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Olhar Olímpico

Apesar de investimento, canoagem é cada vez mais dependente de Isaquias

Demétrio Vecchioli

27/08/2018 04h00

Isaquias e Erlon remam para o ouro em Portugal (divulgação/Ministério do Esporte)

O indiscutível talento de Isaquias Queiroz mudou de status a canoagem brasileira. Para que ele se tornasse o maior multimedalhista olímpico do país, a modalidade recebeu atenção e investimento maciço, inclusive com a contratação daquele que é a apontado o melhor treinador do mundo. O baiano entregou o que dele se esperava, chegando neste domingo à sua 10ª medalha em Mundiais. Mas, como de costume no esporte brasileiro, a canoagem desperdiça a oportunidade de aproveitar o vácuo de um gênio para evoluir. O ponto fora não muda a curva.

Os resultados falam por si e mostram que a modalidade como um todo regrediu em quatro ou cinco anos. Basta comparar os resultados do Mundial recém-encerrado em Portugal com os da edição de 2014, também no meio do ciclo olímpico. Naquela oportunidade, além dos resultados de Isaquias, o Brasil ainda fez mais três finais. Desta vez, mais nenhuma. Em todas as provas olímpicas o que se viu foi o país dando passos atrás.

A canoa feminina não esteve presente na Rio-2016, mas será disputada em Tóquio-2020. Em tese, o Brasil deveria ganhar duas novas chances de medalha, depois de Valdenice Conceição ser bronze no C1 200m e Andrea de Oliveira e Ângela da Silva ficaram em quinto no C2 500m no Mundial de 2014. Agora as provas são olímpicas, mas Valdenice ficou num modesto 11º lugar em Portugal, enquanto a dupla acabou em 15º. Antes potenciais medalhistas olímpicas, agora sequer chegaram à Final A. No ano passado, os dois barcos encerraram o Mundial em sexto.

Desde então, porém, elas perderam o centro de treinamento de Curitiba, onde treinavam. Reflexo do corte no investimento do BNDES na Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa), que dispensou os atletas – preferiu focar em manter a estrutura de Isaquias. Em entrevista ao GloboEsporte.com, Valdenice contou que recebe seus treinos por Whatsapp.

Mas a queda de rendimento é vista até na equipe treinada por Jesus Morlán em Lagoa Santa (MG). O C2 1.000m, prova em dupla que teve Isaquias no Rio-2016 e deverá tê-lo de novo em Tóquio-2020, o baiano foi poupado tanto em 2014 quanto em 2018. Há quatro anos, Erlon de Souza e Ronilson Oliveira ficaram em oitavo. Há cinco, em nono. Desta vez, Erlon e Maico dos Santos terminaram em 12º, remando a final B. São três ou quatro passos atrás. No C1 200m, Nivalter Santos fez final B e terminou em 12º em 2014. Com ele aposentado, o Brasil nem se inscreveu na prova em 2018. Reflexo da falha na detecção e na formação de novos talentos – o resultado no Mundial Júnior foi pífio.

No caiaque, estilo no qual o Brasil já não tinha o mesmo desempenho da canoa, os resultados também só pioraram. Depois de o país fazer 19º e 20º lugares nos Mundiais de 2013 e 2014, tanto no K1 200m quanto no 1.000m, Edson Isaias e Vagner Souta até evoluíram e pegaram final B no ano passado, terminando em 15º e 16º, respectivamente. Desta vez, pararam na semifinal de suas provas, em oitavo (só o quarto, o quinto e o sexto iam para a final B), atrás de ao menos 21 rivais.

Por fim, no caiaque feminino, na prova do K1 500m, Ana Paula Vergutz não evoluiu. Em Portugal, ficou a um lugar de uma vaga na final B, depois de vencer a final C de 2014 e ser última na final B de 2013. Na prática, é a mesma coisa. E Ana Paula continua sendo a única brasileira com nível para disputar um Mundial.

A boa notícia é que Isaquias continua fazendo a parte dele. Em Portugal, venceu as provas de 500m tanto no individual quanto em dupla com Erlon. A distância não é olímpica, mas as vitórias dão a ele moral. No C1 1.000m, essa sim prova olímpica, foi bronze. Perdeu do alemão Brendle e do tcheco Fuksa, os dois rivais que devem subir ao pódio com ele em 2020. A briga será pelos degraus.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.