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Olhar Olímpico

Estrutura e crise na CBDA motivaram Ana Marcela a trocar Brasil pela África

Demétrio Vecchioli

24/01/2018 04h00

Ana Marcela Cunha na África do Sul

Forte candidata a ser escolhida como a melhor atleta olímpica do Brasil no ano passado, Ana Marcela Cunha resolveu deixar o país para morar e treinar fora. Diferente de outros grandes nomes do esporte brasileiro, que seguiram para a Europa ou Estados Unidos, a maratonista aquática aceitou um convite insólito: ficar até o fim de 2020 na África do Sul. No começo do ano, ela seguiu de mala e cuia para sua nova casa, buscando uma estrutura melhor e deixando para trás a insegurança de uma crise na Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA).

"A pior coisa é a gente não saber o que pode acontecer no dia de amanhã. A gente está esperando eleição da CBDA e fica se perguntando: será que vai poder competir pelo Brasil? Isso pode acontecer, pode chegar na próxima competição e ter que competir pela Fina. Imagina, a melhor atleta do país não poder nadar pelo Brasil não porque não quer, mas por causa da confederação? Nosso esporte está um pouquinho distante de estar na tranquilidade", lamenta Ana Marcela.

A confusão começou ano passado e envolveu inclusive a nadadora, chamada de última hora, pelo próprio Coaracy Nunes, então presidente da CBDA, para fazer parte da comissão de atletas. A Justiça entendeu que cabia aos atletas escolher seus representantes, não a direção da CBDA, e adiou a eleição marcada para o começo do ano. Novas interferências da Justiça e um racha político foram ampliando a crise e, hoje, a CBDA está proibida pela Justiça de realizar novas eleições ao mesmo tempo em que a Federação Internacional ameaça suspender o Brasil se o pleito não for realizado.

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Em meio a tudo isso, Ana Marcela resolveu ir embora. Deixar o país nunca foi uma prioridade, ainda mais depois que ela voltou a trabalhar com o técnico Fernando Possenti, com quem tem uma sintonia fina. Depois que a dupla foi refeita, Ana faturou três medalhas no Mundial deste ano, sendo uma de ouro.

O convite feito no ano passado por uma entidade sul-africana, porém, se mostrou irresistível. "Foram quase três meses para acertar tudo e ir para lá. A estrutura tem uma piscina de 50 (metros), mais duas de 25, e dois boxes de crossfit onde a gente faz a parte física. Temos um preparador físico e um fisioterapeuta só para a gente. Temos muita tranquilidade", conta. Além dela, fazem parte do programa um nadador sul-africano que só agora disputa suas primeiras provas e uma alemã que esteve no Mundial passado.

A entidade que a convidou e que paga todos os seus custos, a Acqua Azzurra, quer usar a imagem de Ana Marcela para promover a maratona aquática e estimular que jovens sul-africanos iniciem na natação em águas abertas, em um país com amplo litoral. "Eles pagam tudo e isso nos permite inclusive já montar nosso calendário sem ficar esperando a CBDA, que a gente não sabe se vai ter dinheiro para nos levar para competir. Passagem, hospedagem, tudo que preciso é por conta deles", explica Ana Marcela, que chegou no fim de semana para passar 10 dias no Brasil – tudo por conta dos sul-africanos.

A preocupação de Ana Marcela é parecida com as razões apresentadas por Poliana Okimoto no fim do ano passado quando ela anunciou sua aposentadoria. A queda no investimento no esporte de alto rendimento fez sua equipe interdisciplinar ser cortada e reduziu sua estrutura. Ana Marcela nem quis arriscar e, ao aceitar o convite para ir à África do Sul, garantiu que terá tudo que precisar para ganhar uma medalha olímpica em 2020.

"Logico que eu preferiria poder ficar no Brasil, mas essa soma de fatores me fez optar por ir à África do Sul atrás de um melhor resultado, uma medalha olímpica. Eu sinto que estou saindo por um bom motivo. Não é o que eu queria 100%, mas é o caminho que a gente melhor pode enxergar."

Morando na África do Sul, Ana Marcela deve voltar ao Brasil só em ocasiões pontuais. A próxima, para disputar o Troféu Maria Lenk, uma vez que continua vinculada à Unisanta. Mas ela não vai mais participar de etapas do Campeonato Brasileiro. A baiana minimiza o impacto da ausência dela e de Poliana para "puxar" a nova geração.

"Quando era mais nova também não tive outras referências e mesmo assim a gente (Poliana e ela) foi subindo de nível, melhorando, ganhando Copa do Mundo, ganhando Mundial. A nova geração tem que acreditar como a Vivi (Jungblut) acreditou até hoje, nadando bem na Copa do Mundo, no Mundial. De qualquer forma, quando a idade chega, a gente tem que escolher que provas fazer, então minha ausência já vai virando natural", argumenta.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.