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Olhar Olímpico

Dinheiro de comitê é controlado por funcionárias condenadas por corrupção

Demétrio Vecchioli

28/03/2018 04h00

Responsável por descentralizar quase R$ 60 milhões ao ano das loterias federais para os clubes sociais, o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) colocou duas funcionárias expulsas do serviço público por fraude para cuidarem desse dinheiro. Gianna Lepre Perim e Milena Carneiro Bastos eram funcionárias comissionadas do Ministério do Esporte, mas foram destituídas de seus cargos após serem condenadas pela Lei de Improbidade Administrativa. Um ano e meio após a decisão da Controladoria Geral de União (CGU), porém, elas novamente exercem as mesmas funções, cuidando mais uma vez do repasse de verbas federais, agora no CBC.

O UOL acompanhou todo o processo que culminou na expulsão de Gianna e Milena do serviço público. Elas estavam envolvidas no escândalo que em 2011 derrubou o ministro Orlando Silva, referente a repasses feitos em 2006. Responsáveis pelo setor que liberava verba irregularmente – mas, de acordo com fontes do Ministério do Esporte, também as responsáveis por descobrir as irregularidades e levá-las à Polícia Federal -, elas inicialmente foram multadas pelo TCU e desligadas do Ministério. Em dezembro de 2016, foram expulsas do serviço público pela CGU. Um mês depois, o colega Aiuri Rebello já contava que Gianne estava empregada no CBC.

Mas não era só ela. Milena também havia ganhado cargo de confiança no comitê, que até então se chamava Confederação Brasileira de Clubes – o nome foi mudado para equiparar o CBC ao Comitê Olímpico (COB) e ao Paraolímpico (CPB), que estão na mesma hierarquia no sistema nacional do esporte.

De acordo com uma denúncia apresentada ao Ministério do Esporte, ao Ministério Público Federal e à própria CGU, e ao qual o Olhar Olímpico teve acesso, Milena foi contratada em 2016 para ser coordenadora de Acompanhamento e Fiscalização, sendo promovida a Coordenadora Administrativa. Em 2017, ela pediu demissão alegando questões pessoais, ainda que a versão apresentada na denúncia seja outra.

"Internamente, o ano de 2017 foi marcado por uma série de denúncias de assédio moral contra as ações abusivas de Milena Bastos para com a equipe de analistas e assistentes do CBC. As denúncias foram realizadas ao RH, que facilmente abafou tudo e tempo depois demitiu algumas das funcionárias que relataram humilhações e constrangimentos", diz a denúncia, apresentada por um grupo de funcionários que não querem ter os nomes revelados.

Em fevereiro passado, Milena voltou ao CBC, agora como Gerente de Projetos, no posto que era de Gianna. Ou seja: é ela quem comanda a distribuição das verbas que chegam ao comitê para serem repassadas aos clubes a partir de projetos. Enquanto isso, Gianna, que desde 2015 cuidava da Gerência de Projetos, passou a trabalhar na função de Gerente de Planejamento e Governança, agora na sede do CBC em Campinas (SP).

Gianna ganha R$ 24 mil mensais, mais por exemplo do que o salário do presidente do COB, pagos com recursos federais, enquanto Milena recebe R$ 14 mil ao mês.

Legalidade

A denúncia apresentada à CGU, ao MPF e ao Ministério do Esporte argumenta que elas não poderiam trabalhar no CBC, uma vez que a condenação delas veda o "retorno ao serviço público federal" e que o CBC, por equiparação, é equivalente a órgão federal. A própria Lei de Improbidade Administrativa aponta neste sentido, quando explica a abrangência da lei:

"Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta (…) ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei." No caso do CBC, quase a totalidade das receitas do comitê vêm do poder público federal.

A CGU, porém, não entende assim. "Conforme inteligência do parágrafo único do art. 137 c/c art. 135 da Lei 8.112/1990, a exclusão dos quadros públicos gera impeditivo absoluto apenas à investidura em novo cargo público federal", alega a CGU, indicando ficar de mãos atadas.

Já o CBC se defende alegando ter liberdade para contratar quem quiser. "O Comitê Brasileiro de Clubes se constitui como associação civil de direito privado e, dentro deste contexto, se submete a regime jurídico diverso daquele aplicável à Administração Pública Direta ou Indireta, de modo que qualquer sanção eventualmente aplicada a quem quer que seja naquele âmbito não tem aplicabilidade", argumenta o comitê, dizendo que "não há base legal" para proibir as funcionárias de trabalharem no CBC.

O CBC ainda informou que não consultou a CGU sobre as contratações. Segundo o comitê, as contratações passam por "passam por rigorosos processos de seleção" e que as funcionárias foram contratadas tendo sido consideradas suas "notórias qualidades técnicas, largamente reconhecidas no mercado esportivo". "Cabe registrar que Gianna possui doutorado em sua área de proficiência esportiva, e Milena é formada em Direito e habilitada na OAB há mais 20 anos, com prática jurídica, consultorias e mais 13 anos de experiência na gestão de projetos esportivos", completa o comitê.

Procurado, o Ministério do Esporte não respondeu as perguntas enviadas pela reportagem. Já o MPF informou que recebeu a denúncia, mas que o remeterá ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (o equivalente do DF ao ministério público estadual).

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.