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Jogar torneio amistoso seria 'risco desnecessário' para seleção, diz Vadão

Demétrio Vecchioli

07/03/2018 04h00

(Divulgação/CBF)

A seleção brasileira feminina de futebol é a única, entre as 18 melhores do ranking da Fifa, que não está aproveitando as datas-Fifa entre o final de fevereiro e este início de março para disputar torneios amistosos. Inglaterra, França, Alemanha e EUA se enfrentam na SheBelieves Cup, nos EUA. Doze times estão no Chipre, enquanto outras dúzia de equipes da elite joga a tradicional Algarve Cup, em Portugal. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi convidada para este último torneio, o qual disputou em 2015 e 2016, mas o técnico Vadão solicitou a recusa. Preferiu manter o time treinando na Granja Comaray, em Teresópolis (RJ). Assim, o Brasil vai disputar a Copa América, precisando do título para se garantir na Olimpíada de Tóquio-2020, sem ter feito nenhum jogo preparatório no ano. O torneio ainda classifica campeão e vice para o Mundial de 2019.

"Hoje, das atletas que fazem parte do nosso elenco, 25 estão fora do país. Aí, a Cristiane e a Rafa, que jogam na China, começaram agora a pré-temporada. O mesmo na Coreia do Sul. Já as jogadoras que estão na Europa estão em meio de temporada para o final, jogando direto. Algarve é um torneio que você joga de dois em dois dias, faz amistosos fortes. Se a gente fosse, a gente ia colocar em risco desnecessário um grupo totalmente heterogêneo", alegou Vadão, em entrevista por telefone ao Olhar Olímpico.

Manter o elenco treinando na Granja Comary até esta quarta-feira é, segundo ele, uma forma de diminuir o risco de chegar ao Chile para a disputa da Copa América com desfalques. "O tempo era muito curto. Se tiver lesão a gente está morto. Já temos a Ludmila e Bruna Benite lesionadas, por exemplo. A Fabiana Baiana está em começo de recuperação. A gente poderia correr um risco desnecessário de perder mais gente."

Relembre: Crise na seleção feminina põe Emily na berlinda; atletas pedem permanência

O próprio treinador admite que a preparação não é a ideal, mas argumenta que precisou fazer uma escolha. "Eu prefiro que seja insuficiente, mas que eu não chegue lá com sete, oito jogadoras com lesão. Se eu estivesse em condições normais, eu estaria fazendo jogo-treino com equipes masculinas, mas não estou", avalia. Caso o grupo se reapresente bem fisicamente no dia 21, aí sim um jogo-treino contra uma equipe masculina sub-17 pode ser realizada.

Com a volta de Vadão, que substituiu a técnica Emily Lima em setembro, em duas decisões da CBF que geraram bastante polêmica, também foi retomado o modelo de "seleção permanente". Uma vez que os clubes do país ainda não estão jogando (apesar de o Campeonato Brasileiro ter acabado em novembro), o treinador solicitou que os clubes liberassem algumas atletas para treinarem na Granja Comary a partir de 11 de janeiro. Em sua maioria, são jogadoras que Vadão quer que conheçam seu modelo de jogo, para o caso de uma necessidade.

É que a base da equipe está quase toda ela fora do país, seja nos EUA, na Europa, na China ou na Coreia. Base esta que passou a última semana e meia na Granja Comary, treinando sob o comando do Vadão. Entre elas, duas velhas novidades: Formiga e Cristiane.

Formiga anunciou que deixaria de jogar pela seleção no fim de 2016, mas foi mais uma vez convocada por Vadão. O treinador explica que, no entender dele, a equipe ainda não tem uma substituta à altura para a volante."Fizemos ela entender que nesse momento de transição, ela ainda poderia nos ajudar dentro do campo. Mostramos que tivemos muita dificuldade na posição dela para repor e ela entendeu que ela poderia colaborar", comentou Vadão, ressaltando que apesar dos 40 anos ela continua em plena atividade no PSG.

 

Outra que treinou até segunda-feira foi Cristiane. A atacante, que hoje atua na China, não foi oficialmente convocada, mas aceitou vir ao Brasil treinar com o grupo. Em setembro, após a demissão de Emily, ela avisou que não defenderia mais a seleção. Mas, com boa relação com Vadão, ela estaria considerando voltar atrás da decisão.

"Quando eu assumi, ela me mandou uma mensagem que a saída dela não tinha nada a ver com minha chegada e disse que gostaria de conversar pessoalmente. Tivemos uma conversa em dezembro, ela foi para Campinas (onde Vadão mora) e a gente almoçou, conversou pessoalmente, e eu falei para ela repensar. Agora, ela veio, treinou, e ficou de responder. Acha que a gente vai poder contar com ela, tanto que vamos mandar toda a documentação pedindo a liberação dela para o clube", explicou.

Portas abertas

Vadão faz questão de afirmar que, exceto Formiga, que se "aposentou" da seleção pela idade, não pretende procurar nenhum das jogadoras que, entre setembro e outubro, após a demissão de Emily, avisaram que não jogariam mais pelo Brasil. Aceitou Cristiane, com quem tem bom relacionamento, e aceitaria qualquer outra que se encaixe no que ele quer tecnicamente para a equipe. Mas que não vai atrás de ninguém.

"Eu gostaria que todas estivessem à disposição. Eu vejo muita gente nas redes sociais, que: 'É, mas a Cristiane voltou, a Formiga voltou, por que as outras não?'. Uma coisa é as portas estarem abertas, outra é a convocação técnica. Eu vou convocar que aquela que eu entender que tecnicamente vai ajudar a seleção. As portas estão abertas para todas", garante.

O treinador também lembra que, das jogadoras que participaram do boicote, só Maurine fazia parte da base que atuou com ele entre 2014 e 2016.  "As outras que falaram que não iam jogar mais a gente não usou tanto na minha primeira passagem. A Emily usou elas mais, tirando a Maurine, que eu usei bastante. Elas tomaram uma atitude por conta. Mesmo assim eu nunca falei que estava certo ou que estava errado."

Confiança no trabalho

Vadão diz usar as redes sociais apenas para buscar uma informação ou outra, mas reconhece que sua volta à seleção feminina depois de um frustrante quarto lugar na Rio-2016 não foi exatamente comemorada pela maioria dos torcedores, ainda mais em meio a um movimento de empoderamento das mulheres no futebol feminino. Mas o treinador se diz calejado com as críticas e garante que está "completamente à vontade" no cargo.

"As criticas pela minha volta fazem parte. O presidente confia no meu trabalho. É um direito que as pessoas têm de ter opinião. Faz parte da minha vida. Já passei isso 200 vezes na minha vida, na seleção só tem repercussão maior. Quem atende de futebol sabe o que o Brasil jogou na Olimpíada, o que apresentou, a forma que jogou, que é a forma moderna", defende. "A gente jogou um futebol de altíssimo nível. Não ganhei sexto melhor treinador do mundo de graça. Mesmo sem medalha fiquei entre os 10 indicados pela Fifa e depois em sexto colocado do mundo. O mundo, muitas pessoas do mundo, reconheceram o trabalho da seleção brasileira."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.