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Olhar Olímpico

Compare as propostas de Dória e França para o esporte

Demétrio Vecchioli

25/10/2018 04h00

A privatização de equipamentos públicos é o principal ponto de divergência entre as propostas para o esporte dos dois candidatos que disputam o governo de São Paulo. Enquanto João Dória (PSDB) promete dar prosseguimento à concessão do Complexo Esportivo do Ibirapuera, paralisada depois que Geraldo Alckmin renunciou, o atual governador Márcio França (PSB) fica em cima do muro e diz que ainda vai estudar o caso.

Em julho do ano passado, Alckmin lançou a primeira etapa do processo de concessão do Complexo Esportivo do Ibirapuera, na qual empresas apresentavam ideias de projetos. Sete grupos entregaram propostas, como mostrou o Olhar Olímpico em novembro. O governo, porém, não abriu a fase seguinte do edital, que deveria ser lançada em janeiro. Em abril, o Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização até aprovou o chamamento público, que não foi lançado por Márcio França – o pessebista já havia assumido o governo.

Questionado pelo blog sobre sua proposta para o Ibirapuera, disse que "a prioridade é manter a função esportiva e de lazer do Complexo Esportivo, que deverá permanecer aberto à população, estudando a melhor forma de viabilizar economicamente esse importante espaço".

Já João Dória defende a privatização do complexo. "A ideia é manter as características principais do local, que continuará a ser voltado para a prática de atividades físicas e esportivas, aberto à população, sem custos, além de palco de grandes eventos esportivos", explicou. Como já mostrou o Olhar Olímpico, empresas que participaram da primeira fase do edital dão como certa a demolição do parque aquático e do estádio de atletismo, necessária para a viabilização financeira do negócio.

Dória e França também têm posturas diferentes quanto à privatização do Pacaembu, que é da prefeitura, mas virou um tema de Estado. É que França, como governador, levantou um documento da década de 1920 que mostra que a doação de um dos terrenos onde está hoje o complexo esportivo, do Estado para o Município, nunca foi legalizada. Isso convenceu o Tribunal de Contas do Município a condicionar a concessão do estádio municipal a um aval do governo estadual.

Sentado na cadeira de governador, Márcio França não deu esse aval e atrasou a concessão, uma das bandeiras da campanha de Dória à prefeitura, há dois anos. Agora, diz que seu objetivo "é que haja transparência no processo de concessão, para que não seja contestado no futuro".

Já Dória, claro, se diz favorável. Promete "continuar dando apoio integral ao processo do governo municipal, que transformará o Pacaembu em um complexo esportivo de alto nível, mantendo as atuais características de atendimento ao público".

Programas esportivos

Nos últimos anos, o Esporte tem tido importância cada vez menor no governo paulista, com os principais programas da pasta colocados em banho-maria. Com Alckmin, o orçamento da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude (SELJ) foi de R$ 255 milhões em 2015, no primeiro ano deste último mandato do tucano, e caiu ano a ano até chegar a R$ 179,6 milhões em 2018. Uma redução de 30%, sem levar em consideração a inflação.

Reverter esse cenário será um desafio para os dois candidatos. Como governador, França enviou para a Assembleia Legislativa (Alesp) uma proposta orçamentária que prevê R$ 179,4 milhões para a Selj, um acréscimo de R$ 10 milhões na comparação com a proposta feita por Alckmin há um ano – emendas parlamentares que somaram R$ 10 milhões elevaram o orçamento final para R$ 179,6 milhões, o que tende a se repetir desta vez, a seguir o histórico.

O orçamento enxuto minguou os três principais programas da Selj: a Bolsa Talento Esportivo (que teve seu orçamento reduzido a pouco mais de R$ 4 milhões este ano), a Lei Paulista de Incentivo ao Esporte (que aprovou 718 projetos esse ano, mas são pouquíssimos os que conseguem captar) e os Centro de Formações Esportiva, como do Ibirapuera, que fecham vagas todos os anos.

Em seu programa de governo, Márcio França fala de forma genérica sobre os temas. Promete "desenvolver o Bolsa Atleta e a concessão de bolsas-auxílio", "desenvolver o Programa Bolsa Talento Esportivo" (que é a versão paulista da Bolsa Atleta, federal) e "efetivar a Lei Paulista de Incentivo ao Esporte". Dória não trata sobre nenhum dos programas.

O Olhar Olímpico, então, perguntou aos candidatos especificamente sobre a Lei de Incentivo. Dória informou que defende "uma lei de incentivo semelhante ao ProAC, da Secretaria de Estado da Cultura". "Ou seja, menos burocrática e com todos os processos digitais, agilizando a concessão de incentivos e fomentando os projetos voltados ao estímulo de práticas esportivas."

Já Márcio França afirmou que sua proposta é: "isonomia com a cultura no prazo de captação e também no valor de renúncia". Sobre a falta de transparência dos projetos aprovados e da captação, comentou que "observada a legislação vigente que trata do tema, os critérios de transparência são bem estabelecidos e executados". Não estão disponíveis para a população informações como: quem são os doadores de cada projeto, quanto já foi captado por cada projeto ou como os recursos foram gastos.

Esporte de base

Desde junho discute-se em Brasília uma nova divisão dos recursos das Loterias Federais. E o maior interessado nisso é o Estado de São Paulo. É que uma parcela significativa dessa verba sai do Ministério do Esporte e vai para secretarias municipais e estaduais de esporte, para que elas realizem competições escolares. E São Paulo, por ser quem mais compra bilhetes de loteria, é também quem recebe maior porcentagem desse dinheiro.

Toda essa verba foi inicialmente retirada pela MP 841, o setor se mobilizou, e parte dela foi devolvida pela MP 846, que agora está no Congresso. Sem a participação do governo paulista (de França) ou do paulistano (de Bruno Covas, aliado de Dória) na mobilização em Brasília, as secretarias viram a porcentagem destinada a elas cair de 1,5% para 1%, o que significa uma redução anual de R$ 66 milhões no orçamento delas. E quem mais sofre com isso são os governos estadual e municipal de São Paulo.

Agora, França promete, eu seu plano de governo, atenção especial à formação esportiva. Ali, se compromete a "oferecer esporte de qualidade em todas as escolas estaduais, valorizando a importância da disciplina e promovendo atividades inclusivas", "organizar as olimpíadas estudantis de São Paulo" e "estimular a formação e a iniciação esportiva no contra turno escolar".

Já Dória não cita o esporte escolar em seu plano de governo, listando apenas que a prática esportiva, entre outras coisas, "reduz a evasão escolar, fortalece a consciência em formação e incentiva o estudo". Ao Olhar Olímpico, o candidato disse que promoverá "um grande incentivo ao esporte de base e para as atividades físicas voltadas para a inclusão social", prometendo buscar recursos por meio de emendas parlamentares ou parcerias com a iniciativa privada.

Alto-rendimento

Nos últimos anos, a Selj fechou a torneira de repasses para entidades como federações e confederações realizarem eventos esportivos e programas de formação de atletas em São Paulo. Em 2014 foram 159 convênios, que liberaram quase R$ 90 milhões. Em 2015, o número foi reduzido para 38 convênios, que movimentaram R$ 40 milhões. Entre 2017 e o mês passado foram apenas cinco convênios, todos por emendas parlamentares, que não envolveram mais de R$ 500 mil.

Com isso foram paralisados programas antes contínuos do governo estadual, como centros de excelência de atletismo, natação e judô, e o estado deixou de patrocinar eventos internacionais como o GP Brasil de Atletismo, jogos oficiais da seleção brasileira de vôlei e etapas de circuitos mundiais, que eram incentivados pelo Estado.

O Olhar Olímpico questionou os candidatos sobre o tema. Dória prometeu "trazer de volta ao Estado de São Paulo o protagonismo dos grandes eventos esportivo do país, através de parcerias com confederações, federações, Ministério do Esporte, Lei de Incentivo, Comitê Olímpico Brasileiro e as agências organizadoras destes eventos".

Enquanto isso, Márcio França respondeu à pergunta feita sobre os eventos de alto-rendimento falando sobre a verba para o esporte educacional, que é carimbada e não pode ser utilizada em competições profissionais. "Os estados perderam muitos recursos na área do esporte devido a mudanças na legislação federal. Vamos lutar para que São Paulo volte a receber os recursos necessários para a realização de eventos de porte médio e, ao mesmo tempo, aumentar no orçamento do nosso estado o valor destinado à pasta do esporte."

Máquina pública

Outro tema de forte discussão interna na Selj é a força da secretaria, que tem um quadro de funcionários que vem sendo reduzido ano a ano por aposentadoria e não ganhou novos servidores recentemente por concurso. Funcionários ouvidos pelo blog batem na tecla de que já não há mão de obra para dar conta das necessidades da secretaria.

Por isso, o Olhar Olímpico perguntou ao candidatos sobre previsão para novos concursos. Dória disse que "irá avaliar os quadros de funcionários das pastas assim que assumir, fazendo um planejamento sobre a necessidade de reposição". Mas ressaltou: "no entanto, a ideia principal para a área é trabalhar com organizações sociais de esportes, passando parte da gestão de equipamentos e programas para elas, sempre com acompanhamento rigoroso e cobrança de resultados".

Já Márcio França prometeu realizar novos concursos. "Os funcionários da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude são apaixonados pelo esporte e desempenham as suas funções com dedicação absoluta, apesar das dificuldades. Estamos trabalhando para que novos concursos voltem a ocorrer para melhorar ainda mais a qualidade do quadro de funcionários do esporte".

 

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.