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Olhar Olímpico

Perto de parar, Cielo está em paz com a piscina, mas não com despertador

Demétrio Vecchioli

29/08/2018 04h00

Cesar Cielo comemora vitória nos 50m livre no Finkel (Satiro Sodré/SSPress/CBDA)

Tivesse que tomar hoje a decisão sobre continuar ou não nadando, Cesar Cielo talvez desse mais uma chance à carreira mais vitoriosa da natação brasileira. Aos 31 anos, ele é de novo o melhor do país, pelo menos na piscina curta: venceu os 50m e os 100m livre no Troféu José Finkel. Mas há um adversário que ele precisa vencer todos os dias, várias vezes com muito esforço, e o faz preferir pendurar a sunga no fim do ano: o despertador.

"Agora, dentro de mim, tem um competidor que não quer parar de jeito nenhum. Eu vou ter sempre o coração de um competidor, mas as ferramentas que eu tenho estão gastando. Agora eu quero nadar mais uns três anos, mas semana que vem vai voltar os treinos, vai tocar o alarme às 6 da manhã com frio e eu vou falar: não, dezembro é meu final, mesmo", explica Cielo, colocando na balança os prós e os contras de adiar o fim da carreira.

Essa mesma dúvida já esteve na cabeça de Cielo há pouco mais de dois anos. Em outubro de 2016, durante um período sabático, disse que havia brigado com a piscina, mas que já estava com "um pouquinho de saudade". Agora o amor voltou. "Estou em paz com minha carreira, em paz com a piscina. Tem hora que a gente se questiona, fica bravo. Eu fiquei brigado com a piscina, mas fiz as pazes com ela."

Ainda mais quando a piscina em questão é aquela que foi sua segunda casa durante boa parte da vida, e onde bateu o recorde mundial dos 100m livre, em 2009. No Pinheiros, nesta terça-feira (28), Cesão venceu os 50m livre do Finkel com 20s98, marca que valeria o ouro no Mundial de Piscina Curta de 2016 com folga. Depois, ainda fez a melhor parcial de 100m livre do campeonato, fechando o revezamento 4x100m medley do Pinheiros. Encerrou o torneio com três medalhas de ouro e uma de prata, mas dividia os pensamentos com um desejo.

"(Para continuar na natação), você que tem que abrir mão de coisas que você não quer abrir mão. Hoje eu saí de casa pensando o que eu ia comer à noite. Quero uma pizza só pra mim", admitiu. Catorze anos quase ininterruptos de seleção brasileira são quase catorze anos acordando às 6h e se alimentando de forma regulada. O corpo até responde – e os resultados provam isso -, mas a cabeça precisa descansar.

"Vai ficar achando difícil para buscar a motivação", reconheceu, colocando uma meta para o Mundial de Piscina Curta de dezembro, na China: ganhar ao menos uma medalha para se tornar o maior medalhista do esporte olímpico brasileiro em campeonatos mundiais. Ele e Robert Scheidt estão empatados com 17. "É legal para a natação, mais que para mim, sinceramente. A gente precisa de visibilidade positiva. Mas quero terminar com uma medalha. Não quero ir para o Mundial e voltar sem."

Velhinhos

O Mundial de Piscina Curta, porém, pode render uma enxurrada de medalhas para Cielo: até sete. Por uma soma de três fatores: o fato de muitos dos melhores do mundo abrirem mão do torneio, a programação de cinco revezamentos que incluem os 50m e os 100m livre e, claro, o potencial da seleção brasileira para nadar esses revezamentos.

O 4x50m medley é o maior exemplo. No Finkel, Cielo fez marca para ser campeão mundial dos 50m livre em 2016. Guilherme Guido, nos 50m costas, também. Nicholas Santos seria prata nos 50m borboleta e, Felipe Lima, bronze nos 50m peito. O favoritismo é inegável.

Após o torneio, Cielo fez um apelo à Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) para que leve atletas que possam nadar as eliminatórias dos revezamentos, poupando os titulares e aumentando as chances de medalhas nos revezamentos. Mas o pedido deve ser em vão, até porque a CBDA não tem recursos para levar mais do que 20 atletas e o Mundial de Piscina Curta não é prioridade.

Além disso, o time é eclético. O 4x100m livre terá quatro dos cinco melhores do Finkel nos 100m: Cielo, Marcelo Chierighini (2º), Matheus Santana (3º, classificou-se pelos 50m) e Breno Correia (5º, classificou-se pelos 200m). Os três primeiros podem nadar as pernas de nado livre dos revezamentos sem prejuízo ao resultado. Sente-se apenas a ausência de Pedro Spajari.

No nado borboleta, há Nicholas Santos (ouro nos 50m) e Vinicius Lanza (ouro nos 100m e 200m e prata nos 50m). No peito, Felipe Lima (ouro nos 50m e nos 100m) e João Luiz Gomes Jr (prata nas duas provas). No costas, Guilherme Guido (ouro em ambas) e Guilherme Basseto (prata nos 100m costas). E ainda Etiene Medeiros (costas e livre), Larissa Oliveira (livre) e Daiene Dias (borboleta) para nadar o medley misto.

A seleção terá quatro nomes novos: Caio Pumputis (19 anos, fez índice em três provas), Breno Correia (19) e Guilherme Basseto (21), todos do Pinheiros. Da nova geração que estreou no Pan-Pacífico, no início do mês, também se mantêm na seleção Vinicius Lanza (o melhor do torneio, 21 anos), Fernando Scheffer (20) e Leonardo Santos (23). Com Matheus Santana (22), Guilherme Costa (19), Luiz Altamir (22) e Brandonn Almeida (21), que já frequentam a elite brasileira desde convocação anteriores, são 10 jovens num time de 20.

A outra metade é formada por veteranos: Daiene Dias, Marcelo Chierighini, Etiene Medeiros, Guilherme Guido, Felipe Lima, Larissa Oliveira, Nicholas Santos, Cesar Cielo, João Luiz Gomes Jr e Manuella Lyrio. Entre as ausências, a mais notada é de Leonardo de Deus. Bruno Fratus recupera-se de lesão no ombro e não disputou o Finkel – esteve lá só para torcer.

Já entre os jovens, surpreende a ausência de Gabriel Fantoni, que quebrou uma hegemonia de 10 anos de Guido nos 100m costas no Troféu Brasil, evoluiu no Pan-Pacífico, mas não repetiu o feito na piscina curta. Nas provas de velocidade, sem vagas extras no revezamento, Gabriel Santos e Pedro Spajari acabaram ficando de fora.

Convocados da seleção brasileira para o Mundial de Piscina Curta (Satiro Sodré/SSPress/CBDA)

Recordes

De forma geral, o Finkel foi de nítida evolução na natação brasileira. Isso pode ser medido pelo número de recordes nacionais batidos: onze. Por Larissa Oliveira (100m e 200m livre), Vinicius Lanza (200m medley), Guilherme Guido (100m e 50m costas), Caio Pumputis (100m medley), Jhennifer Conceição (50m e 100m peito), Viviane Jungblut (1.500m livre), Caroline Mazzo (200m peito), Fernando Scheffer (400m livre)

Ainda que o meio-fundo feminino continue carente de bons resultados depois da aposentadoria de Joanna Maranhão, na maior parte das provas os resultados deixaram boa expectativa. No feminino, Larissa Oliveira voou para ganhar as três provas mais rápidas do nado livre, Etiene Medeiros voltou bem de lesão no nado costas e Jhennifer fez o melhor dela no peito. No borboleta, Daiene Dias se destacou apesar da cansativa volta desde a Rússia, onde disputou o Mundial Militar.

Mas a boa novidade foi o desempenho de duas jovens. Maria Paula Heitmann, de 19 anos, ganhou os 400m livre e foi bronze nos 200m. Já Maria Luiza Pessanha, de 18, foi prata nos 200m medley e bronze nos 200m costas e nos 200m borboleta (nas duas primeiras, foi a melhor brasileira).

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.