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Olhar Olímpico

CBAt muda presidente, mas aposta no continuísmo: 'Sem mudanças radicais'

Demétrio Vecchioli

26/03/2018 16h28

Warlindo Carneiro, novo presidente da CBAt

Sem conseguir explicar onde foram parar os R$ 555 mil pagos a uma agência de viagens para supostamente hospedar 370 atletas durante o Troféu Brasil de 2014, Toninho Fernandes renunciou à presidência da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). Foi substituído por Warlindo Carneiro, professor universitário que já foi secretário-executivo de Esporte da prefeitura de Recife (PE), cargo que hoje pertence a Yane Marques. Diferente do que aconteceu no Comitê Olímpico do Brasil (COB), porém, a mudança na presidência da CBAt não deverá impactar em mudança de rumos, como o próprio Warlindo assume. Os discurso é de continuísmo.

"Não existe mudança radical. Ninguém faz uma mudança de 180 graus, eu não vou fazer. As mudanças vão acontecer, mas têm que ser gradativas e estudadas, nada de supetão. Tem que estudar, ouvir os pares, porque é o que eu coloquei para eles, não vai ser uma gestão 'eu'. Vamos ouvir e vamos ver a necessidade de mudar", disse Warlindo aos jornalistas presentes à assembleia desta segunda-feira. Um dia antes, a portas fechadas, ele se comprometeu a não abafar as denúncias contra seu antecessor e colega de chapa nas últimas duas eleições.

Leia a denúncia que motivou a queda de Toninho Fernandes

Ainda que tivesse participado diretamente da gestão da CBAt nos últimos seis anos, Warlindo admite que há coisas a serem corrigidas. "Se você observa que tudo está errado, aí é um desastre. Mas a confederação sempre andou 70 ou 80% correta. Então vamos olhar a parte técnica, financeira, jurídica… Vamos estudar e, com a assembleia, fazer algumas mudanças."

A primeira dessas mudanças foi decidida pela assembleia extraordinária que aconteceu durante a tarde. Por sugestão do conselho de direção, formado por membros independentes, será contratada uma empresa de auditoria para verificar as contas dos últimos cinco anos da confederação, de 2014 a 2018, especialmente os convênios firmados pela CBAt com a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, a SELJ, que foram denunciados por este blog.

O Olhar Olímpico apurou que o conselho era contrário à renúncia de Toninho, uma vez que isso deixaria a impressão de culpa. Mas que o agora ex-presidente preferiu minimizar as denúncias e ignorar o movimento contrário a ele. Enquanto empurrava a necessidade de dar explicações, foi permitindo que a insatisfação de atletas e federações aumentasse.

Ao conselho, ele chegou a apresentar uma carta da Tomhara Turismo, responsável pela polêmica nota de R$ 555 mil, na qual a agência afirma que devolveu o dinheiro pago pela CBAt por hospedagens que nunca aconteceram. Mas esse dinheiro nunca voltou ao caixa da confederação. Além disso, ele alegou que usou a verba em outros serviços contratados para o Troféu Brasil, mas também passou longe de comprovar isso.

"Demorou, mas no final o atletismo ganhou. Nós vencemos. Corrigimos o erro, afastamos, mas agora temos que nos concentrar no futuro. Tivemos um desafio, superamos o desafio e agora a CBAt tem que continuar os programas que vão dar oportunidade para o atleta continuar fazendo o trabalho dele", comentou Joaquim Cruz.

Ele e Warlindo concordam que a confederação demorou demais para dar explicações, o que permitiu que, pelas palavras do campeão olímpico, o atletismo brasileiro "sangrasse". "Aquilo estava sangrando a modalidade. E isso deixava a gente agoniado. Demorou muito a ser resolvido, quem estava no poder não assumiu a responsabilidade, deveria ter assumido e não quis responder para a comunidade. Mas a gente tem que tirar as coisas positivas disso tudo", avalia Joaquim, reforçando que a crise serve de lição para que novos erros não sejam cometidos.

"O atletismo é a vitrine dos Jogos Olímpicos, é cobrado em ganhar uma medalha e isso faz parte. Isso representa a grandeza. Ficaria triste se não estivéssemos na vitrine. A gente fica na vitrine por situações positivas e negativas. Vamos melhorar a comunicação com vocês", prometeu Warlindo, garantindo que não se furtará de corrigir outros erros da confederação. "A mudança vai acontecer onde tivemos problemas. Vamos identificar onde tivemos problemas, por que aconteceram. No momento que identificarmos a causa, vamos ter mudança. Quero ver se até o final do semestre eu já tenho tudo identificado."

Entenda a renúncia

Em dezembro, o Olhar Olímpico mostrou indícios de fraudes em quatro convênios firmados pela CBAt com a SELJ. Nos documentos, acessados graças à Lei de Acesso à Informação, foi possível identificar contratações com indício de superfaturamento e notas frias. A principal delas, a contratação de serviço de hospedagem para 370 atletas, listados nominalmente, que nunca ficaram hospedados. Mas havia outras denúncias, como a compra de troféus para um torneio que não distribuiu troféus.

Antes da publicação da reportagem, a CBAt culpou clubes e treinadores por alterarem a lista de atletas. E isso incomodou ainda mais os esportistas, os técnicos e as federações. Afinal, nunca houve tal lista e todos ali eram vítimas, não partícipes da suposta fraude. Depois, a CBAt passou a se apegar no fato de que as contas dos convênios haviam sido aprovadas.

Toninho chegou a receber um grupo de atletas, representantes dos Heróis Olímpicos (medalhistas que têm cadeira na assembleia da confederação), mas deu explicações vagas. À medida que a pressão crescia, a CBAt foi adiando as respostas, prometendo responder tudo na assembleia que ocorreria no fim de março – a data limite para a assembleia anual é 30 de março.

No fim de semana passada, a CBAt chegou a enviar aos membros da assembleia uma nota oficial, datada desta segunda, na qual Toninho reconheceu que não houve hospedagem, mas afirmando que usou o dinheiro em outros itens do Troféu Brasil. Mas o convênio era de R$ 1,5 milhão para um evento que, este ano, nos mesmos moldes, vai custar R$ 150 mil, apenas.

Ao mesmo tempo, ele argumentava que poderia tirar licença médica. Na sexta, saiu de férias, ainda que em janeiro tenha tido 20 dias de recesso junto com toda a confederação. Federações e atletas notaram que Toninho tentava ganhar tempo e o pressionou no sábado e no domingo. Sem documentos para se defender, o presidente não teve outra saída senão renunciar.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.