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Olhar Olímpico

CBAt comprova esquema de fraude de ex-presidente e o denuncia à polícia

Demétrio Vecchioli

23/10/2018 14h18

Toninho Fernandes. (divulgação/CBAt)

No rastro de denúncias feitas pelo Olhar Olímpico em dezembro do ano passado, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) descobriu um esquema de corrupção muito maior do que se imaginava. Dos R$ 1,5 milhão de um convênio firmado em 2014 com a Secretaria de Esporte de São Paulo, a SELJ, R$ 906 mil foram sacados na boca do caixa pelo ex-presidente Toninho Fernandes e pelo ex-diretor-financeiro Eduardo Esteter. Eles assinavam os cheques, os endossavam, e depois sacavam o valor na rede bancária como pessoas físicas. As investigações continuam sobre outros três convênios semelhantes firmados apenas em 2014, que envolvem outros R$ 4,2 milhões.

Relembre a denúncia feita pelo Olhar Olímpico

Toninho Fernandes caminhava para ser escolhido como vice-presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e presidente do Comitê Rio-2016, consagrado como segundo cartola mais influente do país no movimento olímpico, quando uma série de reportagens do Olhar Olímpico mostrou como uma rede de empresas laranjas aparecia nas prestações de contas de convênios firmados com a Secretaria de Esportes do Estado de São Paulo, a SELJ.

Sem conseguir comprovar especificamente onde foram parar R$ 555 mil pagos a uma agência de turismo para supostamente hospedar atletas durante o Troféu Brasil de 2014, Toninho renunciou à presidência da CBAt em março. Warlindo Carneiro, então seu vice, assumiu o cargo e foi pressionado a abrir um inquérito administrativo interno. À medida que as investigações foram tendo prosseguimento, com novas descobertas, outros três inquéritos administrativos foram abertos. Os relatos são de que o presidente, antigo aliado de Toninho, não interferiu nas investigações.

Na segunda-feira, ele acolheu integralmente os relatórios finais dos dois primeiros inquéritos administrativos, determinando que seja lavrado um boletim de ocorrência contra Toninho e Esteter. E também que sejam notificados o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Contas do Estado. Além disso, a CBAt vai entrar com ações judiciais cobrando que Toninho e outros envolvidos no suposto esquema devolvam o dinheiro supostamente desviado. Alguns funcionários, envolvidos com o esquema, devem ser demitidos e também denunciados.

Cerco se fecha

Em junho, o conselheiro do TCE Antonio Roque Citadini julgou irregulares as prestações de contas dos quatro convênios firmados entre CBAt e SELJ em 2014. A comissão que apura internamente na CBAt as irregularidades aponta que o esquema funcionava assim: a Caixa Econômica Federal bancava a realização dos eventos. Mesmo assim, a CBAt firmava convênios para que a SELJ também os financiassem. Para justificar as despesas, a confederação apresentava notas frias de uma rede de empresas ligadas à MCR Contabilidade, como mostrou o Olhar Olímpico. E a maior parte do dinheiro deixava os cofres da CBAt em cheques sacados por Toninho na rede bancária, o que foi descoberto agora.

Na época dos convênios, o secretário estadual era José Aurichio, que, em sua primeira gestão como prefeito de São Caetano do Sul (hoje está novamente no cargo), teve como secretário de esportes Mauro Chekin, que substituiu Toninho como presidente da Federação Paulista de Atletismo (FPA). Ao mesmo tempo, a ONG Memorial do Salto Triplo, um braço da FPA, também firmou diversos convênios, sendo ainda beneficiada com recursos da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte.

De acordo com uma fonte do Olhar Olímpico, a comissão de inquérito da CBAt descobriu que as prestações de contas não eram feitas na sede da CBAt, mas na sede da ONG, que por sua vez funcionava dentro da FPA. "Quem coordenava essa 'estrutura paralela' era a Fátima Ferreira, irmã e braço direito do Toninho", revelou a fonte. Na época, ela era diretora de licitações e projetos da CBAt. Além disso, foi diretora financeira da FPA e presidente da ONG.

A MCR, de acordo com essa fonte, era quem operava o suposto esquema, trabalhando com Toninho desde 2000, quando começou a prestar serviços à FPA. O TCE já identificou que Severino Silva Santos, sócio do escritório, também é proprietário das empresas Anjy Serviços Administrativos e Rumo Certo Esportivos. A Rumo Certo e a LUMLAC têm o mesmo endereço da MCR, enquanto que a DMX Eventos, a LUMLAC e a Anjy têm o mesmo telefone. Todas são recorrentes em convênios da CBAt.

Essas empresas não prestavam serviço só à CBAt, mas também a outras entidades, especialmente à Federação Aquática Paulista (FAP). Como mostrou o Olhar Olímpico, a FAP apresentou cerca de R$ 2,3 milhões em notas fiscais dessas empresas para justificar gastos em convênios também firmados com a SELJ. A FAP, na ocasião, era presidida por Miguel Cagnoni, hoje presidente da CBDA. Diferente do atletismo, porém, a natação não investigou as denúncias feitas pelo blog.

Quem também está implicado após as reportagens é Mauro Chekin. Na segunda-feira, após postergar uma assembleia por mais de oito meses, a Federação Paulista de Atletismo reuniu seus associados, que rejeitaram as prestações de contas de 2014, 2015, 2016 e 2017, que até então não haviam sido votadas. Com as rejeições de 2014 e 2015, deve ficar invalidada a sua reeleição, de 2016.

Além disso, na falta desses documentos, também na segunda-feira, a CBAt suspendeu os repasses de recursos à FPA, principal beneficiada pelo dispositivo de solidariedade. Com isso, a FPA deve ficar impossibilitada de realizar competições. Isso deve causar grande impacto na modalidade, uma vez que é ela a responsável pela grande parte dos eventos regionais brasileiros.

Outro lado

O blog procurou Toninho, que disse desconhecer o conteúdo do relatório. Por Whatsapp, seu advogado disse o seguinte: "Toninho foi intimado por uma aparente comissão de inquérito, para prestar declarações, em cima da hora. Ele notificou a entidade, pediu esclarecimentos sobre do que se tratava, qual era a legitimidade e intenção dessa comissão de inquérito, e se colocou à disposição para qualquer esclarecimentos. Recebeu resposta de que seria intimado oportunamente. Nunca foi. Então surpreende essa informação, pois ele não sabe sequer do que se trata, e, claro, qualquer posicionamento da entidade é unilateral, sem que ele tenha tido a oportunidade de ser ouvido."

A SELJ disse que "está colaborando na prestação de esclarecimentos com lisura e transparência sobre administrações anteriores, e, por isso, foi feita uma apuração e identificado que a denúncia citada está em processo de investigação pelo Ministério Público, Corregedoria Geral da Administração e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo". A secretaria disse ainda que aguarda o o posicionamento dos órgãos para maiores informações".

Miguel Cagnoni disse que não gostaria de comentar a matéria, enquanto Mauro Chekin apenas confirmou que a CBAt interrompeu o repasse de verbas para a federação paulista. A reportagem ainda entrou em contato com Warlindo, que não respondeu os pedidos de entrevista.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.