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Olhar Olímpico

'Menino da São Remo', ele foi flanelinha na USP e agora disputará Olimpíada

Demétrio Vecchioli

23/01/2018 04h00

Quem estudou ou frequentou a Cidade Universitária da USP, na zona Oeste de São Paulo, sabe o tamanho da discriminação contra os chamados "meninos da São Remo", os garotos que moram na favela ao lado do maior centro universitário do país e que aproveitam como podem os diversos tipos de oportunidades oferecidas no campus. Victor Santos poderia ser só mais um deles. Cresceu ali junto de sete irmãos, fez bicos como flanelinha e entregador de água e ainda convive diariamente com o preconceito. Em busca de "diversão", porém, conheceu um novo esporte quatro anos atrás e, agora, está prestes a disputar sua primeira Olimpíada.

Victor é o resultado do sucesso do projeto social Ski na Rua, idealizado pelo atleta olímpico de cross country Leandro Ribela e pelo treinador esportivo Alexandre Oliveira. O projeto teve início em 2012, dois anos depois de Ribela representar o Brasil em Vancouver-2010. Em 2014, sua participação na Olimpíada de Sochi deu visibilidade ao projeto e, de atleta, Ribela virou exclusivamente professor.

Victor, então com 17 anos, não tinha ideia do que era esqui até se juntar ao projeto para se divertir. "Meu irmão e uns amigos já faziam e me convidaram. Disseram que era legal, que dava para se divertir, e eu fui", lembra. A ideia era tão divertida que Victor até assistiu pela tevê a competição de seu treinador em Sochi – foi seu primeiro e único contato com uma Olimpíada de Inverno antes de disputar uma, no dia 16 de fevereiro, na Coreia do Sul.

No Ski na Rua, os treinos acontecem nas ruas da Cidade Universitária. O esqui cross country é uma prova de corrida de resistência na neve e é usual que, no verão (do hemisfério norte) os atletas da modalidade treinem em locais secos, usando uma espécie de patinete sob os pés. É o chamado roller esqui. Na cabeça de Ribela, o projeto formaria atletas no asfalto para depois levá-los para a neve.

E foi exatamente o que aconteceu não só com Victor, mas também com mais de uma dezena de atletas. O garoto da São Remo viu neve pela primeira vez ainda em 2014, convidado pela Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN), exatamente para ter essa experiência. No ano seguinte, já estava competindo na Europa.

Nesta segunda-feira, quando recebeu a convocação para disputar a Olimpíada, ele estava na Itália com mais nove atletas do time brasileiro de esqui cross country, todos amigos. Um deles, Lucas Lima, o Lucão, de apenas 16 anos, por pouco não lhe roubou a vaga olímpica – o melhor resultado de Victor, 221 pontos, foi apenas meio ponto melhor que do amigo e rival.

"Quando eu era mais moleque, eu jogava futebol. Nunca imaginei que ia virar esquiador, mas já que apareceu a oportunidade vi que tinha condição de ir (à Olimpíada) e me dediquei. Ainda não sei o que vai dar para fazer em Pyeongchang, mas sei que passando a Olimpíada quero seguir treinando para ir de novo. Com mais quatro anos de experiência, com certeza vou vir mais preparado, mais experiente", projeta Victor, que já está perto de bater o melhor resultado do tutor e que foi o melhor do ranking sul-americano do ano passado, mesmo tendo passado apenas dois meses na neve.

Assim como nos tempos de garoto, a maior parte do tempo ele passa na USP, onde lida em algumas oportunidades com o preconceito. "Tem muita gente que vê a gente treinando e pergunta, se interessa, incentiva. Mas muita gente que passa e grita para a gente ir estudar, ir trabalhar, que está atrapalhando porque está ocupando uma parte da rua. Mas a gente tenta não se importar, fazer o nosso treino", conta.

Além de Victor, o Brasil vai levar outros oito atletas para Pyeongchang. Na neve, também competem Jaqueline Mourão (também no cross), Isabel Clark (snowboard) e Michel Macedo (esqui alpino). Isadora Williams disputa a patinação artística no gelo e Edson Bindilatti é o piloto do bobsled, com Odirlei Pessoni, Rafael Souza, Edson Martins.

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.