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Olhar Olímpico

Se esporte deu passo a frente com Olimpíada, MP de Temer dá 2 passos atrás

Demétrio Vecchioli

12/06/2018 12h00

    Marcelo Camargo/Agência Brasil

A fórmula encontrada pelo governo federal para financiar o novo Ministério da Segurança Pública nada tem de mágica. Os R$ 800 milhões a mais por ano previstos para a segurança vão sair de algum lugar. Mais especificamente, do esporte. Às vésperas da Copa do Mundo da Rússia, a notícia caiu como uma bomba no setor. As perdas, ao ano, vão superar R$ 500 milhões. Em três anos, o prejuízo já terá sido maior do que todo o investimento público feito em equipamentos esportivos nas Parques Olímpicos da Barra e de Deodoro.

Ao anunciar a Medida Provisória o ministro Raul Jungmann, da Segurança, disse que "grande parte dos recursos (retirados) do esporte eram relacionados à Olimpíada e à Copa do Mundo" e que o que será redistribuído era uma espécie de "gordura" dos mega-eventos. Ainda de acordo com o governo, as políticas públicas não serão afetadas. As informações não poderiam ser menos verdadeiras.

Primeiro, é importante entender que a medida afeta principalmente a Lei Pelé, regulamentada em 1998. Ou seja: nove anos antes de o Brasil ser escolhido como sede da Olimpíada de 2016. Promulgada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Lei Pelé destinava 4,5% da arrecadação bruta das loterias federais para o Ministério do Esporte.

Desse montante, que no ano passado chegou a R$ 600 milhões, 1/3 era repassado às Secretarias de Esporte dos Estados e do Distrito Federal para "aplicação prioritária em jogos escolares de esportes olímpicos e paraolímpicos" sendo admitida também a aplicação em "desporto educacional", "construção, ampliação e recuperação de instalações esportivas" e "apoio ao desporto para pessoas portadoras de deficiência". Nada a ver com gordura dos mega-eventos.

Em 2011, uma modificação na Lei Pelé passou a destinar meio ponto percentual, que antes ia ao Ministério do Esporte, ao Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), exigindo que os recursos fossem "destinados única e exclusivamente para a formação de atletas olímpicos e paraolímpicos". Ou seja: também essa verba estava carimbada: deveria ir (e estava indo) para os jovens atletas.

Ainda assim, o Ministério do Esporte continuou recebendo uma fatia do bolo, que no ano passado foi de R$ 324 milhões, que podia usar como bem quisesse. Desde o fim do ano passado, um movimento liderado pela ONG Atletas pelo Brasil tentava dar uma destinação específica a esta verba. Nas últimas semanas, o Olhar Olímpico mostrou que o Projeto de Lei que tramita na Comissão do Esporte chegou a contemplar ONG's de apoio ao esporte e o programa de alto-rendimento dos militares, mas que o ex-ministro Leonardo Picciani (MDB-RJ) vinha lutando para garantir que a verba continuasse no Ministério do Esporte.

Enquanto o debate acontecia na Câmara, com previsão inclusive de votação do projeto em plenário antes do recesso, o governo resolveu solucionar o problema da divisão das fatias simplesmente tirando o bolo da mão do esporte. Agora não há mais verba para CBC, para Fenaclubes (o sindicato dos clubes sociais), para ONG's ou para o esporte militar. Daqueles R$ 600 milhões sobraram meros R$ 89 milhões ao ano.

Para se ter uma noção do que representam R$ 500 milhões ao ano, alguns números: manter o Parque Olímpico da Barra custa R$ 35 milhões ano; construir a Arena das Dunas para a Copa custou cerca R$ 400 milhões; já a Arena Pernambuco, que passa por diversas acusações de superfaturamento, saiu por R$ 532 milhões. Agora, é o esporte de base e o esporte social quem vão pagar a conta.

O corte, claro, vai afetar os programas do Ministério do Esporte. Em novembro, o Olhar Olímpico mostrou que o orçamento da pasta, proposto pelo governo Temer, era o menor desde 2010. Já contando os cerca de R$ 324 milhões das loterias, o orçamento seria de R$ 805 milhões. Com o cobertor curto, não há dinheiro para o esporte de alto-rendimento – até agora, o governo só apoio uma iniciativa no ano, num convênio de R$ 400 mil. Não há "gordura" para queimar.

Também foram afetadas diretamente as Confederações Brasileiras do Desporto Escolar (CBDE) e do Desporto Universitário (CBDU), que também nada tiveram a ver ou foram beneficiadas por Copa ou Olimpíada. As duas entidades tinham direito, respectivamente, a 10% e 5%, da verba que chegava ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) e ao Comitê Brasileiro de Clubes (CBC).

Agora, pelas novidades impostas por Temer, esse mecanismo deixa de existir. Sem precisarem passar adiante esses 15%, tanto o COB quanto o CPB, que perderam cerca de 5% do montante total pelas modificações impostas pela MP, até sabem no lucro, uma vez que terão mais dinheiro para administrar diretamente. Sem precisar ajudar CBDE e CBDU, o COB, por exemplo, vê a parte final que lhe cabe ir de R$ 190 milhões para R$ 223 milhões.

Na legislação específica da Lotex, uma espécie de raspadinha virtual que ainda será licitada pelo governo, Temer retirou a cláusula que especificava que 2,7% da arredação bruta da loteria deveria ser destinada ao "esporte educacional". Havia sido o próprio Temer a regulamentar a Lotex assim, há dois meses. Ou seja: quase quatro anos depois da Copa do Mundo.

Sem qualquer exceção, o que a MP faz é exatamente o contrário do que vem sendo divulgado pelo governo. Tira o dinheiro de quem não teve nada a ver com Copa e Olimpíada: as crianças e os adolescentes. Seja pelo fim do financiamento estatal para os clubes formadores, pelo fim do apoio à CBDE e CBDU, que organizam os Jogos Escolares e os Jogos Universitários, ou pelo fechamento da torneira que abastecia as secretarias estaduais para que elas promovessem, nos estados e nos municípios, eventos esportivos estudantis. Até a verba futura, da Lotex, foi afetada.

Ao mesmo tempo, o governo aumenta não apenas a receita direta de COB e CPB – que, é bem verdade, estão também bastante incomodados com os cortes para o esporte de forma geral -, como também amplia o financiamento estatal do futebol profissional. Os clubes, até então, tinham direito apenas a 22% da arrecadação da Timemania (cerca de R$ 100 milhões). Agora, também ficarão com uma porcentagem de 9,56% do arrecadado pelas loterias esportivas – Loteca e Lotogol -, o que significa uma receita extra e inesperada de R$ 10 milhões.

Ao afagar os clubes de futebol, o governo evita criar atrito com a Bancada da Bola. Temer, porém, não teve o mesmo trato com o próprio Ministério do Esporte, que até domingo, ao menos, não havia sido informado que perderia uma receita expressiva. O ministro Leandro Cruz também não demonstrou grande interesse. Nesta segunda-feira, enquanto os bastidores de Brasília pegavam fogo, ele pegou um voo com escala em Portugal e destino final a Copa do Mundo da Rússia. Serão quase duas semanas fora do país.

Nos próximos dias, a articulação da "resistência" do esporte deve acontecer à margem dele. A MP precisa ser votada em até 120 dias para não perder sua validade, sendo que depois de 45 dias ela tranca a pauta da Casa em que estiver (Câmara ou Senado). Isso significa que existe a possibilidade de que o tema vá a discussão pelos deputados federais ainda durante a Copa do Mundo, o que dificulta a mobilização.

A tendência é que a ONG Atletas pelo Brasil, que tem bons canais de diálogo em Brasília e com outros atores do esporte, tome à frente desse movimento de resistência. Ao mesmo tempo, é provável que o Comitê de Clubes inicie uma ofensiva em sua defesa. Uma vez que reúne clubes da nata das grandes cidades do país, o CBC tem contato direto com diversos congressistas.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.