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Olhar Olímpico

COB pós-Nuzman tem racha entre nova e velha geração de dirigentes

Demétrio Vecchioli

23/11/2017 04h00

(Presidentes reunidos em julho do ano passado, ainda sob comando de Nuzman. Crédito: assessoria de imprensa do COB)

Se durante 25 anos os presidentes de confederação concordaram em manter Carlos Arthur Nuzman no poder, com uma ou outra dissidência pontual, a primeira decisão tomada por eles depois da renúncia do dirigente investigado pela Polícia Federal mostra uma clara divisão dentro do Comitê Olímpico do Brasil (COB). De um lado, um grupo de veteranos, que votou diversas vezes para perpetuar Nuzman no poder e manter o status quo das confederações. De outro, um movimento de dirigentes mais jovens e os atletas. Um racha provocado pelo primeiro que, ao que tudo indica, beneficia o segundo.

A divisão foi evidenciada na quarta-feira, quando a assembleia geral do COB se reuniu para votar um novo estatuto, considerado muito mais moderno do que o atual. A proposta seria aprovada na íntegra, não fosse uma movimentação de 15 dirigentes, das confederações de boxe, canoagem, ginástica, handebol, levantamento de peso, pentatlo moderno, remo, ciclismo, taekwondo, tênis de mesa, tiro com arco, tênis, tiro esportivo, vôlei e wrestling.

Leia: Confederações rechaçam proposta do COB e atletas terão só cinco votos

Aproveitando-se da ausência do representante da confederação de rúgbi, que precisou ir embora mais cedo, eles sugeriram alterar a minuta de estatuto que estava sendo votada, para que os atletas tivessem direito a cinco votos no colégio eleitoral do COB, e não 12, como proposto. O representante do rúgbi havia declarado formalmente seu voto a favor da proposta inicial, mas seu voto acabou descartado pela assembleia, em votação de 15 a 14.

Ou seja: esses 15 dirigentes não só votaram a favor de uma proposta para reduzir o poder de voto dos atletas, como também se uniram para invalidar o voto de um dos seus pares, dirigente de uma das confederações mais elogiadas por boa gestão. Ignoraram a opinião do jurídico do COB e o fato de o voto do rúgbi estar constado em ata. Tudo para derrubar a proposta que abria mais espaço aos atletas. E derrubar provisoriamente, porque a CBRu já avisou que vai até as últimas instâncias para fazer valer seu voto, com grande chance de sucesso.

Mais do que uma diferença de opiniões, a votação se tornou um exemplo da diferença de posturas. Dirigentes ligados às confederações derrotadas nessa discussão ficaram bastante irritados, enquanto que os veteranos comemoraram uma vitória pontual. Possivelmente, a última deles.

É que essa foi a última assembleia realizada com 32 votantes – as 30 confederações, o membro brasileiro do COI e o representante dos atletas. A partir do ano que vem, entram no COB cinco confederações, de surfe, skate, caratê, beisebol/softbol e escalada e a tendência é que pelo menos três delas se aproximem ao grupo mais de vanguarda. Além disso, os atletas devem seguir o mesmo caminho.

Veja: Comissão de Atletas engrossa o tom e critica postura de confederações

Paulo Wanderley, que pouco apareceu como vice-presidente do COB e que nunca se apôs a Nuzman enquanto dirigente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), tem adotado um discurso de modernidade desde que assumiu o cargo, no dia em que Nuzman foi preso, no começo de outubro. Muito mais alinhado a confederações como as de vela, desportos na neve, rúgbi e triatlo do que das que têm dirigentes há mais de 20 anos no poder. Sem meias palavras, renegando a herança de Nuzman, que falou alto nesta quarta.

Ao se colocarem contra uma das propostas da estatuinte convocada por Paulo Wanderley, ainda que tenham aprovado todas as outras alterações no estatuto, as 15 confederações parecem ter comprado uma briga na qual já saem perdendo. Afinal, jogaram os atletas contra elas na véspera de dar mais poder aos próprios atletas. Ao invés de se colocarem como aliadas, assumiram papel de oposição.

Ontem mesmo, a Atletas pelo Brasil, ONG que conseguiu aprovações na Lei Pelé para, por exemplo, impedir mais de uma reeleição, e que deve coordenar uma nova leva de projetos de lei para regulamentar o esporte no país, soltou uma nota dura contra essas 15 confederações, sendo acompanhada por outra ONG, a Sou do Esporte, que premia anualmente as confederações com melhor governança.

"A manobra, para a Atletas pelo Brasil, simboliza clara distância entre discurso e prática. Apesar da aparente abertura do novo presidente, Paulo Wanderley, o estilo de gestão não democrática de Carlos Arthur Nuzman parece ainda prevalecer entre as confederações. A derrota de hoje de Paulo Wanderley mostra que o espírito autoritário segue vivo em parte das confederações. E que enquanto o COB concentrar dinheiro e poder, é improvável que este cenário mude", escreveram os atletas, liderados por Raí, sem esconder o entendimento de que Paulo Wanderley sai derrotado do seu primeiro grande teste.

A ONG promete continuar lutando contra a postura das confederações tidas como arcaicas. "A Atletas pelo Brasil repudia o posicionamento antidemocrático das 15 confederações que optaram por mais uma vez silenciar os atletas. A transformação do setor esportivo, rumo à maior transparência e melhor governança, é um processo inevitável. Os atletas são uma das partes mais afetadas e têm que ter voz nas mudanças que irão desenhar o futuro do esporte brasileiro."

Já a Sou do Esporte reclama que 15 confederações "persistem em estabelecer a mordaça como ferramenta para prevalecer suas ideias". "A sociedade não pode aceitar nem no âmbito esportivo, nem no âmbito da cidadania, que pessoas que têm o direito de participar sejam excluídas por vontades contrárias às expectativas da sociedade. A Sou do Esporte sabe que o Comitê Olímpico do Brasil agiu como deveria, mas o esporte ainda vive, 'na era de chumbo no esporte brasileiro"', escreve a ONG, citando uma declaração de Bebeto de Freitas. "É preciso reverter esse quadro. O esporte é um bem da sociedade, não de apenas alguns."

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.