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Olhar Olímpico

Para não ter doping exposto, Bellucci apostou e colocou temporada em risco

Demétrio Vecchioli

05/01/2018 04h00

Buda Mendes/Getty Images

Ao ser informado, em 18 de setembro, de que havia testado positivo para uma substância proibida pelo Código Mundial Antidoping, Thomaz Bellucci recebeu um papel. Nele, poderia declarar aceitar entrar em suspensão provisória voluntária. Em contrapartida, teria seu caso exposto publicamente pela Federação Internacional de Tênis (ITF), enquanto o processo se desenrolava. O brasileiro optou por não assinar e, consequentemente, não entrar em suspensão oficial. Fez uma aposta, na qual acabou saindo vitorioso.

Pelas regras da ITF, se um atleta aceita entrar em suspensão voluntária, ele ganha o benefício de uma eventual suspensão definitiva começar a contar daquela data e não da data do julgamento. No caso de Bellucci, meados de setembro, quando ele havia viajado para a China para disputar três torneios por lá.

O tenista brasileiro, orientado pelo advogado Pedro Fida, especialista em doping e sócio do Bichara e Motta Advogados, resolveu arriscar. Para não ter o nome exposto, carregando por meses uma denúncia de doping nas costas, Bellucci não assinou o documento. Mesmo assim, entrou em suspensão voluntária. Simplesmente parou de disputar torneios, alegando à imprensa que estava se recuperando de uma lesão no tendão de Aquiles.

A aposta tinha um grande risco. A ITF poderia determinar que a suspensão que viesse a ser aplicada, de até quatro anos, começasse a contar apenas na data da sentença – que acabou sendo 31 de dezembro. Além dos quatro meses que ficou afastado de forma voluntária – mas extraoficialmente -, Bellucci poderia ainda receber uma nova punição.

Ao comprovar que o doping foi causado por contaminação de um suplemento alimentar adquirido em farmácia de manipulação, porém, Bellucci ganhou crédito com a ITF para negociar. E, no entendimento do seu staff, saiu vitorioso.

A começar pela data para a qual a suspensão retroagiu. A federação internacional reconheceu a suspensão voluntária do brasileiro, ainda que extraoficial, e marcou para 1º de setembro o início do gancho. Além disso, a ITF aceitou não retirar os pontos e premiação que Bellucci conquistou entre o exame, colhido durante o ATP 250 de Bastad, na Suíça, em 18 de julho, e a pausa na sua carreira.

Isso não é pouco, porque nesse meio-tempo ocorreu o US Open. Ainda que tenha caído na primeira rodada, para o alemão Dustin Brown, o brasileiro levou para casa US$ 50 mil. Considerando também as quartas de final do ATP 250 de Kitzbuhel, na Áustria, conseguiu manter um total de 55 pontos e outros quase 19 mil euros. Só perdeu os 4.875 euros que levou ao perder na primeira rodada de Bastad.

Ainda que a defesa de Bellucci tenha tratado a punição como um "comum acordo" entre ele e a ITF (o que na prática foi), legalmente o que aconteceu foi que a ITF aplicou uma punição que havia sido acordada entre o jogador e a federação, e ela foi "aceita" por Bellucci, que volta a poder atuar em 1º de fevereiro.

PLANOS ADIADOS

Bellucci tinha planejado mudar de mala e cuia para os Estados Unidos no segundo semestre, acompanhado de André Sá, seu novo treinador e parceiro de duplas. O resultado do exame antidoping colhido na Suíça, porém, mudou todos os planos. O brasileiro abriu mão de disputar os três torneios na China para os quais estava inscrito e voltou ao Brasil, adiando a mudança para a Flórida.

"Eu não me sentia confortável para jogar. Queria provar minha inocência, cuidar disso pessoalmente. A gente (Bellucci e o advogado) produziu prova atrás de prova provando que eu não tinha nada a ver. Queria voltar o mais rápido possível. Cancelei minha viagem para estar aqui em São Paulo, junto com o Pedro", explicou o tenista, em entrevista coletiva, na quinta.

Segundo ele, a soma de problemas fez desses últimos meses uns dos mais difíceis de sua carreira. "Foi um momento de uma das minhas lesões mais sérias. Tenho convivido com dor, mas consigo treinar vários dias seguidos sem muita dor. Foi um momento difícil para mim. Tinha que recuperar da lesão, planejar a mudança e provar minha inocência", lembrou.

Desde que soube do resultado positivo, Bellucci sumiu inclusive das redes sociais. Todas as postagens nas quais ele aparecia foram deletadas da conta no Instagram da esposa dele, Gabi Cabrini. Mas o jogador continuou sendo marcado por amigos, que mostraram uma rotina de treinos em São Paulo, sempre junto com André Sá.

Em outubro, Bellucci chegou a anunciar que estava inscrito para dois challengers, em Montevidéu e no Rio, ambos em novembro. No primeiro, jogaria como convidado e, no segundo, como segundo cabeça de chave. Retirou-se de ambos em cima da hora, tanto que, no Country Club, um lucky looser entrou na vaga dele na chave principal.

De acordo com o advogado, Bellucci e ele confiavam que o caso seria resolvido a tempo de o brasileiro jogar os torneios, mas a ITF levou mais tempo que o usual para tomar a decisão. No entender de Fida, isso ocorreu por causa das diversas etapas para que se provasse que o doping era fruto de contaminação.

 

 

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.