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Olhar Olímpico

Zanetti admite momentos de raiva da ginástica e dificuldades com derrotas

Demétrio Vecchioli

05/03/2018 04h00

(Ricardo Bufolin/CBG)

São 20 anos com os pés no ar, pendurado em uma argola em cada mão toda manhã e toda tarde, faça chuva ou faça sol em São Caetano do Sul (SP). "A ginástica é minha vida", admite Arthur Zanetti, mas essa vida, às vezes, enche o saco. Cada vez tem sido mais constante na cabeça do melhor ginasta brasileiro da história a vontade de largar tudo e seguir outra vida. Afinal, os desafios traçados para a carreira já foram todos alcançados. Que venham outros, então, daqui até o fim dessa trajetória, após os Jogos de Tóquio.

"Tem hora que bate uma raiva, principalmente nos momentos de dificuldade, chatos. Você fala: 'Quer saber? Já tenho uma medalha olímpica, já conseguiu tudo o que eu queria, já fui campeão mundial'. Todos os campeonatos possíveis eu consegui o ouro. Penso: 'O que eu estou fazendo aqui? Quer saber, vou parar com isso'. De cabeça quente você sempre pensa besteira, mas vai para casa, dá relaxada, vê que não é bem assim. Momentos difíceis a gente vai enfrentar várias vezes e isso tem que servir de motivação para voltar para o ginásio no dia seguinte", avalia Zanetti.

Esses momentos difíceis, ele admite, têm sido mais constantes do que nunca. Depois de subir ao pódio seguidamente em três Mundiais e duas Olimpíadas, Zanetti ficou num modesto sétimo lugar no Mundial passado. Em 2015, quando a competição serviu de seletiva olímpica (e o foco era levar a equipe do Brasil à Rio-2016), ele não chegou à final da argola.

"A gente vinha de vários resultados bons e do nada tem uma queda. Conversei com o Marcos (Goto) e falei 'Que está acontecendo?'. Ele respondeu: 'Você não está 100%, vem de cirurgia. Seu corpo está começando a demonstrar seus 20 anos de trabalho que a gente vem fazendo'. Então a gente vai querer dar o melhor resultado, mas vai ter competições que a gente não vai subir no pódio também. Ele está me mostrando que isso acontece, mas no alto nível você quer o melhor resultado sempre", admite Zanetti.

Saber lidar com as derrotas, aliás, têm sido uma dificuldade para o ginasta que sempre foi o melhor brasileiro das argolas, seja na base ou no adulto, e que já em seu primeiro Campeonato Mundial foi quarto collcado, chegando à prata em sua segunda participação. Não foi só o torcedor que se acostumou a esperar Zanetti no pódio em toda e qualquer competição que ele disputasse. Ele também pensava assim e, agora, com duas cirurgias no ombro, está tendo que aprender a engolir alguns resultados ruins.

"Ainda não me acostumei. Perder é muto ruim, é muito chato. Você vem de vitória, vitória, vitória e do nada tem uma derrota. A gente não tá acostumado, tem que aprender a lidar com a derrota. E saber avaliar ela, saber utilizar ela como motivação, ver o que você errou para você não cometer erros nas próximas competições."

Zanetti tenta explicar o tamanho de um impacto que tem, para ele, um resultado como o sétimo lugar no Mundial do ano passado. "A cirurgia no ombro foi fichinha perto da dor de ficar fora de um pódio", explica. E, naquela competição, o brasileiro já se apresentou sabendo que não tinha qualquer possibilidade de disputar uma medalha. "Foi bem ruim, fiquei bem chateado, bem bravo mesmo, mas soube relevar e analisar as situações para começar 2018 diferente."

O começo do fim

De qualquer forma, Zanetti só terá que lidar com algumas poucas derrotas daqui até o fim da carreira. Vitórias também. É que a trajetória dele na ginástica está perto de acabar. O campeão olímpico de 2012, prata na Rio-2016, vai disputar só mais três temporadas: 2018, 2019 e 2020. São só pouco mais de dois anos até os Jogos de Tóquio e a aposentadoria.

"Isso (a aposentadoria) foi decidido mais ou menso pouco antes de 2016. A gente tinha uma dúvida. Em 2016 a gente viu que ainda era novo, podia contribuir mais para a ginastica. Pensava talvez ir até 2024, mas a gente viu que é bem pesado. O corpo está sentindo muito. Depois da segunda cirurgia o corpo sente. Depois de 2016 a gente decidiu que 2020 seria o último ciclo", conta.

Uma mudança nas regras de classificação para os Jogos Olímpicos, porém, pode alterar a preparação até Tóquio. É que o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Federação Internacional de Ginástica (FIG) criaram vagas olímpicas para os "especialistas", atletas que se destacam em determinados aparelhos. No ciclo passado, Zanetti não apenas treinou para as argolas, mas também se preparou para ajudar a equipe no solo e no salto.

"Por enquanto a gente está trabalhando para as duas possibilidades, mas aí quem vai decidir isso é a comissão técnica.", explica Zanetti, que, de qualquer forma, espera enfim poder diminuir a sua altíssima carga de treinos diários nas argolas. "É todo dia argola de manhã e de tarde. Essa carga no aparelho se manteve e talvez esse ano, mais no segundo semestre, a gente consiga dar uma diminuída. A parte técnica a gente já tem, só precisamos mais da parte física", avalia.

A abertura da temporada, para ele, será em meados deste mês, na DTB Pokal, uma competição por equipes em Stuttgart, na Alemanha. Por enquanto, Zanetti não traça planos em termos de resultados, nem avalia se, em 2018, terá condições de voltar a brigar de igual para igual com o grego Eleftherios Petrounias. Importante é estar melhor que o rival em 2020. "A gente perdeu do (Chen) Yibing  praticamente um ciclo todo para Londres e só foi ganhar dele na Olimpíada, que é o que importa. Se eu perder todas a ganhar na Olimpíada, é o que importa."

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.