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Olhar Olímpico

Brasileiro que comanda natação dos EUA é pessimista com futuro do Brasil

Demétrio Vecchioli

18/04/2018 04h00

Arthur Albiero comemora resultado (divulgação/AAC)

Nem Cesar Cielo, nem Bruno Fratus, muito menos Etiene Medeiros. O brasileiro mais vitorioso da natação mundial, ao menos atualmente, é Arthur Albiero. Talvez você nunca tenha ouvido falar dele, mas o treinador da Universidade de Louisville viu seus atletas voltarem para casa com 11 medalhas conquistadas no Mundial de Budapeste, no ano passado. O trabalho com o time universitário é tão bom que, este ano, ele será o técnico-chefe do time norte-americano no Pan-Pacífico, principal competição da temporada para a natação dos EUA.

Albiero é um personagem distante da natação brasileira, da qual está afastado há mais de 20 anos, desde que passou longe de realizar, como atleta, o sonho de estar nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Treinador pessoal de João de Lucca, hoje no Flamengo, mantém boa relação com boa parte dos técnicos do país, especialmente o veterano Mirco Cevalos, seu antigo treinador, e Fernando Vanzela, são-bernardense como ele, ambos do SESI-SP. Mas assiste a tudo à distância, como não mais do que um torcedor, desses não muito esperançosos.

Afinal, vê na natação brasileira o modelo oposto daquele que faz dos Estados Unidos um país tão vitorioso. "Falta competitividade. Veja a Etiene, que é uma atleta de altíssimo nível. Ela ganha prova no Brasil sem ser forçada. O Brasil tinha que ter 10 Etienes. O Vanzela é um dos melhores técnicos que eu conheço, e olha que eu conheço muitos técnicos, mas ela precisa ter motivação interna. O Brasil precisa de trabalho de base. A seletiva americana para a Olimpíada teve 1.700 atletas. O Maria Lenk está começando e tem quantos?", pergunta. Agora novamente chamado de Troféu Brasil, o antigo Maria Lenk teve início ontem com 328 atletas inscritos, apenas.

O técnico da seleção norte-americana baseia sua crítica em sua própria trajetória como nadador. Da mesma geração de Gustavo Borges, lembra de quando formava com o depois medalhista olímpico a equipe de revezamento do interior de São Paulo nas competições contra a capital. À época, recorda, havia polos de formação espalhados pelo país.

"Hoje, se surge um cara bom em Americana (SP), o Minas e o Pinheiros vão buscar. Isso matou os clubes regionais. Os Jogos Regionais permitiam uma competição muito grande, mas hoje está bem centralizado. Aí restam poucos programas. Dá para listar Pinheiros, Minas, Sesi, Unisanta, parece que o Flamengo está começando e mais quem? O Vasco meteu dinheiro na natação e durou dois anos. Não montou um programa. Tem que aumentar o número de participantes na natação do Brasil e para isso tem que ter mais programas."

Programa

Conversar com Arthur Albiero – ou "Júnior", para a família – é ouvir constantemente a palavra "programa". É disso que ele vive e se alimenta. Seu primeiro programa, como atleta especialista em provas de medley, foi de California State University, em Bakersfield, onde fez o primeiro ano universitário – sem bolsa, com paitrocínio. Na temporada seguinte, já estava em Oakland University, aí sim com apoio. Treinando em piscina curta, não conseguiu realizar o sonho de disputar a Olimpíada de Atlanta e, formado em psicologia naquele ano de 1996, foi iniciar seu primeiro trabalho como assistente.

Em Kenyon College, conheceu um programa simples, mas bem fundamentado. A equipe de natação de Kenyon era campeã todo ano da terceira divisão da natação norte-americana havia 30 anos, mas não tinha estrutura. Como não há bolsa de estudo, quem vai para lá é muito mais aluno do que atleta.

"Em Kenyon, você não é só assistente na beira da piscina. Você limpa piscina, se quebra a placa de chegada você conserta, você se vira. Foram três anos de muito aprendizado. A gente pegava atletas que vinham sem nível nenhum e viravam de altos níveis. Vinham treinadores de outros lugares e um deles estava indo para o Alabama e me chamou para a gente estabelecer lá o programa que tínhamos em Kenyon", conta.

De novo a questão do programa, levado de Kenyon para o Alabama, uma universidade de muita tradição na natação, mas que naquele ano de 1999 estava com um time fraco. "Cheguei como quarto técnico, fui me virando, me esforçando, e passei os últimos anos como braço direito do chefe. Uma coisa foi levando à outra e em 2004 tivemos três atletas finalistas olímpicos."

Albiero não esperou para ver. Em 2003, recebeu uma proposta que muitos recusariam: deixar um programa tradicional, com atletas de altíssimo rendimento, para assumir como head-coach de Louisville. De um time que, apesar da ser da Divisão I, não disputava o NCAA. "Olhei os atletas, vi que era tudo muito fraco, mas me chamou atenção que eles queriam investir. Queriam construir uma piscina nova, montar um time", recorda.

Foram cinco longos anos até conseguir classificar a primeira atleta mulher para o NCAA. O processo é longo e passa por melhorar a infraestrutura da equipe, mostrar trabalho e convencer talentosos alunos do ensino médio a escolher a universidade. Quinze anos depois, os frutos estão sendo colhidos. Na primeira divisão deste ano, Louisville ficou em quinto no geral feminino, melhor resultado de sua história. "São sete anos seguidos com vitórias em provas individuais", se orgulha.

O reconhecimento também veio. Depois de trabalhar para a equipe de Portugal em Londres-2012 e viajar ao Mundial de Kazan, em 2015, para acompanhar João de Lucca, em 2016 Albiero já fez parte da equipe técnica dos Estados Unidos na Olimpíada. No Mundial de Piscina Curta, foi o head-coach. Apostando num programa de treinos em piscina longa, e não nas de 25 jardas tradicionais nas provas da NCAA, foi promovido a treinador-chefe no Pan-Pacífico.

"A gente sempre teve uma filosofia de sempre nadar em piscinas longas. Tem universidade que não treina em longa. Eu sempre gostei de treinar em longa todo ano. E aí eu acho que isso cria uma experiência, uma expectativa um pouco diferente", argumenta.

Chances de um dia voltar ao Brasil? Albiero avisa que "never say never" (nunca diga nunca), mas não parece muito animado com a ideia. "Quem sabe daqui 10 anos alguém pense: 'Vamos trazer o Arthur pra ser National Team Director', ou seja, para ser um cara que vai cuidar dos treinadores da seleção. Mas eu acho bastante difícil pelo jeito que as coisas andam."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.