Topo

Olhar Olímpico

Análise: Ginástica brasileira faz bom Mundial, mas precisa de mais medalhas

Demétrio Vecchioli

06/11/2018 04h00

Time brasileiro de ginástica artística (RicardoBufolin/PanamericaPress/CBG

Finalista por equipes tanto no masculino quanto no feminino, a ginástica artística do Brasil começa a se firmar na elite internacional. Mas os resultados do Mundial de Doha (Qatar), que terminou no fim de semana, mostram uma discrepância ainda grande entre o nível das melhores ginastas brasileiras e seus resultados. A excelente geração de Flavia Saraiva e Rebeca Andrade, ambas já com 19 anos, segue sem entregar uma medalha.

Como Rebeca mais uma vez voltava de lesão, a grande esperança em Doha estava em Flavinha. Uma pisada fora da área delimitada do tablado na final do solo a impediu de ganhar o bronze. Na trave, mesmo sem nenhuma apresentação no seu melhor nível, Flávia ainda recebeu, na final por equipes, a mesma nota que valeu a Simone Biles o bronze no aparelho. No salto, principalmente Jade Barbosa, mas também a própria Flávia, teria condições de subir ao pódio – mas nenhuma das duas fez o segundo salto nas eliminatórias, exigência para ir à final.

Em parte, a responsabilidade pelo resultado é da comissão técnica, que tratou como prioridade o desempenho por equipes. E por muito pouco não colheu frutos históricos. O Brasil chegou a flertar com a medalha de bronze, sonhando até com a prata. Bastava repetir, nas barras assimétricas, o resultado da eliminatória. Mas o desempenho no último aparelho foi muito ruim, com falhas gritantes de Jade, Rebeca e Flávia.

São sentimentos conflitantes. De um lado, a sensação de que a ginástica brasileira está em um nível próximo dos melhores países do mundo (exceção aos Estados Unidos, em um patamar acima de todo mundo), depois de 11 anos sem final por equipes em Mundiais. Detalhes separaram China, Japão, Canadá, Grã-Bretanha, França, Brasil e Alemanha. De outro, o quadro de medalhas: Canadá (duas vezes), Alemanha, Bélgica e até o México subiram ao pódio na ginástica feminina. E o Brasil, não.

Já são 11 anos assim. Desde que Jade Barbosa foi bronze no individual geral do Mundial de 2007. Depois disso houve um hiato de grandes revelações, até a chegada da geração Flávia, Rebeca e Lorrane Oliveira, que despontaram entre 2014 e 2015. O ano passado foi a vez de Thais Fidelis chegar ao adulto. As cinco, mais Daniele Hypolito, que se machucou na preparação para Doha, formam a base que tem tudo para conseguir a vaga olímpica por equipes no Mundial de 2019.

No masculino, a ginástica brasileira voltou ao pódio do Mundial, com Arthur Zanetti ganhando sua quarta medalha na competição, a sexta em grandes eventos – foram mais duas em Olimpíadas. Uma prata que colocou o Brasil no quadro de medalhas da competição e devolveu confiança a Zanetti, regular durante toda a competição.

É um cenário diferente do feminino, ainda que as duas equipes tenham ficado no sétimo lugar. Entre os homens, o Brasil ainda está distante de pensar em uma medalha por equipes – EUA, China, Japão, Grã-Bretanha e Rússia estão expressivamente à frente. Não há como cobrar que esse passo a mais seja dado tão cedo – no caso delas, essa possibilidade gera alguma frustração.

Isso vale também em outras provas. No individual geral, Caio Souza foi 13º. Mesmo com uma final perfeita, não chegaria no Top 8 – no feminino, Flavinha foi oitava e podia mais. O próprio Caio ainda fez final do salto. Arriscou tudo, errou a segunda apresentação e terminou em oitavo e último lugar. Chico Barretto ficou perto de conseguir vaga na final da barra fixa, e só.

Serve de atenuante, porém, o fato de Arthur Nory ter competido ainda longe de estar 100% fisicamente e de Diego Hypolito, vindo de problemas físicos, estar distante da seleção. São dois medalhistas olímpicos, que fazem falta a qualquer equipe. Seus substitutos fazem parte de um momento de renovação da ginástica masculina, que tem uma maturação mais tardia.

A dois anos de Tóquio, a impressão é de que o time masculino conhece melhor seu lugar. É a sexta ou sétima força por equipes e, com Zanetti, briga sempre por uma medalha – o que deixa o Brasil, no quadro de medalhas, apenas abaixo daquelas cinco potências. E tendo possibilidades de surpreender aqui ou ali: vide a dobradinha olímpica de Nory e Diego.

Enquanto isso, no feminino, o Brasil continua instável. Tem nível para brigar no topo, voltar com a bolsa cheia de medalhas, mas faz mais um Mundial instável, retornando para casa sem nenhum pódio para contar história. Se ganhar maturidade, aprender a lidar melhor com a pressão, pode fazer muito bonito em Tóquio. Nesse cenário, deve ajudar muito a contratação de Valeri Liukin, técnico russo recentemente contratado como consultor do COB.

De forma geral, a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) fez uma avaliação positiva do Mundial, comemorando principalmente a chegada a oito finais – um recorde, ante sete em 2006. Na Rio-2016, porém, foram 11.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.