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Olhar Olímpico

Caratê perde apoio estatal após entrar na Olimpíada e ter melhor do mundo

Demétrio Vecchioli

28/02/2018 04h00

Não é de hoje que o Brasil é uma potência no caratê. Só Douglas Brose tem quatro medalhas em Mundiais e dez títulos pan-americanos. Assim, não era difícil de imaginar que, com o caratê incluído no programa olímpico, o poder público crescesse os olhos sobre a possibilidade de novas medalhas. Ninguém poderia imaginar que o governo federal fosse fazer o caminho contrário e tirar o mínimo apoio que já dava.

Só quando leu reportagem publicada pelo Olhar Olímpico na última sexta-feira é que Brose ficou sabendo que não terá mais direito à Bolsa Atleta que recebeu regularmente desde 2010. Líder do ranking mundial da categoria até 60kg, nem ele nem a Confederação Brasileira de Karatê (CBK) foram comunicados pelo governo federal que o edital que todo ano contempla atletas de modalidades "não-olímpicas" desta vez não será lançado.

"Como sei que sempre atraso, achei que fosse normal, que fosse atrasar um pouco. A gente sempre trabalhava sem saber quando ia receber, mas sabia que uma hora recebia. Se endividava, pegava emprestado, mas sabia que ia pagar. Só quando vi a matéria é que fiquei sabendo que não ia ter mais o benefício. Não acredito que vão fazer isso logo agora, a dois anos dos Jogos Olímpicos. O caratê acaba de ser contemplado com entrar nos Jogos de 2020. Acontecer isso é muito triste para a modalidade", diz Brose.

Apegando-se ao fato de que o caratê não foi modalidade olímpica em 2016, o governo federal não incluiu o esporte no edital dos esportes "olímpicos". Por isso, os tantos brasileiros medalhistas nacionais, sul-americanos, pan-americanos e mundiais de 2016 não terão acesso à bolsa referente a 2017. Isso significa ficar um ano sem um benefício que, para atletas com Brose, é de R$ 1.850,00.

"A ideia era que a gente conseguisse melhorar com o caratê na Olimpíada, pudesse pleitear Bolsa Pódio, não que as condições fossem piorar. Eu dou meu jeito, consigo me virar. Mas muitos atletas vão sofrer muito pela falta desse benefício", reclama.

"Como não é uma modalidade que tem dinheiro, a gente usava esse valor para viajar. São 10, 15 viagens por ano no calendário e só uma outra vez a gente que consegue um apoio para viagem. Sem esse dinheiro, não faço ideia de como vai ser. Vai ter que achar outros meios, correr atrás de outras cosias. Era um dinheiro importante para a gente", conta o carateca.

Assim como o judô, por exemplo, o caratê tem um Circuito Mundial bem organizado, com 11 etapas, sendo sete de "premier league", mais importantes na definição do ranking mundial. A premiação, porém, é "simbólica", segundo Brose: apenas 750 euros para o campeão, 500 para o vice. Não paga nem a viagem.

Inicialmente, o caratê não contaria com grande apoio do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que admitiu a CBK entre suas afiliadas, mas aceitou repassar em 2018 apenas R$ 720 mil pela Lei Agnelo/Piva, valor que não chega à metade do que ganham os esportes de gelo e a 1/3 do recebido pelo hóquei sobre a grama.

Em contato com o Olhar Olímpico, porém, o o comitê revelou que já solicitou um estudo à CBK para viabilizar uma forma de apoiar os atletas que perderam o apoio do Ministério do Esporte, "dentro do orçamento e objetivos da entidade".

Em nota, o COB garantiu também que vai oferecer a " melhor preparação possível para Tóquio-2020″, revelando que se reuniu com a CBK na semana passada. "Ficou definido que o COB arcará com os custos para a participação dos principais caratecas brasileiros em participações internacionais, que incluem Circuito Mundial, Campeonato Mundial, Campeonato Pan-Americano e Campeonato Sul-Americano, através de recursos da Lei Agnelo/Piva, sejam eles diretos ou pela verba extraordinária", prometeu o COB.

"Além do repasse ordinário já estipulado (cerca de R$ 720 mil por ano para confederação nova), existe uma verba extra de cerca de R$ 3,5 milhões destinada especialmente para projetos especificamente voltados para a preparação esportiva de atletas. Além da CBK, as Confederações Brasileiras de Beisebol e Softbol e de Skate já apresentaram seus projetos e para que o COB avalie a melhor utilização destes recursos extras nas ações esportivas", continuou o COB.

Já o Ministério do Esporte segue sem responder sobre os motivos de não ter aberto o edital das modalidades "não-olímpicas" – a alegação extraoficial é que não houve tempo hábil, uma vez que a lista de contemplados do primeiro edital só saiu no fim do dia 29 de dezembro, último dia útil do ano passado. Ela deveria ter sido publicada até o começo de novembro.

Mas, procurada pelo Olhar Olímpico, dessa vez a assessoria de imprensa do Ministério informou que os atletas de "todas as modalidades olímpicas e paraolímpicas" poderão concorrer ao Bolsa Atleta em 2018, inclusive na categoria Bolsa Pódio. Não há previsão de abertura de edital – vale ressaltar que a lista do ano anterior saiu em 29 de dezembro. E destacou que, entre 2010 e 2017, o programa pagou R$ 27,5 milhões em bolsas para atletas de caratê e beisebol, outra modalidade prejudicada.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.