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Olhar Olímpico

Confederação levou um mês para afastar Fernando após denúncia à Justiça

Demétrio Vecchioli

11/05/2018 04h00

Seleção brasileira de ginástica na Suíça, em julho. Fernando está de pé, no centro da foto. (reprodução/Instagram)

Fernando de Carvalho Lopes viajou à Suíça e trabalhou um mês completo como técnico da seleção brasileira masculina de ginástica artística depois de dois casais de pais de alunos procurarem o Ministério Público da cidade de São Bernardo do Campo (SP) e denunciarem o treinador por abuso sexual. Isso aconteceu no dia 8 de junho de 2016, mas Fernando só foi afastado pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) em 8 de julho. Neste meio tempo, atletas, colegas de trabalho, funcionários da CBG e até mesmo o Comitê Olímpico do Brasil (COB) foram informados da denúncia.

O Olhar Olímpico conversou com quase uma dezena de pessoas para tentar entender como se deu esse processo, que começou ainda em maio de 2016, quando Ivonete Fagundes, coordenadora de ginástica artística de São Bernardo, ouviu de dois atletas menores de idade relatos de abuso sexual por parte de Fernando. No dia 27 de maio, Ivonete se reuniu com os pais desses atletas e revelou a eles o que sabia, orientando-os a formalizar uma denúncia.

Para efeitos legais, a equipe é da Associação Desportiva e Cultural São Bernardo (ADC São Bernardo), que firma convênios anuais com a Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) para receber recursos e manter o time. Ivonete é a responsável por essa equipe, mas é remunerada pelo governo municipal, onde tem o cargo de supervisora de ginástica artística. Era com ela que a confederação tratava sobre qualquer questão relacionada aos atletas e aos técnicos de São Bernardo.

Em entrevista por e-mail ao Olhar Olímpico, Ivonete disse que esteve com o promotor responsável por acolher a denúncia (Maximiliano Rosso), assim que a acusação foi feita. "Ele (o pai de um dos meninos) pediu que eu fosse falar com o promotor e eu fui, assim que ele (o pai) fez a denúncia", contou. A denúncia foi feita em 8 de junho. Isso demonstra que, ainda que o processo corresse em segredo de Justiça, ele era de conhecimento da coordenadora.

Naquele momento, pessoas envolvidas com a seleção brasileira também ficaram sabendo da existência da denúncia, que foi correndo a boca pequena. Em entrevista ao site "GloboEsporte.com", o técnico Renato Araújo disse que foi informado durante uma viagem a Portugal, que ocorreu entre os dias 19 e 26 de junho. Além dele, foram a Anadia os ginastas Sergio Sasaki (comandado por Renato) e Arthur Nory Mariano, que foi acompanhado por Cristiano Albino.

O Olhar Olímpico perguntou a Renato se, naquele momento, ele passou a informação adiante. O treinador, que não quis dar entrevistas, disse que fez "o correto" e que, em busca dessa resposta, a reportagem deveria procurar o COB. "O COB era o meu patrão, uma vez que eu era o técnico-chefe. O COB sabe", escreveu, pelo Facebook. O blog então procurou o comitê, que disse que, uma vez que agora existe um procedimento aberto no Conselho de Ética, que não poderia comentar, afirmando apenas que informou a CBG assim que soube do caso.

Coordenador da seleção, Leonardo Finco foi avisado por Renato sobre a denúncia. "O Renato me ligou, me informou, e depois disso fui falar com o COB, antes até que a confederação. Era super grave, a gente tinha que tomar um medida rápida, correta. Primeiro chegou como boato, mas fui conversar com a Ivonete para saber da veracidade", contou o técnico gaúcho ao Olhar Olímpico.

Finco não sabe precisar datas, mas quando a foto que ilustra essa reportagem foi tirada, no dia 2 de julho, na Suíça, tanto Renato quanto Finco sabiam que Fernando havia sido acusado. Mesmo assim, os três seguiram trabalhando juntos. Ao menos Sergio Sasaki, entre os atletas, sabia da denúncia. O ginasta foi treinado por Fernando no Mesc, clube onde teria ocorrido os abusos, segundo denúncias dos atletas.

No Brasil, Jorge Bichara, então gerente de performance do COB, foi avisado por Finco. "Fiquei preocupado, porque ele ia ser um dos treinadores que iria trabalhar durante a Olimpíada. Ele (Bichara) correu para tomar a decisão de como iríamos afastá-lo, para garantir que tudo fosse rápido", explicou Finco ao blog, contando também que procurou Ivonete para que ela esclarecesse o que sabia. Ela, porém, diz que não tratou sobre o assunto com nenhum técnico ou funcionário da seleção. Já o COB infirmou que avisou a CBG "assim que soube" do caso.

Viagem enquanto investigado

Dezoito dias depois de ser aberta contra ele uma investigação por abuso sexual, Fernando foi levado à Suíça pela CBG para acompanhar Caio Souza, naquele que seria um teste importante para definir os convocados para a Rio-2016. Ele continuava ligado ao ginasta e, consequentemente, à seleção, porque, mesmo tendo avisado os pais dos alunos sobre os abusos em 27 de maio, até aquele 26 de junho Ivonete não havia ainda o afastado de suas funções.

Isso só foi acontecer depois de a seleção voltar da Suíça, em viagem que acabou no dia 4 de julho. Ao jornal "Diário do Grande ABC", Ivonete contou que avisou Fernando do desligamento sem deixá-lo ir ao ginásio, que fica em frente a uma escola infantil na Vila Tanque. Deu a seguinte versão: "Marquei encontro em uma padaria e comuniquei o afastamento dele, sem dar detalhes. Ele me questionou e eu disse que o motivo corria em segredo de Justiça, mas que em breve ele saberia".

Fernando viria a ser afastado do posto de técnico da seleção no dia 8 de julho. Em nota, à época, a CBG alegou que fazia aquilo "em virtude do fato noticiado e notório desligamento da AD São Bernardo, considerando a motivação da suspensão e a eventual impossibilidade de comparecimento aos locais de treinamento".

O Olhar Olímpico perguntou à CBG quando a entidade foi avisada da existência de uma denúncia contra Fernando e questionou por que o lapso de pelo menos 10 dias entre o treinador-chefe tomar conhecimento do caso e o afastamento. A entidade respondeu com a seguinte nota: "Assim que a DIREÇÃO da CBG tomou conhecimento o afastou. Se alguém sabia antecipadamente e não avisou ou se teve algum lapso temporal a ser questionado, desconhecemos as razões. E ele foi afastado por cautela, pois havia um trâmite em sigilo de justiça". O uso de caixas altas na palavra direção partiu da CBG.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.