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Olhar Olímpico

A natação brasileira não é para amadores

Demétrio Vecchioli

05/09/2018 04h00

(Satiro Sodré/SSPress/CBDA)

O Troféu José Finkel é uma competição adulta de natação, mas os jovens estavam por todos os lugares durante o torneio, na semana passada. A cada quatro brasileiros inscritos, três têm 22 anos ou menos. E eles andam em bandos, concentrados em oito clubes que dominam a modalidade e faturam quase todas as medalhas. Sintoma de um sistema cruel, que vem de décadas. A natação brasileira é quem melhor paga salários no mundo, mas para uma pequena elite de nadadores. Quem não tem espaço nos clubes de estrutura profissional dificilmente continua na natação quando chega à vida adulta.

Jovens talentosos são detectados em academias e clubes amadores e rapidamente seduzidos pela estrutura desses poucos clubes profissionais. E, lá, têm alguns anos para brilhar, render medalhas, merecer um salário que os mantenha na natação. Ou perder lugar. No Finkel de 2014, havia 34 nadadores nascidos em 1995. Ou seja: que fizeram 19 anos naquela temporada. Em 2018, essa mesma geração, chegando aos 23 anos, em tese no auge da forma, só teve 14 representantes no mesmo torneio.

"Muita gente começou a estudar. O pessoal vai ficando mais velho e vai vendo que a natação para eles não é o principal; é uma faculdade boa, um trabalho bom. A maioria da galera que nadava comigo está parada. Da minha idade, acho que só tem quatro no Finkel", comenta Leonardo Santos, um desses nascidos em 1995 que continua na natação. Atleta do Pinheiros, ele não tinha resultados expressivos até este ano, mas conseguiu vaga no Pan-Pacífico e disputará seu primeiro Mundial, de piscina curta, aos 23 anos.

A maior parte dos seus contemporâneos não teve chance de tentar por tanto tempo. "Quando chega perto da faculdade, quem já está se destacando no cenário e já tem apoio dos clubes mais fortes, esses seguem. Quem não tem apoio tem que priorizar o estudo e a vida profissional. São poucos os que conseguem conciliar. Só vai ficar na natação quem recebe valor considerável, como se fosse sua própria profissão", critica Edson Terra, gerente do Flamengo.

Carolina Athayde (Satiro Sodré/SSPress)

 

Velhinhos

Não que a natação brasileira tenha uma cara jovem. Muito pelo contrário. Os melhores índices técnicos do Finkel foram de Etiene Medeiros (27 anos), Nicholas Santos (38) e Guilherme Guido (31). Mas os três são representantes de um grupo de apenas 39 atletas brasileiros de mais de 25 anos que passaram pelo funil imposto pelo sistema e continuam nadando em alto-rendimento. Desses, só 11 não são atletas de seleção.

Carolina Athayde é o mais simbólico desses casos. Aos 32 anos, ela é a nadadora de alto-rendimento mais velha do país, mas provavelmente você nunca ouviu falar dela. É que ela não superou o funil quando devia, no começo da carreira adulta. Contemporânea e rival de Joanna Maranhão na base, não conseguiu um lugar no pódio de competições nacionais nos primeiros anos de adulta, não chegou à seleção, e abandonou a natação. Não de forma definitiva.

"Algumas vezes tive que optar por parar e voltar, inclusive por questão financeira", conta Carolina, que há seis anos tornou-se mãe de uma menina. Mas a paixão por nadar falou mais alto. Em 2015, voltou a treinar pelo sonho de cair numa piscina olímpica. Não que ela pretendesse estar na Rio-2016. "Consegui meu objetivo e nadei a seletiva, que foi na piscina da Olimpíada. Só não consegui chegar na final A, que era meu objetivo, mas uma coisa de cada vez."

Foi também por essa época que o Flamengo retomou o investimento na natação e contratou Carolina. Para ser treinadora da equipe mirim. Desde então, ela passa o dia na Gávea. "Saio de casa às 5h30 e só chego lá pelas 20h", conta. É o tempo necessário para manter uma rotina de atleta de alto-rendimento, que treina duas vezes ao dia e ainda faz musculação, com a de técnica. É esta última profissão que garante seu sustento.

Mas esse cenário pode mudar. Aos 32 anos, ela finalmente superou o funil. Pela primeira vez na carreira, ganhou uma medalha em um campeonato nacional adulto: a prata nos 200m borboleta. "Comecei a nadar absoluto (adulto) quando eu tinha 14 anos. Com 15, fiquei em quarto lugar. Desde então venho batendo na trave", lembra a nadadora, que perdeu as contas de quantas competições foi coadjuvante. "Agora que cheguei lá, agora quero mais, quero almejar outras coisas."

Conrado Lino (reprodução/Facebook)

Grandes sonhos

Ainda que só receba uma "ajuda de custo que nem dá para chamar de ajuda de custo" para nadar, Carolina ao menos conta com a estrutura do Flamengo. Sorte que a grande maioria dos atletas amadores de alto-rendimento não tem. "A gente ficou caçando apartamento pela internet para se hospedar, procurando o mais barato. Na hora de comer, é pela promoção do aplicativo", diz Conrado Lino, 24, um dos três atletas da academia Free Play, de Mogi Mirim.

Oitavo colocado nos 200m medley e quarto nos 100m, ele foi um dos cinco atletas de clubes pequenos que fez final A no Finkel. A competição teve 36 provas individuais, nas quais nadadores de Pinheiros, Minas, Sesi, Corinthians, Flamengo, GNU, Sesi-SP, Curitibano e Unisanta fizeram 271 aparições em finais. Os outros 31 times, somados, nadaram finais 17 vezes – sendo sete do Fluminense, a 10ª força.

Assim como Carolina, Conrado também se sustenta como treinador no próprio clube onde treina. Mas a estrutura é incomparável. "Quando o pessoal chega e vê a piscina com 80 centímetros de profundidade, pergunta: 'Mas é aqui que você treina?'. Você não tá entendendo. É aqui agora, que as coisas melhoraram. Antes era numa piscina de 12 metros e meio", lembra.

Salário não há. Conrado pede "de coração" que a reportagem cite os patrocinadores da equipe (Colégio Conectado, Gonçalves Sociaty, Ótica Líder, Vitalis e VS Swim), que ajudam com pequenas coisas. "É 200 conto, mas é 200 conto que faz uma puta diferença lá na frente. A gente não tem um milhão de reais igual o Pinheiros tem (tinha) da Sabesp. Um milhão de reais, cara. Eu dependo da ajuda de conhecidos, é foda."

12 conto

No ano passado, o Colégio Marista de Criciúma foi o 15º colocado no ranking nacional de clubes da natação. Tudo graças a um único atleta: Leonardo Schilling, 25, quinto colocado nos 50m borboleta no Finkel – perdeu a medalha por um décimo de segundo. Um motivo de orgulho para o diretor da equipe: o próprio Leonardo.

"O clube foi foi fundado pelo meu pai e pela minha mãe, para que eu pudesse ter uma equipe de alto rendimento para poder me desenvolver dentro do colégio em que eu estudava. Nós criamos um projeto social da nossa equipe para aproveitar toda a trajetória que eu tive, todas as oportunidades que eu criei. Sou o diretor da equipe e venho sozinho para as competições. Sou muito feliz por onde eu consegui chegar", afirma.

No caso dele, ser um atleta amador custa caro. Léo – como é conhecido – diz ter 14 membros em sua comissão técnica. "Custa 12 conto (mil) por mês", revela. O valor é bancado pelos pais e, em parte, por patrocinadores. O nadador acha que esta é uma fórmula viável, que mostra que o modelo de grandes clubes não é o único possível. "Tenho quase 25 mil seguidores, produzo muito conteúdo. O atleta tem que se aprender a se utilizar do que ele produz para vender. Eu tenho um nome muito conhecido na natação porque eu tenho um marketing muito bom. Não existe só uma linha de raciocínio".

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.