regionais de esporte do Estado pode enviar quatro equipes (duas mirins, duas infantis). Um time de vôlei tem 12 jogadores. Assim, seriam 720 atletas participantes. Mesmo assim, o edital exige hospedagem para 1.600 pessoas e locação de três ônibus por delegacia regional (logo, para cada 48 atletas) para fazer o trajeto CPB/hotel. Só por esses dois serviços a SELJ vai pagar mais de R$ 1,3 milhão. E outros R$ 267 mil para servir almoço para essas supostas 1.600 pessoas.

No total, o evento vai custar R$ 2,8 milhões aos cofres públicos. Como comparação, a Confederação Brasileira de Ciclismo sobrevive com R$ 2,3 milhões ao ano da Lei Agnelo/Piva. Das 34 confederações olímpicas, só 11 recebem, por ano, mais do que o valor investido pela SELJ apenas nesta clínica de vôlei.  No começo do ano, o "laboratório de detecção de talentos" da CBV custou R$ 112 mil aos cofres públicos, ou 5% do que será gasto com o evento da SELJ.

Esporte para Todos

A PPR Live ficou ainda com outro evento, o Esporte para Todos, pelo qual receberá R$ 4,9 milhões. Pelo edital, seriam realizado "minicampeonatos" de handebol, futsal, vôlei, basquete, futebol society e vôlei de praia, em oito cidades do Estado. Durante os quatro finais de semana de dezembro, crianças de 13 a 17 anos, sem obrigatoriedade de inscrição, apareceriam para jogar em locais pré-determinados. No sábado os times jogariam até serem definidos os semifinalistas, com o domingo reservado para a disputa dos títulos. Também no sábado seriam realizadas clínicas de judô, tiro com arco e badminton.

Ao menos é isso que consta no edital. Secretarias municipais de esporte receberam um "release" (texto enviado por assessoria de imprensa) que informa que a competição, que pelo edital deveria ter começado no fim de semana passado, na verdade terá partidas de quinta a domingo desta semana, apenas. Não idá durar até o dia 23, como manda o edital.

As cidades contempladas também não são as mesmas do edital. A PPR foi contratada para organizar o torneio em Araraquara, Bauru, Campinas, Presidente Prudente, Santos, São José do Rio Preto, São José dos Campos e São Paulo. Mas a divulgação feita pela PPR Live cita as cidades de Jaguariúna e Votuporanga nos lugares de Campinas e São José do Rio Preto.

Ao Olhar Olímpico, as prefeituras de Santos e Campinas negaram que haja atividades agendadas para ocorrer naquelas cidades. A prefeitura de São José dos Campos disse ter sido procurada pela PPR e que cedeu seis ginásios, ainda que o edital só preveja a contratação de uma ambulância por cidade.

O site dedicado para o evento (www.esporteparatodos.com.br) estava fora do ar na terça-feira, assim como o site da assessoria de imprensa do evento. O telefone da assessora de imprensa, indicado no release, só deu caixa postal. Ainda que o evento esteja marcado para começar na quinta-feira, a SELJ não informou em quais ginásios vão ocorrer as competições. Ao blog, disse que está "readequando" datas.

O item mais custoso do orçamento apresentado pela PPR Live é o "kit lanche", que vai custar R$ 810 mil. Serão servidos 80 mil deles, de acordo com a planilha da SELJ, oito vezes mais do que o número de atletas previsto de participantes – ou seja, a alimentação de cada participante (sanduíche, fruta, suco e barra de cereais) custará R$ 81 aos cofres públicos.

Caso de fato 10 mil atletas participem dos torneios, como consta no edital, em média 60 equipes disputariam cada chave. Isso faria com que o intervalo máximo de tempo entre o início de um jogo e o início do próximo seria de nove minutos.

De forma geral, os valores são incomuns no esporte brasileiro. Em quatro dias de jogos com caráter amistoso, o governo de São Paulo vai gastar R$ 4,9 milhões. Em 2011, o Mundial de Handebol Feminino, que durou duas semanas, custou R$ 6 milhões ao Ministério do Esporte. Depois, Ministério Público, TCU e o próprio Ministério do Esporte encontraram diversos indícios de superfaturamento.

Bolas

Há duas semanas, no dia 21 de novembro, a SELJ concluiu um pregão para a compra de bolas visando, de acordo com o edital, "para o atendimento do calendário esportivo 2018". As bolas, todas da Penalty, precisam ter a logomarca da SELJ. Como essas bolas ainda precisam ser produzidas, o prazo de entrega é de 15 dias úteis – ou seja, dia 12 de dezembro.

Daqui até o fim do ano, o calendário da SELJ só inclui a fase final do campeonato estadual escolar, que terá suas fases finais em três cidades, de 6 a 15 de dezembro: Dourado, Lençóis Paulistas e São Paulo (no Ibirapuera). Como apenas um estádio de cada município será utilizado, o máximo de partidas concomitantes até o fim do ano também serão três.

Mesmo assim, o edital prevê a compra de 3.500 bolas de futebol. Além disso, foram compradas 3.500 bolas de futsal, 500 de vôlei, 500 de basquete feminino, 500 de basquete masculino, 500 de vôlei de praia e 500 de futebol society. Elas não devem ser usadas nos eventos citados nessa matéria, uma vez que o edital de ambos delega à empresa contratada (logo, à PPR) a responsabilidade por ceder as bolas.

As bolas serão fornecidas pela empresa Mega Dados, a mesma quem em 2016 esteve no centro de um escândalo da SELJ, que cotou mais de R$ 140 milhões em troféus e medalhas – havia troféu de até R$ 7 mil. A licitação acabou cancelada depois que a Folha mostrou indícios de irregularidades, como o fato de a Mega Dados funcionar no mesmo endereço de outra empresa que participou do pregão, a AW Sports.

Outro lado

O Olhar Olímpico enviou 10 questões à SELJ, que enviou de volta uma resposta para cada contrato. Sobre o pregão de bolas, o blog perguntou quantos jogos estão previstos até o fim do ano e por que o edital só foi lançado agora. Em resposta, a secretaria disse que "as bolas adquiridas atenderão às necessidades de 2018 e dos anos seguintes" e ressaltou que o Estado tem 645 municípios, "que realizam diversos jogos que precisam deste material". As bolas precisariam ser doadas em contratos individuais com cada prefeitura.

Sobre o "Mestres do Vôlei", a SELJ foi perguntada sobre "quando e onde" será realizado o evento, quantos atletas devem participar e de qual rubrica do orçamento saiu o empenho de pagamento. A secretaria apenas explicou que foi avisada da indisponibilidade do CPB para a data e que analisa as melhores medidas a serem adotadas.

Já com relação ao Esporte para Todos, o blog perguntou se o evento já começou, por que o edital não foi alterado, se escolas estaduais e municipais foram oficiadas com convites, em quais cidades os jogos serão realizados, por que o evento não consta no calendário e por que não está sendo divulgado pela SELJ. Na resposta, a secretaria disse que, após a edição do decreto 63.777/18 (de 1º de novembro), foram solicitadas providências administrativas para "cumprimento integral da execução orçamentaria que já se encontrava reservada e que foi objeto de alteração". Em função disso, a SELJ informou, brevemente, estar "readequando datas e cidades".

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.