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Olhar Olímpico

Poliana relaciona aposentadoria a falta de apoio e não vai parar de nadar

Demétrio Vecchioli

28/11/2017 12h00

(Lucas Lima/UOL)

O que leva uma atleta a se aposentar um ano depois de ganhar uma inédita medalha olímpica? Entre outros motivos, por mais incrível que possa parecer, a falta de apoio. É o caso de Poliana Okimoto, bronze na maratona aquática nos Jogos do Rio e que decidiu encerrar sua carreira como atleta de alto rendimento depois de um ano no qual perdeu seu principal patrocinador, os Correios. E isso apesar do feito inédito na natação brasileira alcançado um ano antes.

"Já vinha pensando nisso desde o começo do ano, quando perdi a estrutura que eu tinha. A qualidade dos meus treinos diminuiu bastante. Fiquei super chateada com a falta de respeito que o Correios comigo. Não tive nenhum tipo de satisfação. Não tive nenhum tipo de conversa com eles, nem para eles dizerem se havia chance mais para frente. Isso abalou muito minha motivação", contou a nadadora em entrevista ao Olhar Olímpico.

Tanto quanto a motivação, Poliana perdeu sua equipe multidisciplinar, bancada com o patrocínio dos Correios. Ao deixar de ter um fisioterapeuta todo dia à sua disposição, começou a treinar diariamente com dores, especialmente nos ombros e no quadril. Os treinos ficaram piores e os resultados caíram. "Eu tô com 34 anos, minha recuperação não é tão rápida quanto de uma menina de 20 anos. Sem a equipe eu senti muita diferença. Foi totalmente diferente dos treinamentos para a Olimpíada."

Poliana se considera uma atleta talentosa, claro, mas que conquistou tudo que conquistou porque teve muita dedicação. E que teve na equipe multidisciplinar um "detalhe" que fez toda a diferença para o maior feito da sua carreira. Sem esse suporte, ela pela primeira vez na carreira ficou fora de um Mundial, terminando na terceira colocação a seletiva para os 10km em Budapeste, atrás não só de Ana Marcela Cunha, mas também de Viviane Jungblut.

Não fazia mais sentido continuar no alto rendimento, mas isso não significa que Poliana não será mais vista por aí nadando. "Eu acho que vai ser difícil eu sair da água. Vai ser difícil eu parar de treinar, é uma coisa que eu gosto muito. Estou me aposentando das provas oficiais, alto rendimento, isso sim. Essa competitividade exige muita dedicação, exige dedicação total. Mas essas provas menores, o treino em si, pelo menos três vezes na semana vou continuar nadando", garante a futura "ex-atleta", que sonha ser mãe em breve.

Até a aposentadoria Poliana vai nadar mais três vezes, pelo menos. Ela está inscrita para participar do Troféu Open, onde estará nos 200m livre (que tem eliminatórias e final) e nos 800m (apenas a série forte). Depois, vai receber uma homenagem no Rei e Rainha do Mar, tradicional prova de maratona aquática disputada em Copacabana, no dia 10.

Em março, nadará de novo. Mas aí já não mais em alto rendimento e sim em uma nova fase da carreira. Poliana já tem tudo acertado para realizar um evento de maratona aquática em um parque aquático do interior de São Paulo. Ela e o marido/técnico Ricardo Cintra darão clínica e, no terceiro dia, haverá uma competição um lago, a Travessia Poliana Okimoto.

Pioneira – Primeira pessoa brasileira a ganhar uma medalha mundial em maratonas aquáticas, primeira campeã do Circuito Mundial, primeira (e única) mulher campeã mundial em prova olímpica na natação, primeira (e única) mulher medalhista olímpica em provas de natação. Poliana escreveu uma história no esporte brasileiro, mas quer se reconhecida por seu pioneirismo.

"Fico muito feliz e honrada de ter sido pioneira da minha modalidade, não só abrir portas para uma nova geração, porque eu acho que abri portas para eles, mas acredito que abri portas para a modalidade. Era uma modalidade que ninguém conhecia, poucos sabiam o que era. A maratona cresceu muito. As pessoas conheciam meu nome, mas não a modalidade. Hoje tem uma prova por fim de semana no país. Fico feliz de ter aberto portas para minha modalidade."

E ela quer continuar a realizar esse serviço. Com o marido, está abrindo uma empresa de consultoria esportiva e, como outros atletas de renome, vai ter seu próprio camp de treinamento.  Um pouco mais afastada da água, promete aproveitar que não vai ter mais "nada a perder" para fazer barulho na defesa do atleta. Se o COB de fato aprovar espaço para 12 atletas fazerem parte do seu colégio eleitoral, Poliana será uma das votantes.

"O atleta quando se aposenta ele não tem mais o que perder, ele não precisa mais ter medo. Esses últimos anos da minha carreira, como eu já não tinha o que perder, eu já falava o que vinha pensando e me engajava nesse lado. Não sei o que vai acontecer daqui para frente, se vou virar dirigente, mas com certeza não vai faltar opinião. Nunca tive medo de dar minha opinião, agora como sendo ex-atleta, sem vinculo com federação, com COB, fica muito mais fácil a gente se posicionar."

Outro lado – Procurado pelo Olhar Olímpico, os Correios disseram que: "em contratos de patrocínio já encerrados, os valores repassados pela empresa à CBCD previam bolsas individuais aos atletas com melhor desempenho. Nesta situação se encontrava a nadadora Poliana Okimoto, bem como outros atletas".

"Importante destacar ainda que os critérios técnicos para essas definições e a gestão desses recursos cabiam à confederação e tinham a anuência dos Correios. No entanto, diante do grave cenário econômico-financeiro no qual a estatal se encontra e das medidas de contingenciamento consequentemente tomadas para a recuperação de sua saúde financeira, foi necessária a aplicação de cortes também nos investimentos em patrocínio. Assim sendo, no recente contrato firmado entre Correios e CBDA, houve significativa redução de valor, não suportando mais a aplicação de bolsas individuais. Porém, para que ainda se mantivesse uma forma de incentivo, ficou acordado entre ambas as instituições um sistema de premiação baseado, principalmente, no reconhecimento pelo desempenho e pelas conquistas de resultados internacionais de cada atleta. Destaca-se que os Correios respeitam e valorizam os esforços dos atletas. Entretanto, seus contratos de patrocínio precisam estar dentro dos limites de valores que o momento exige", completa a nota.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.