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Olhar Olímpico

"Quase morri com golpe de estrela do judô. Agora, quero ouro paraolímpico"

Demétrio Vecchioli

26/10/2018 04h00

Tuany Barbosa achou que não tinha nada a perder. O Instituto Reação já não tinha chances de vencer o Grand Prix Interclubes de Judô de 2014, mas aquela última luta do confronto contra o Minas era a grande oportunidade da carreira da jovem peso pesado. Aos 20 anos, enfrentaria a campeã olímpica Adelis Ortiz, cubana, ao vivo na TV. Se vencesse, seria um feito histórico. Se não, tudo bem. Jamais imaginaria que aquele seria o último confronto da sua carreira de judoca eo início de uma luta de quase um ano pela vida.

A carioca criada no Jacarezinho sente dor ao assistir a parte final daquele combate contra um judoca de altíssimo nível, conhecida por ser impiedosa com as rivais. É uma dor psicológica, relacionada ao fato de ter um "membro fantasma". Tuany não sente nada do joelho direito para baixo. Lembra que olhou para o cronômetro quando faltavam 30 segundos para o fim da luta. E que, com o relógio parado em 19s, já acordou com as costas no chão.

Nesse meio tempo, levou um O-soto-gari, um dos golpes básicos do judô: uma trava na parte de trás do joelho direito do oponente, com a perna esquerda, concomitante a um empurrão. "É um dos primeiros golpes que a gente aprende quando chega no judô. E foi o golpe que encerrou minha carreira. Minha perna ficou presa. Não sei se tentei defender, e teve o estrago. Minha perna fez um S", conta. E diz que, apesar da fama da rival, não a culpa: "Quando a gente sai de casa, assume o risco de ser atropelada. Quando entra no tatame, assume o risco de se machucar".

Tuany não apenas rompeu todos os ligamentos do joelho, como também viu o nervo fibular se romper. Na primeira internação – primeiro em São José dos Campos, onde competia, depois no Rio -, ficou internada de novembro até o fim de janeiro. Passou o carnaval em casa e voltou a ser internada, desta vez com uma grave infecção. "Fiquei um período bem crítico, correndo risco de vida", lembra. Só sairia em julho, para depois voltar em novembro.

Grande artífice do Reação, Flávio Canto não lhe faltou. Enquanto algumas judocas (como Erika Miranda e Bárbara Timo) promoveram uma vaquinha online, Canto ajudou financeiramente. "Ele foi como uma mãe. Deu de apoio familiar a financeiro. Não tem o que falar dele", afirma Tuany, que também se diz eternamente grata à saúde pública do Rio de Janeiro. O tratamento no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), ligado à UFRJ, opina, foi melhor e mais moderno do que lhe seria oferecido num hospital particular. Garantiu não só sua sobrevivência, mas evitou uma amputação.

Um novo começo

Flávio Canto faria ainda mais diferença na vida de Tuany. Foi para o ex-técnico que ela ligou quando a família começou a cobrar que ela reagisse, saísse da cama, mostrasse interesse na vida. Mal sabia que Flávio já tinha uma carta na manga.

O ex-judoca apresentou Tuany a Ana Barcelos, que foi a ponte para sua nova vida: o esporte paraolímpico. Inicialmente, a ex-judoca até recebeu uma oferta para treinar remo, o que não faz nenhum sentido para quem pesa 120kg e não sabe nadar. Melhor foi a proposta de se arriscar no arremesso de peso em cadeira de rodas. Conheceu a modalidade em meados de 2016, mas começou de fato a treinar em março de 2017.

Menos de um ano e meio depois da primeira competição, Tuany já encara o esporte com outros olhos. Atleta do Instituto Superar, é a terceira do ranking mundial, primeira do ranking brasileiro, e está inscrita para ganhar Bolsa Pódio. Será a oportunidade de abandonar o trabalho burocrático em uma faculdade e realizar, enfim, o sonho de se dedicar somente ao esporte.

Os sonhos são muitos – e tangíveis. Para quem em 2014 nem cogitava a ideia de disputar uma Olimpíada tão cedo, a Paraolimpíada não apenas é uma meta muito próxima, como a medalha também. Em competições, já arremessa 9,83m, e ainda mais em treinos, chegando perto da atual campeã olímpica, que tem 11,14m.

"Se no ano que vem eu ganhar mais um metro, vai ser ser perfeito. Em 2020 eu já encosto para fazer 12 metros", diz Tuany, que parece não ter medo de pensar alto. Uma marca assim daria a ela o recorde mundial. "Penso o tempo todo nisso."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.