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Olhar Olímpico

Irregularidades de Nuzman e dívida não paga deixam COB sem R$ 20 mi ao mês

Demétrio Vecchioli

26/11/2018 04h00

(divulgação/CBJ)

No meados de 2018, o Ministério do Esporte enviou um ofício ao presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley. Informou uma dívida de pouco mais de R$ 311 mil, referente a irregularidades na organização do Prêmio Brasil Olímpico de 2008, bancado com recursos federais, e anexou 15 guias de pagamentos, com vencimento em 18 de agosto. Uma para cada irregularidade, desde passagens emitidas para moradores da própria cidade onde ocorreu a festa até a impressão de uma revista que promovia seu então presidente Carlos Arthur Nuzman.

Promovido de vice a presidente do COB no fim do ano passado, depois que Nuzman foi provisoriamente preso, Paulo Wanderley optou por não pagar o que o governo cobrava, avaliando que melhor seria novamente contestar a dívida. Manteve, assim, o COB no cadastro de inadimplentes do governo federal, o Cepim. Na quinta (24), o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que, por estar nessa condição, o COB não pode receber recursos da Lei Agnelo/Piva.

Entenda: TCU determina que governo federal suspenda todos os repasses ao COB

A medida passa a valer assim que a Caixa Econômica Federal for oficialmente notificada, o que deve acontecer nos próximos dias. Considerando já a divisão de recursos prevista na MP 846, que o presidente Michel Temer tem até a próxima quarta-feira para sancionar, a suspensão deve tirar do COB uma média de R$ 20 milhões ao mês. Nas contas do COB, a dívida que o coloca no Cepim é de cerca de R$ 2 milhões. Em dezembro, o comitê espera receber US$ 3 milhões (R$ 11,4 milhões) de sua cota anual por expor os patrocinadores do COI.

O Cepim é um cadastro que pode ser acessado online por qualquer cidadão. Uma entidade é inscrita ali sempre que é considerada "inadimplente" com o governo. O COB aparece seis vezes na lista, todas por irregularidades em convênios firmados em 2008. Naquele momento, com Orlando Silva no ministério, Nuzman e o então presidente Luis Inácio Lula da Silva viviam em lua de mel.

Com o Rio concorrendo para ser sede dos Jogos Olímpicos de 2016 (a eleição ocorreria em 2009), o Ministério do Esporte firmou 17 convênios com o COB em um período de 366 dias entre 31 de dezembro de 2007 e a mesma data do ano seguinte. No total, repassou quase R$ 60 milhões em valores não corrigidos. Como comparação, desde então, só outros quatro convênios foram firmados, todos no último dia de 2010, para preparação de atletas, somando cerca de R$ 12 milhões.

Já aqueles convênios de 2008 tinham como propósito promover a imagem do Brasil e do COB durante a campanha pela Rio-2016. Então presidente do COB (e também do comitê de candidatura), Carlos Arthur Nuzman não assinou nenhum deles. Deixou a função para seu vice-presidente e amigo André Richer, que assumiu qualquer responsabilidade civil por eventuais irregularidades – Richer morreu este ano, depois de sofrer um colapso nervoso ao saber da primeira ação da Polícia Federal contra Nuzman, o COB e ele próprio.

Em 2011, a Controladoria Geral da União (CGU) apontou pela primeira vez uma série de irregularidades nesses convênios, que depois virariam alvo inclusive da Justiça Federal. Após uma série de idas e vindas burocráticas, com intensa troca de documentos e comprovantes, a partir de 2016 o Ministério do Esporte passou enfim a tomar providências para cobrar do COB as alegadas dívidas. No fim do ano passado, com a prisão de Nuzman, esse processo se acelerou.

Atualmente, seis convênios aparecem como inadimplentes: para contratação de consultoria internacional em mega-eventos (R$ 13,2 milhões, em valores da época), tradução do dossiê de candidatura para o francês (R$ 1,4 mi), organização do Prêmio Brasil Olímpico de 2008 (R$ 1,7 mi), consultoria para elaboração de dossiê de candidatura (R$ 7,1 mi), Casa Brasil durante os Jogos de Pequim (R$ 4 mi) e consultoria para responder ao caderno de encargos (R$ 3,5 mi). No total, os convênios envolvem R$ 30,9 milhões da época – mais de R$ 53 milhões corrigidos.

Isso não significa que esse seja o valor contestado. No convênio para a tradução do dossiê, por exemplo, no fim do ano passado o Ministério do Esporte reprovou cerca de R$ 250 mil – cerca de 15% do total do contrato. Outros convênios não têm sua documentação online, para consulta. Nas contas do COB, os valores discutidos somariam R$ 2 milhões (exatamente R$ 2.058.036,34), já considerando os juros. O Ministério do Esporte não informou sua versão ao blog.

Além desses seis convênios, outros três aparecem, no sistema de transparência do governo federal, como como "prestação de contas enviada para análise" e um "em complementação". Em um caso, a prestação foi aprovada "com ressalvas".

Questionado pelo blog, o COB disse que contesta a validade das cobranças e que "está avaliando a melhor forma de resolver essa pendência". Perguntado especificamente sobre a possibilidade de pagar todos os débitos para se livrar da suspensão de recursos, o comitê informou que "está avaliando todas as formas possíveis de solução da questão, sem prejudicar o andamento de seus projetos esportivos e seu planejamento técnico". Já sobre eventuais medidas para cobrar a antiga gestão pelas supostas irregularidades informou que "conforme for, avaliará seus próximos passos, tomando as medidas cabíveis".

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.