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Olhar Olímpico

CBF avança em governança, mas transparência não está nos planos

Demétrio Vecchioli

21/03/2018 04h00

Envolvida em escândalos internacionais de corrupção e com um presidente afastado negociando a portas fechadas para que seu substituto seja aclamado sem oposição, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) vem apresentando grandes avanços em termos de governança, segundo avaliação da consultoria Ernst & Young. Seu Programa de Governança, Risco e Conformidade (GRC), porém não inclui medidas relevantes de transparência.

Isso significa, por exemplo, que a CBF assumiu o compromisso de seguir padrões de governança quando realiza contratações, incluindo a exigência de que três dirigentes autorizem qualquer compra, de forma a impedir fraudes. Só que, diferentemente do que acontece com a maior parte das grandes confederações olímpicas, que abrem pregões eletrônicos e disponibilizam licitações de compras em seus sites, a CBF não irá expor esses dados a ninguém.

"Apesar de não haver uma exigência de publicação das concorrências, das empresas contratadas, hoje temos uma estrutura muita rígida com relação à conformidade da empresa, o que é atestado por um acompanhamento de uma auditoria. A gente não pode divulgar toda e qualquer informação que nós temos. Internamente a gente cuida para que esses processos sejam tocados de forma isenta", explica André Megale, diretor de governança e conformidade da CBF.

Segundo ele, o processo foi iniciado em 2015, quando a EY foi contratada para apresentar o que o mercado conhece como GRC. "Ela elencou 52 projetos que deveriam ser conduzidos pela CBF para que se atingisse um nível de governança corporativa mais maduro, mais moderno. Um desses projetos era a criação de uma posição estatutária, com uma diretoria de governança. Essa diretoria faz a condução desses projetos e a manutenção da CBF em um ambiente de conformidade com as normas públicas e normativas internas, dentro de uma filosofia de ética e transparência", continua Megale. "Nós nos comprometemos a fazer isso em prol de um dever de guarda, de zelo pelo recurso da CBF."

Uma vez que abre mão de receber recursos das loterias federais, da Lei Agnelo/Piva, dentro da legislação esportiva a CBF precisa apenas cumprir o que manda a Lei Pelé. Isso significa pouca coisa, como por exemplo publicar anualmente seu balanço financeiro, o que ela faz há algum tempo. Quem entra no site da confederação não encontra sequer seu estatuto.

De acordo com Megale, mesmo os clubes e federações que compõem a assembleia da CBF não têm acesso a detalhes das movimentações financeiras e das compras efetuadas pela confederação, exceto se for realizado questionamento durante a assembleia na qual as contas são aprovadas. "Se formos perguntados, claro que a gente está lá para explicar eventuais dúvidas", diz.

De acordo com EY, a confederação está com o GRC num estágio de implementação de 83%. Graças a ele, conseguiu, por exemplo, o certificado ISO 9001, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).  Megale ainda lembra que no ano passado a CBF criou seu Comitê de Ética, responsável por apurar condutas antiéticas dentro das normais internas  – há um serviço de denúncias, que pode ser acessado pela internet.

Pacto pelo Esporte

Até agora, a CBF ainda não decidiu se vai aderir ao Pacto pelo Esporte, movimento que inclui a ONG Atletas pelo Brasil, o Instituto Ethos e diversos patrocinadores de peso, que se comprometeram em só patrocinar entidades que cumpram determinadas normas de governança e transparência. Entre as empresas que assumiram o compromisso estão quatro patrocinadores da CBF: Vivo, GOL, Mastercard e Itaú.

No fim do mês passado, Megale esteve presente no evento do lançamento do rating Integra, o modelo de avaliação que dirá que confederações se encaixam nas diretrizes exigidas e quais não. A participação é voluntária, mas o risco é de perder patrocinadores.

"A gente incentiva tanto essa quanto qualquer outra iniciativa que vise democratizar, dar transparência para organizações esportivas e tal. Com relação ao rating, ele tem 400 questões, a gente está avaliando. Só posso dizer se vamos entrar ou não quando entendermos quais são os critérios", adianta Megale.

A maioria dos patrocinadores não demonstra muito interesse, não publicamente. Nike e Ambev, duas das cinco patrocinadoras máster da entidade, sequer entraram no Pacto – assim como a Caixa Econômica Federal -, e são as duas ausências mais sentidas e criticadas.

No começo do mês, a CBF apresentou um relatório de suas medidas de governança aos patrocinadores. Inicialmente, só o Itaú aceitou falar publicamente a respeito. Ao blog, o banco se disse "satisfeito com o que foi apresentado" e informou que "vai acompanhar de perto a implementação do Projeto de Governança, Riscos e Conformidades" da CBF. "Este é um tema vital para o Itaú Unibanco, que entende que ética e transparência são alicerces fundamentais no futebol e em qualquer outra relação", continuou o banco, que tem contrato com a CBF até 2022. Pelo acordado no Pacto, o compromisso de só patrocinar entidades aprovadas pelo rating só vale em contratos novos.

A GOL inicialmente informou que não participaria da reportagem. Depois de a matéria ser publicada, a empresa aérea se pronunciou por meio de nota, sem tecer comentários sobre os avanços da CBF. Disse que "preza por processos éticos e transparentes em todos os projetos nos quais está envolvida" e que "desde o início do GRC vem acompanhando o processo de governança e segue apoiando as iniciativas que conduzem às melhores práticas".

Já a Vivo, questionada sobre o que foi discutido com a confederação, informou que não queria se pronunciar.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.