Como 2 amistosos de lojas maçônicas custaram R$ 30 mil à Prefeitura de SP
De um lado, os maçons da Loja Penha. Do outro, os maçons da Loja Morumbi. Seria mais um amistoso de futsal, dentre tantos que acontecem nos finais de semana pelo Brasil, se não fosse por um detalhe: essa partida, e uma outra entre maçons de até 21 anos, foram realizadas com recursos públicos. Mais exatamente R$ 29.803,50, bancados pela Prefeitura de São Paulo, na época ainda comandada por João Doria.
A entidade responsável pelo amistoso foi o Panathlon Club São Paulo, um clube de "serviços" que teve origem no Rotary Club. Sua doutrina se assenta em cinco preceitos: atuar em favor da cultura do esporte, preservar o espírito ético, difundir o fair-play, estimular a amizade e a solidariedade e agir em prol da memória do esporte. Tem apenas 52 sócios, a grande maioria homens. Entre estes sócios estão Carlos Miguel Aidar, que renunciou à presidência do São Paulo, Mustafá Contursi, ex-presidente do Palmeiras, e Toninho Fernandes, que recentemente renunciou à presidência da Confederação Brasileira de Atletismo.
No ano passado, o Panathlon firmou três termos de colaboração (antigo convênio) com a Secretaria Municipal de Esporte (SEME). Um, para a realização dos "Jogos Maçônicos 2017", por R$ 28.950. Outro para fazer a Copa Fair Play de Futebol, por R$ 145.525. E um terceiro para um evento nomeado Inovação Tecnológica da Saúde e Esporte, por R$ 100 mil.
As prestações de contas foram publicadas no próprio site do Panathlon, que explica que os "Jogos Maçonicos" se transformaram em dois amistosos de futsal. "As modalidades de judô e karatê não foram realizadas, devido à indisponibilidade do local. Por motivo de força maior e não houve tempo hábil para a realocação da competição em outros locais. Também quanto as modalidades coletivas, as inscrições foram abertas e procedida com a divulgação do campeonato: futebol de salão, handebol, voleibol, basquete. Destas modalidades, houve inscrições somente para o futebol de salão. Nas demais modalidades, não foi obtido o número mínimo de inscrições para a realização da competição", explicou o Panathlon.
Mesmo com as modalidades reduzidas de seis para uma, os gastos foram mantidos na casa de R$ 29 mil. A reportagem da Rádio CBN teve acesso a um relatório da Controladoria-Geral do Município, que foi até o local da competição e só viu dois jogos no sábado, dia 16 de dezembro. Segundo o Panathlon, neste dia a Penha ganhou do Morumbi por 4 a 3 e, na sequência, o time sub-21 da Loja Rainha fez 6 a 1 na Penha.
No domingo seguinte, 17, também teriam havido partidas. Mas o relatório publicado no site do Panathlon não informa sobre eles. "O sorteio dos praticantes ocorreu por ordem de chegada, buscando a integração entre os mesmos. Formada as quatro equipes e realizado três jogos em forma de quadrangular, conseguindo apurar as duas equipes finalistas e obterem suas premiações", diz o relatório, sem citar as equipes ou disponibilizar fotos.
Mesmo assim, segundo o Panathlon, foram entregues 10 troféus, sendo seis para as equipes (em tese, uma para cada uma), duas para homenageados, um para o diretor responsável pelo clube e outro para o idealizador do torneio – seus nomes não foram citados, também. O relatório não aponta, mas a nota fiscal mostra a compra de 120 medalhas, ao custo unitário de R$ 7. Cada troféu "luxo" saiu por R$ 300.
O relatório tem fotos amadoras, mas o Panathlon pagou R$ 4,9 mil por serviço de fotografias, que não constam no site da entidade. Outros 2,8 mil foram pagos pelos serviços de ambulância, enquanto R$ 3 mil foram gastos com sonorização. A empresa contratada para este serviço também forneceu arbitragem para três jogos de handebol (R$ 300 cada) e dois de futebol (R$ 500 cada). Além disso, foram contratados três "delegados de competições", por R$ 250 cada. A nota fiscal foi emitida em 26 de dezembro, ainda que o Panathlon tenha admitido que não houve competição de handebol nos dias 16 e 17.
Futebol virou basquete
Já o convênio da Copa Fair Play, publicado no Diário Oficial, foi totalmente modificado e deu origem a um torneio de basquete 3×3, jogado nos dias 9 e 10 de dezembro. No sábado, foram três jogos, entre dois times, formados por jogadores de até 17 anos. No domingo, 12 partidas de jogadores de até 30 e até 40 anos, de quatro equipes por categoria. Tudo isso em tese. Porque um fiscal da Controladoria-Geral do Município esteve presente ao local da competição no sábado e só viu uma partida, entre seis jogadores, conforme revelou a CBN.
Na versão do Panathlon, publicada em seu site, foram 15 jogos. Mas, 17 dias depois do torneio, o clube pagou R$ 15,7 mil a uma associação de árbitros pela arbitragem de 25 partidas de basquete, com direito a dois árbitros, um anotador e um operador de placar, ainda que o jogo com mais pontos tenha terminado 16 x 7. Só o custo somado de DJ, coordenador, coordenador de arbitragem, locutor e secretário, por dia, foi de R$ 4 mil. No sábado, vale lembrar, jogaram dois times infantis, apenas.
"Para a premiação foram adquiridos 24 troféus e 120 medalhas, em função do número previsto de equipes e foram distribuídos troféus e medalhas para as equipes campeãs, vice-campeãs e terceiro colocadas em cada uma das categorias disputadas, utilizando para isso o pódio de premiação nos dois dias de evento", informou o Panathlon, que divulgou uma lista com 35 nomes. Chama atenção o fato de os atletas da categoria 31 a 40 anos e mais de 40 anos tenham números de RG ainda mais altos do que os da Sub-21 – o que indica que eles tiraram o RG depois dos adolescentes.
A estrutura foi profissional, com direito a quatro placares eletrônicos por dia, além de outros quatro de contagem de tempo. Foram alugadas duas impressora e quatro notebooks "para o trabalho da secretaria e coordenação". Também houve contratação de 12 tendas e 20 conjuntos de mesas e cadeiras.
A programação começou às 11h e terminou às 14h. Mas foi alugado um gerador de energia, para suporte ao equipamento elétrico utilizado, "visto que nas quadras não havia energia elétrica disponível", segundo o relatório do Panathlon. Cada diária de locação de gerador custou R$ 4,1 mil. Os valores detalhados de como foi gasto o dinheiro constam no site do Panathlon, podem ser acessados aqui e aqui.
Outro lado
Inicialmente, a reportagem não conseguiu contato com Georgios Stylianos Hatzidakis, que à CBN disse que o campeonato de basquete teve baixa participação porque a autorização da Secretaria veio em cima da hora. Ele é o gerente administrativo da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e braço direito de Toninho.
Depois da publicação da matéria, Georgios procurou o UOL e disse o seguinte: "No final do ano passado fomos procurados para realizar 4 projetos com emendas parlamentares, sob responsabilidade de gestores desses eventos. Não vimos problemas e nem imaginávamos que teríamos tamanha repercussão negativas. Abrimos contas específicas para cada projeto e os pagamentos foram realizados mediante a apresentação de notas fiscais e os recursos que sobraram devidamente devolvidos à Prefeitura. Excetuando-se o Seminário de Inovação Tecnológica, que eu presenciei e fiz a abertura, não nos preocupamos em acompanhar os outros eventos pois havia o compromisso da apresentação do relatório pelos gestores responsabilidade de todo o ciclo desde o plano de trabalho até a prestação de contas a PMSP. A ideia era promover o Panathlon Club de São Paulo."
Já o secretário de esportes da prefeitura, Jorge Damião, ressaltou que foi ele quem solicitou a auditoria que encontrou irregularidades. "Foi por determinação minha que se inicio uma auditoria interna sobre as parcerias realizadas pela Secretaria Municipal de Esportes. Também foi a pedido da secretaria que a Controladoria Geral do Município abriu sua própria investigação", ressaltou.
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