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Olhar Olímpico

Com um ano de treino, brasileiro vira o melhor do mundo no salto triplo

Demétrio Vecchioli

12/02/2018 04h00

(Jean-Pierre Durand/IAAF)

Quando aceitou ganhar uns trocados para competir por Mogi das Cruzes nos Jogos Abertos do Interior de 2016, Almir Junior, um mato-grossense radicado em Porto Alegre, não sabia que estava começando a mudar sua vida e, quem sabe, a reescrever um capítulo importante do atletismo brasileiro. Saltador em altura, ele topou competir também nos saltos em distância e triplo, para marcar pontos para a cidade. Ali, em setembro de 2016, começava a história do novo líder do ranking mundial indoor do salto triplo, desconhecido favorito do Campeonato Mundial do mês que vem.

Almir, que hoje tem 24 anos, sempre foi um saltador em altura. Quer dizer, desde que participou de uma competição escolar no interior do Mato Grosso, saiu-se bem, e resolveu priorizar o atletismo em detrimento ao futebol, sua maior paixão. Um ano depois, aos 15, estava na Sogipa, o clube gaúcho famoso por formar alguns dos melhores judocas do país – João Derly e Mayra Aguiar, por exemplo, são crias da casa.

O começo da carreira, em 2009, foi promissor e Almir chegou a disputar um Mundial Juvenil no salto em altura. Em 2012, porém, veio a primeira lesão, que atrapalhou suas temporadas de 2013, 2014 e 2015. Em 2016, o recomeço, mas nada que impressionasse: 2,16m como melhor salto do ano e o sexto lugar no ranking nacional. Até que vieram os benditos Joguinhos.

"Foi a segunda ou terceira vez que competi por Mogi das Cruzes. Para somar pontos, eu faço o altura, o triplo e o distância. Mas, assim, só para saltar e pontuar mesmo, sem treinar. Ganhei no distância e fui segundo no triplo, perdi só para o Jean (Casemiro, líder do ranking nacional naquele ano)", conta Almir. Novamente, nada que impressionasse. Com 15,90m, ele seria só décimo do ranking nacional.

Mesmo assim, Almir arriscou. "Aí surgiu a dúvida. Sentei com meu treinador, a gente decidiu mudar. Iniciaria um novo ciclo olímpico e a gente optou por tentar e focar no triplo. Por isso que eu surgi agora. Tenho um ano de treino no triplo, só", explica.

Uma lesão no meio do ano o tirou do Troféu Brasil, mas, em dezembro, Almir começou a mostrar a que veio. Em dezembro, já com a temporada encerrada, saltou 16,92m em uma competição local. Aí sim, um resultado impressionante: o melhor de um brasileiro no salto triplo desde maio de 2014.

A partir daí, as coisas foram acontecendo. Colega de treinos de Almir na Sogipa, Samory Uiki está estudando nos Estados Unidos e conseguiu vaga para Almir competir em Ohio, no fim do mês pasado. Almir aproveitou a chance e não decepcionou. Ganhou com 17,06m, assumiu a liderança do ranking mundial e saltou pela primeira vez na casa de 17 metros, exatamente na primeira vez que competiu em ginásio coberto.

"Como eu era o único a saltar acima de 17 metros no ano, minha manager conseguiu que eu viesse competir em Madri", conta Almir, que na quinta-feira fez sua primeira grande competição internacional, na etapa espanhola do Circuito Mundial Indoor, contra os melhores do mundo.

"Eu sou um desconhecido que surgiu do nada. Então, eu não era preocupação para ninguém. Saltei uma vez 17 metros. Muitas pessoas saltam uma vez e nunca mais. Até ontem eu era só um cara que acertou um salto na vida", lembra Almir. Mas isso é coisa do passado, de quinta-feira à tarde.

Em Madri estavam o português Nelson Evora (campeão olímpico em 2008 e vice-campeão mundial no ano passado), o cubano Pedro Pablo Pichardo (duas vezes vice-campeão mundial e dono da terceira melhor marca da história) e o cubano naturalizado azeri Alexis Copelo (quinto no Mundial do ano passado). Todos perderam para Almir, que manteve a liderança do ranking mundial saltando duas vezes acima de 17 metros, a melhor delas em 17,35m, resultado que lhe daria o título mundial de 2016 e a prata em 2014. E não foi uma prova fraca: Evora, por exemplo, fez o melhor resultado da vida em ambiente indoor.

De um completo desconhecido (Almir sabe disso e não tem vergonha de se assumir assim), o brasileiro agora é o líder do ranking mundial e vencedor da primeira grande competição do ano. Classificado para o Mundial Indoor de Birmingham (Inglaterra), que começa em 1º de março, Almir passa a ter que lidar com o outro lado da moeda: ele é o cara a ser batido, o melhor do mundo.

"Eu ainda não cheguei a pensar nisso. É como em Madri. Cheguei contra os melhores do mundo e só queria fazer minha parte.  Cheguei aqui sem peso nenhum, e dessa forma que eu tenho que chegar no Mundial.  Preciso trabalhar mais forte ainda e estar melhor preparado para render mais. Não vejo como pressão, mas sim como incentivo a trabalhar mais, estar mais focado. Mas ainda não sou ninguém", diz, humilde, o garoto que deixou Peixoto de Azevedo, no interior do Mato Grosso, abraçado à primeira oportunidade que surgiu. Agora, ele não quer largar ela nunca mais.

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Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.