Topo

Olhar Olímpico

Candidata ao Senado, Maurren deveria pensar primeiro em dar bons exemplos

Demétrio Vecchioli

07/08/2018 04h00

Fevereiro de 2016. Maurren Maggi corre sem velocidade numa pista montada na Praça Mauá, no centro do Rio, dá um passo além da tábua de salto e se joga em uma caixa de areia. A simulação de um salto foi exibida ao vivo pela Globo, que chamou aquilo de "salto de despedida" da carreira de Maurren. E, para o governo, foi. Tanto que só depois desse dia é que a campeã olímpica pediu para parar de receber uma Bolsa Atleta de R$ 3,1 mil mensais. Ainda que, desde abril do ano anterior, ela só se dedicasse à Globo.

Essa história não é nova, mas precisa ser recuperada agora, porque Maurren está de novo nos holofotes. No fim de semana ela foi oficializada candidata ao Senado pelo PSB de São Paulo, aliada ao atual governador do Estado, Márcio França. O ouro olímpico conquistado no salto em distância em Pequim-2008 certamente estará presente na campanha, como se fosse um atestado de boa índole. Deveria ser.

Depois de participar da Olimpíada de Londres-2012, Maurren só competiu outras cinco vezes. E apenas uma no exterior, em 11 de abril de 2015, num torneio de pequeno porte em Los Angeles. Oito dias depois, ao vivo, na Rede Globo, anunciou que se aposentaria "ao fim da temporada 2015". Mas não saltou mais nenhuma vez, exceto a brincadeira levada ao ar em fevereiro de 2016. Durante todo esse tempo foi financiada pelo governo federal.

De acordo com a CGU, ela recebeu R$ 111 mil entre janeiro de 2013 e março de 2016. Parte dele de maneira contestável. A MP que regula o programa é clara ao exigir como condição à renovação da bolsa que o atleta "continue treinando e participando de competições internacionais". Quando pediu a renovação da bolsa, em agosto de 2015, ela já não mais treinava, como havia informado em rede nacional e também não competia internacionalmente – nem tinha planos nesse sentido. Pelo contrário: dedicava-se à Dança dos Famosos, quadro do Domingão do Faustão. Ela só foi avisar o governo sobre o fim de seus treinos quando não havia mais como negar a aposentadoria, depois da fatídica simulação de salto.

Já aposentada, faltou à assembleia da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) que sacramentou o afastamento do presidente Toninho Fernandes, em março. No encontro, realizado em Atibaia, a uma hora de carro de São Paulo (onde mora), a ausência de Maurren foi a mais comentada. Com direito a voto por ser medalhista olímpica, ela se absteve. Em contraponto, Joaquim Cruz, outro campeão olímpico, veio dos Estados Unidos para discutir o futuro da modalidade. Maurren por anos foi embaixadora dos eventos organizados por Toninho com recursos públicos, inclusive um torneio que leva o nome dela. "É óbvio que eu estou do lado do Toninho", disse num áudio ao qual o blog teve acesso, depois de estourarem denúncias contra ele (clique aqui e entenda do que Toninho é acusado).

"Quanto menos a gente mexer e se envolver, menos fede. Vamos deixar a Justiça dizer se houve algo de errado", disse Maurren, em áudio enviado a um grupo de medalhistas olímpicos, quando se discutia afastar Toninho enquanto ele não explicava onde foram parar mais de meio milhão de reais que deveriam ter pago hospedagem de atletas – e não pagaram. "Se não chegar algo judicial para a gente falar, a gente não tem que se meter. Tem que defender a CBAt", continuou ela no grupo, dizendo que evitava uma "exposição negativa".

As poucas manifestações políticas da agora candidata, aliás, passam longe de afetar aliados. Seja de Toninho ou do governador Márcio França, que nomeou um coordenador para o Ibirapuera que recebeu R$ 100 mil em sua conta pessoal no primeiro dia de trabalho. Maurren empresta seu nome a uma equipe que treina no local, mas não fez qualquer comentário sobre o escândalo. Também não se posicionou num momento de crise no ano passado, quando o governo proibiu treinadores que não são concursados pelo Estado de darem treinos na pista.

Dois ex-colegas de treino se surpreenderam com sua candidatura. "Achava que ela não gostava de política, porque ela sempre fugiu de qualquer movimento", comentou um deles. Enquanto muitos atletas e ex-atletas se mobilizaram para tentar evitar a privatização do Estádio Ícaro de Castro Mello, onde treina a equipe que leva o nome de Maurren, ela não fez nenhuma crítica pública ao governo (que então tinha Márcio França como vice-governador). Não usou seu status de campeã olímpica na tentativa de salvar a pista que a projetou e que hoje está estragada.

Sua última manifestação foi em junho, depois de o presidente Michel Temer editar uma Medida Provisória que tirava recursos do esporte. No Facebook, postou que "a corja parlamentar decidiu, às vésperas de uma Copa do Mundo, acabar com o que restou do esporte nacional". Só que o Parlamento nada tinha a ver com aquela decisão do Palácio do Planalto. É assustador saber que uma candidata ao Senado não saiba disso.

Outro lado

Ao Olhar Olímpico, por mensagem, Maurren citou a desmontagem do Estádio Célio de Barros, no Rio, para dizer que o mesmo não pode acontecer com o Ícaro de Castro Mello, em São Paulo. "Minha posição a esse respeito é muito bem conhecida", alegou. O blog não encontrou qualquer referência a essa posição em entrevistas à imprensa ou nas redes sociais da ex-atleta. Sobre os protestos realizados por atletas, disse que não estava no Brasil na época – ela ficou cerca de dois meses na República Dominicana, gravando o programa Exathlon. O movimento já dura um ano, desde o anúncio de que o estádio seria incluído no edital de privatização.

Sobre a ausência na assembleia da CBAt, disse que não participou por motivo de doença, "como é sabido". A falta não foi justificada em ata. Maurren contraiu leishmaniose no Caribe, em diagnóstico revelado no começo do ano. Depois disso, nas redes sociais, postou vídeos trabalhando e fotos em eventos sociais. Ela nunca fez comentários públicos sobre o escândalo.

Sobre a Bolsa Atleta, por fim, alegou que sempre cumpriu os critérios para recebê-la. "Enquanto estive ativa, recebi a Bolsa. Quando me retirei, deixei de pleitear a renovação do benefício", afirmou, argumentando que a Bolsa é paga com "atraso". A última renovação feita por ela, em 2015, foi referente a resultados de 2014. Naquele ano, Maurren não competiu nenhuma vez, de acordo com dados dos sites da IAAF e da CBAt. Seu direito à bolsa olímpica (por ter competido na Olimpíada de Londres) passava pela exigência de continuar treinando para competições internacionais, o que ela já havia informado que não fazia mais.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.