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Olhar Olímpico

Ryan Lochte foi um dos melhores da história. Hoje, é veterano inconsequente

Demétrio Vecchioli

24/07/2018 04h00

Ryan Lochte na Rio-2016 (Michael Sohn/AP)

Atleta com maior número de medalhas em grandes competições da natação (89 entre Olimpíadas e Mundiais), Ryan Lochte poderia ter dado sua carreira por encerrada após faturar o inédito tetracampeonato mundial dos 200m medley em 2015. Aos 31 anos, penduraria a touca mais tarde do que a natação tem como usual. A sobrevida a uma carreira vitoriosa, porém, a manchou com escândalos. E sua reputação como um dos maiores nadadores de todos os tempos virou a imagem de um velho inconsequente.

O mais recente incidente veio na segunda-feira (23), quando a agência antidoping dos Estados Unidos, a USADA, anunciou uma punição de 14 meses ao nadador, retroativa a maio. Ou seja, vale até julho de 2019, o que o impede de disputar as seletivas para o próximo Mundial. Uma volta à seleção norte-americana ficaria só para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

O motivo da suspensão é o que mais assusta. Atleta de altíssimo rendimento desde 2004, ano em que iniciou sua coleção de medalhas olímpicas, Lochte mostrou desconhecer o código antidopagem. Não apenas tomou medicamento intravenoso, como postou uma foto disso nas redes sociais. Como o medicamento injetado não era proibido, em tese ninguém nunca ficaria sabendo da irregularidade. Exceto se você compartilhasse isso com seus milhões de seguidores.

Um erro que um novato poderia cometer. Mas não um atleta que, a duras penas, teve que aprender a se proteger da exposição pública. Afinal, não foi pequena a confusão que Lochte arranjou na Olimpíada do Rio, para a qual apareceu com o cabelo tingido de prateado. À época, já ficou a impressão de que, num momento em que seu amigo pessoal e maior rival Michael Phelps voltava à natação, Lochte queria atenção.

Por resultados, não chamou atenção – foi ouro no 4x200m como mais lento da equipe. Encerrada sua participação, aí sim apareceu. Saiu para uma balada e voltou para a Vila Olímpica alegando que, junto com três colegas, havia sido assaltado.

Criou um incidente diplomático, que logo foi esclarecido. Na verdade, os três, bêbados, pararam em um posto de gasolina e depredaram o banheiro do local. Depois, se negaram a pagar pelo prejuízo. Quando chegaram à Vila Olímpica, inventaram a história para acobertar um dos nadadores, que havia traído a namorada.

Dono de 12 medalhas olímpicas, quase todas elas conquistadas como coadjuvante de Michael Phelps (mesmo quando ele vencia, a história contada era de que Phelps é que perdeu), Lochte nunca havia ocupado tantas manchetes. Ninguém ousou sair em sua defesa.

Não à toda, o nadador perdeu todos os seus patrocinadores (um prejuízo estimado em R$ 10 milhões a longo prazo), foi suspenso da natação e deixou inclusive de receber os prêmios pelas medalhas conquistadas na Rio-2016. Ou seja: voltou do Brasil não só com uma acusação criminal nas costas (o Ministério Público recentemente reabriu o caso), mas com uma mão na frente, outra atrás. Naquele momento, ele não tinha fonte de rendimento.

A solução foi aproveitar a fama e o tempo livre para ganhar dinheiro. A começar pela participação no programa Dancing with the Stars, a versão original do Dança dos Famosos, que costuma servir de trampolim para carreiras televisivas. Já foi o suficiente para ganhar um novo patrocinador, a fornecedora de material esportivo TYR. Sempre ao lado da ex-coelhinha da Playboy Kayla Rae Reid, hoje sua esposa, viu suas contas nas redes sociais ganharem cada dia mais seguidores.

Longe do noticiário esportivo, uma vez que não pôde participar nem do Campeonato Norte-Americano nem do Mundial do ano passado (principais eventos da natação americana), Lochte recuperou visibilidade pelas redes sociais. Mas pagou seu preço ao publicar a foto ao lado da esposa, cada um em uma poltrona, recebendo a tal injeção intravenosa.

A suspensão, divulgada nesta segunda, caiu como uma bomba. Lochte esperava voltar a nadar em alto nível no campeonato americano, que começa na quarta-feira. Estava inscrito em quatro provas e esperava se classificar para nadar o Pan-Pacífico, principal evento da temporada, que reúne os países mais tradicionais da natação que não são europeus: Brasil, Austrália, EUA, Japão, China…

De uma hora para outra, Lochte se vê sem a possibilidade de nadar contra os melhores de seu país, fora da principal competição da temporada e suspenso até julho de 2019. Logo, fora também do Mundial de Piscina Curta do fim do ano e de todo o calendário do ano que vem. Um nadador que se acostumou a ganhar montanhas de medalhas de grandes competições todos os anos, agora vai ficar quatro anos sem colocar uma no peito.

"É devastador para a minha família porque eu definitivamente me tornei uma pessoa melhor depois do Rio e estava de volta aos treinos", disse Lochte, em entrevista coletiva. "Estava me sentindo bem, estava nadando rápido. Meu filho nasceu. Tudo estava acontecendo. Tudo estava perfeito, e então isso aconteceu. E é devastador", lamentou.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.