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Olhar Olímpico

CBF abriu mão de contrato de R$ 50 mi para beneficiar agência parceira

Demétrio Vecchioli

05/12/2017 04h00

Santos venceu Brasileirão em 2017; por ano, torneio rende R$ 10 mi a agência parceira da CBF

Entre 2013 e 2017, a cúpula da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) abriu mão de receber R$ 50 milhões de patrocínio para o Brasileirão Feminino. Apesar da garantia do Governo Federal de que bancaria a realização do torneio, a CBF preferiu repassar à parceira Sport Promotion os direitos sobre ele. Por se tratar de um contrato sigiloso, não é possível afirmar como a confederação escolheu a agência e se recebeu alguma quantia pela cessão dos direitos.

Por que a CBF, que poderia lucrar com o patrocínio líquido e certo de um banco estatal, escolheu uma terceira empresa para ficar com todo o dinheiro? É essa a pergunta que faz o TCU, que decidiu fiscalizar de forma específica as contratações de patrocínio entre a Caixa e entidades esportivas. Paralelamente, outra auditoria avalia a conformidade de patrocínios de empresas estatais na área do esporte.

O caso do Brasileirão Feminino se sobressai entre os acordos fechados por CBF e Caixa. Selado em 2013, o patrocínio ao torneio prevê pagamento de R$ 10 milhões anuais. Esse dinheiro vai direto para a Sport Promotion, que assume o contrato sob a incumbência de organizar toda a competição. O modelo é diferente de uma terceirização comum. Se quisesse, por exemplo, a entidade poderia receber a verba e repassar à agência o valor que entender ser necessário para a realização do Brasileirão Feminino, sem abrir mão dos lucros – ou, no caso da CBF, dinheiro extra para o futebol feminino.

Quando decidiu repassar o Brasileirão Feminino, a CBF já sabia que não teria prejuízo com a competição, cenário em que normalmente faz sentido a contratação de uma agência como a Sport Promotion, que assumiria riscos e buscaria parceiros comerciais. Neste caso específico, todas as partes sabiam que a Caixa bancaria a conta.

O acordo foi selado no dia 16 de setembro de 2013, diante da imprensa, em um evento na sede da CBF, no Rio. Ainda que, em tese, o contrato fosse direto entre Caixa e Sport Promotion, o então diretor de competições da CBF Virgílio Elísio também assinou o compromisso diante das câmeras. Na mesa também estavam o então ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e um vice-presidente da Caixa.

Àquela altura, o patrocínio da Caixa ao Brasileirão Feminino já era noticiado há meses, uma vez que a realização do torneio pela primeira vez era promessa de campanha da então presidente Dilma Rousseff. Em julho, dois meses antes do acordo ser assinado, o UOL já anunciava o acerto.

Em entrevista ao blog em setembro, por conta de outra reportagem, Alfredo Carvalho, diretor comercial da Sport Promotion, disse que a empresa continua tendo lucro com o Brasileirão Feminino. A última edição da competição teve 184 partidas, mas começou em 2013 com "apenas" 70. Se hoje ainda "dá lucro", como diz o empresário, provavelmente a agência vem tendo retorno com o negócio desde o início, quando o custo era menor.

Del Nero, o caso Fifa e o dinheiro público

José Maria Marin, presidente da CBF entre 2012 e 2015, e Marco Polo Del Nero, antes vice e agora presidente, hoje são acusados de cobrar propina de intermediários que compravam direitos comerciais por valores baixos e os revendiam por quantias altas. O "caso Fifa" corre em um tribunal de Nova York e apura um escândalo de corrupção de escala global. No Brasil, no entanto, nenhum dos dois é investigado pela Justiça.

É que no Brasil não existe o crime de "corrupção privada" e a CBF bate na tecla de que não recebe "qualquer aporte, repasse, benefício ou colaboração de recursos públicos, de qualquer espécie". Por ter "exclusivamente como origem receitas de natureza privada", não precisa cumprir com obrigações de quem recebe recursos públicos, como todas as outras confederações olímpicas, por exemplo.

Os patrocínios da Caixa Econômica Federal a quatro competições organizadas pela CBF, especialmente ao Brasileirão Feminino, podem derrubar essa interpretação. Tanto que o Tribunal de Contas de União (TCU) quer saber se a CBF não está se valendo de intermediários, como a Sport Promotion, para receber recursos de empresas estatais. Desde 2013, o banco já disponibilizou R$ 77 milhões a título de "patrocínio" esses torneios. Todos os contratos, porém, foram firmados com empresas privadas, e não com a confederação em si.

Sport Promotion, velha parceira da CBF

Há duas semanas, o UOL Esporte revelou ter encontrado indícios de fraudes na contratação da Sport Promotion, por parte de Marco Polo Del Nero, utilizando recursos de convênios entre a Federação Paulista de Futebol (FPF) e o governo do Estado de São Paulo entre 2011 e 2012. O Brasileiro Feminino foi lançado no ano seguinte, quando José Maria Marin era o presidente da CBF, mas Del Nero, seu vice, tomava diversas decisões importantes.

Os dois alegaram terem outros compromissos para não comparecerem à entrevista coletiva que anunciou o Brasileirão Feminino, em setembro de 2013. A Sport Promotion foi coadjuvante naquele evento, ainda que, na prática, fosse figura central. A empresa, que ganhou da confederação os direitos comerciais sobre uma competição que já tinha a garantia de receber R$ 10 milhões em patrocínio, sequer foi citada na reportagem do site da CBF sobre o assunto.

Só com o patrocínio da Caixa, a Sport Promotion já recebeu R$ 50 milhões pelas cinco edições do Brasileirão Feminino. A empresa ainda vendeu os direitos de transmissão do torneio a emissoras como a SporTV e a BandSports, por valores não revelados.

Outros contratos da Caixa têm modelo diferente

O patrocínio ao Brasileiro Feminino, via Sport Promotion, não é o único feito pela Caixa nos últimos anos envolvendo competições organizadas pela CBF. Desde 2013, já foram firmados 13 contratos pelo banco estatal, sempre por intermédio de agências. Nunca em repasses diretos à CBF, que só tem patrocinadores privados.

À Sport Promotion, a Caixa pagou três vezes R$ 2,2 milhões em patrocínio referente à Série B do Campeonato Brasileiro. Este caso, e também os citados abaixo, porém, parece se diferenciar do Brasileirão Feminino. Ainda que os contratos entre CBF e Sport Promotion sejam todos eles sigilosos, no caso da Série B a agência adquiriu os direitos comerciais assumindo o risco de ter prejuízo. Na competição feminina, havia a garantia de um patrocínio expressivo.

Os acordos por Copa do Nordeste e Copa Verde são parecidos com o da Série B. O primeiro torneio tem seus diretos comerciais repartidos entre a TopSports (nome empresarial do Esporte Interativo), a SportPlus e a Klefer (do ex-presidente do Flamengo Kleber Leite). A Caixa pagou R$ 1,8 milhão à TopSports em 2013 e à SportPlus em 2014. Depois, dobrou o patrocínio nos anos seguintes, pagando duas vezes à Klefler e uma à TopSports. As três dividem o que ganham.

Já na Copa Verde, o pagamento de 2015, de R$ 2 milhões, foi feito à Klefer. No ano passado e na atual temporada, o contrato de patrocínio da Caixa, com o mesmo valor, foi assinado com a TopSports. Em todos os casos, vale ressaltar, não é pública a forma como a CBF escolheu as agências que organizariam seus torneios.

O que dizem os envolvidos?

Em nota, a CBF lembrou que suas atividades "têm exclusivamente como origem receitas de natureza privada, sem qualquer aporte, repasse, benefício ou colaboração de recursos públicos, de qualquer espécie" e que "a exploração comercial de publicidade estática e demais propriedades inerentes às competições coordenadas pela CBF são cedidas a empresas especializadas que são responsáveis exclusivas pela comercialização, não havendo nenhuma relação contratual da CBF com entes públicos". Por fim, disse que "cumpre estritamente toda legislação vigente".

A Caixa alega que os contratos de patrocínio citados na reportagem foram feitos "dentro dos padrões normativos e legais" e com empresas "que detém os direitos exclusivos de produção, promoção e comercialização de eventos outorgados pela CBF". O banco alega que só é proibido de firmar contratos de patrocínio por intermédio de agência de publicidade prestadora de serviços da Caixa.

A Sport Promotion não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.