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Olhar Olímpico

Defesa de Nuzman tem samba-enredo, Kafka e até citação ao nazismo

Demétrio Vecchioli

22/11/2017 12h22

Réu em processo que corre na 7ª Vara Federal Criminal, no Rio de Janeiro, no âmbito da Lava-Jato, Carlos Arthur Nuzman apresentou sua defesa prévia ao juiz Marcelo Bretas no último dia 13 de novembro. Em uma peça com 140 páginas e outros 33 anexos, a defesa de Nuzman faz comentários breves em relação à denúncia de que o então presidente do Comitê de Candidatura e do Comitê Olímpico do Brasil (COB) tenha atuado na suposta compra de votos africanos para que o Rio fosse escolhido como sede da Olimpíada de 2016.

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro partiu da acusação de que o senegalês Lamine Diack, membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) e presidente da federação internacional de atletismo, a IAAF, recebeu US$ 2 milhões para votar pelo Rio e convencer outros eleitores. O pagamento teria sido feito pelo empresário Arthur Soares, conhecido como Rei Arthur e acusado de fazer parte da quadrilha do ex-governador Sergio Cabral. De acordo com a denúncia, Nuzman sabia da compra de votos e atuou como intermediário.

Sem citar a troca de e-mails envolvendo Nuzman, Diack e o diretor de operações do Comitê Rio-2016 Leonardo Gryner, a defesa do agora ex-presidente do COB rebate a tese defendida pelo MPF de que Nuzman pode ser equiparado a funcionário público. No entender do ministério público, o fato de o COB receber recursos públicos, de ele ter um passaporte diplomático e de o comitê representar internacionalmente o Brasil, permitem tratar Nuzman essa equiparação.

A tese é ironizada pela defesa, que, durante toda a peça, trata de forma jocosa a acusação. "Nada mais inexato do que o relato acusatório. Moldura para um quadro do absurdo. Situação anômala, divorciada por inteiro da verdade dos fatos. Não se pode conceber uma ação penal correspondente a um modelo kafkaniano", escrevem os advogados, citando o autor tcheco Franz Kafka, para rebater a acusação de que Nuzman constituiu uma organização criminosa para praticar crimes contra o estado do Rio, o COB e e comitê organizador.

Para criticar o "contorcionismo jurídico" do MPF, a defesa cita diversos momentos históricos de privação de direitos. "Ninguém haverá de desconhecer, na sociedade do espetáculo em que vivemos, o protagonismo que se tem conferido aos que se encarregam de acusar, bem assim aos próprios magistrados no que propendem para um dos lados, qual barco adernado, vendo com magnanimidade a pretensão punitiva, enxergando com avareza a argumentação da defesa", apontam os advogados, liderados por Nélio Moura.

Em seguida, são citados "períodos de trevas", o uso da guilhotina na Revolução Francesa, o nazismo e o fascismo. "Entre nós, da Monarquia à República, não foram poucos os momentos turvos vivenciados, golpes, supressões de garantias fundamentais, presunção de culpa, mitigação do direito de defesa, inversão do ônus da prova, práticas invasivas de investigação e já agora o escarmento antes mesmo do exaurimento da prestação jurisdicional", complementa a defesa.

A peça critica a colaboração internacional feita com autoridades francesas, avaliando que "a terra de De Gaulle e de outros tantos personagens daquela respeitável República (a França) não placitaria, certamente, nada de parecido". Também reclama da "espetaculização" da operação, com órgãos de imprensa sendo previamente avisados e aguardando a polícia na porta da casa de Nuzman.

Boa parte da peça defende e exalta o currículo do dirigente, não poupando palavras elogiosas ao homem que, em sua trajetória política, demonstrou, segundo a defesa, sua "capacidade de realização e de transformar sonhos em realidade".

Citando o fato de Nuzman pleitear os Jogos Olímpicos no Brasil desde sua primeira candidatura ao COB, em 1979, a defesa alega que esse era um sonho de vida e que trata-se de uma ilação acusar o dirigente de trazer a Olimpíada ao país para desviar dinheiro.

A defesa cita na íntegra, inclusive, a letra completa do samba-enredo da Mangueira de 1997, que desfilou o enredo "O olimpo é Verde Rosa". A defesa usa o desfile como prova de que "o sonho de realizar as Olimpíada do Rio sempre ter tido apoio popular". Só não explica que o enredo foi patrocinado pela Petrobras, que, à época, era a grande incentivadora da campanha pela Olimpíada de 2004 no Rio.

Acusações – Por falar em Petrobras, ela é citada junto com a Caixa, por ser patrocinadora da Rio-2016. Os dois contratos foram anexados à peça, para que a defesa argumentasse que o que o MPF trata como "repasses" são, na verdade, contratos de patrocínio. O MPF se apoia no fato de dinheiro público ter sido "repassado" ao Comitê Rio-2016 para argumentar que Nuzman pode ser equiparado a um agente público e para argumentar que recursos públicos cobriram rombos financeiros causados, em parte, por supostas fraudes.

"O propósito de se conferir ares de ilegalidade a relação contratual atinente a patrocínio, com a suposição de suposto prejuízo às empresas que investiram no evento, não passa de mera conjectura do Ministério Público, divorciada da realidade", escrevem os advogados de Nuzman.

A defesa do dirigente também rebate a acusação do MPF de que Nuzman agiu para dar desconto à multa que deveria ser paga por um empreendimento hoteleiro de Arthur Soares que recebeu pela locação de quartos para a Olimpíada, mas não ficou pronto a tempo. De acordo com a defesa, Arthur Soares tem participação minoritária no empreendimento, 14%, e Nuzman não fazia parte do conselho de dissolução da Rio-2016 que tomou a decisão de dar o desconto.

Testemunhas – Nuzman pediu a Bretas para arrolar um total de 40 testemunhas, sendo que metade delas mora no exterior. Por tratar-se de uma denúncia relativa à campanha do Rio pela Olimpíada de 2016, foram arrolados diversos dirigentes internacionais, incluindo o atual presidente do COI Thomas Bach e seu antecessor Jacques Rogge.  Entre outros eleitores do COI, são citados o príncipe Albert II, de Mônaco, e o Rei da Holanda.

Entre os brasileiros, aparecem diversos funcionários do Comitê Rio-2016, entre eles o diretor de comunicação Mario Andrada e Agberto Guimarães, que atualmente trabalha no COB – ainda assim, seu endereço aparece como sendo do Co-Rio-2016. Membro da comitiva que pediu votos para o Rio na véspera da eleição, Pelé também foi arrolado.

Sobre o autor

Demétrio Vecchioli, jornalista nascido em São Roque (SP), é graduado e pós-graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Começou na Rádio Gazeta, foi repórter na Agência Estado e no Estadão. Focado na cobertura olímpica, produziu o Giro Olímpico para o UOL e reportagens especiais para a revista IstoÉ 2016. Criador do Olimpílulas, foi colunista da Rádio Estadão e blogueiro do Estadão, pelo qual cobriu os Jogos do Rio-2016.

Está disponível para críticas, elogios e principalmente sugestões de pautas no demetrio.prado@gmail.com.

Sobre o blog

Um espaço que olha para os protagonistas e os palcos do esporte olímpico. Aqui tem destaque tanto os grandes atletas quanto as grandes histórias. O olhar também está sobre os agentes públicos e os dirigentes esportivos, fiscalizados com lupa.